Caatinga tem 182 animais ameaçados; no país, quase 10% dos monitorados estão sob risco de extinção
Araras, onças e periquito-cara-suja estão entre os animais do bioma que podem desaparecer.
Por Patrícia Figueiredo, G1
Animais em extinção no Brasil — Foto: Roberta Jaworski/G.
Pelo menos 1.173 espécies de animais vivem sob risco de extinção no
país atualmente. Há outros dez animais que existiam no Brasil e que já
desapareceram completamente do território nacional. Os dados são do
Instituto de Conservação da Biodiversidade Chico Mendes (ICMBio). O
órgão publicou em janeiro a mais recente edição do Livro Vermelho da
Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção 2018. A versão anterior do
relatório havia sido publicada há mais de dez anos, em 2008.
Não é possível comparar o número de espécies ameaçadas em 2018 com os
registrados anteriormente porque a abrangência da pesquisa foi maior na
edição recém-lançada. De 2008 para 2018, 716 espécies passaram a
integrar a lista de ameaçados e 170 saíram. Em 2008 eram analisadas
1.400 espécies e, agora, são 12.254.
Desses mais de 12 mil animais, 9,7% foram classificados em algum nível
de ameaça. De acordo com o ICMBio, das 1.173 espécies ameaçadas no país,
724 estão nas duas categorias mais críticas, com risco alto ou
extremamente alto de extinção.
A Mata Atlântica é o bioma que acolhe maior número de espécies
ameaçadas, tanto em números absolutos quanto em proporcionais à riqueza
dos ecossistemas. São 1.026 animais ameaçados que vivem ali, sendo que
428 deles são endêmicos, ou seja, só existem em regiões de Mata
Atlântica.
A Caatinga abriga ao todo 182 animais ameaçados. Desses, 46 existem apenas nesse bioma. Um deles é a arara-azul-de-lear, que é alvo de ações de preservação no Raso da Catarina e está sendo reinserida na natureza no Boqueirão da Onça, na Bahia.
A arara-azul-de-lear se tornou símbolo da biodiversidade do sertão
junto com felinos como a onça-parda e a onça-pintada. As onças quase
desapareceram do semiárido nos últimos anos, principalmente por causa da
expansão de atividades agropecuárias que, segundo pesquisadores, já
devastaram mais de 50% da vegetação nativa.
Retorno de arara quase extinta na caatinga mostra os desafios da conservação de espécies
Esses mascotes fazem companhia na lista a outros representantes menos
conhecidos do bioma. É o caso, por exemplo, dos periquitos-cara-suja.
Encontrados na região da Serra do Baturité, no Ceará, eles são
capturados por caçadores quando ainda estão nos ninhos e acabam
abastecendo as feiras cearenses de venda ilegal de animais silvestres.
Antes encontrada em diversos locais do Nordeste, a espécie sofreu um
declínio populacional e acabou incluída na lista de animais em perigo de
extinção. A tendência só se reverteu com o trabalho de ONGs que fazem
campanhas de conscientização e ações de reprodução em cativeiro.
Classificações de risco
Há oito classificações usadas para analisar o risco de extinção de um
animal. O termo “ameaçado” é adequado para designar apenas três dessas
categorias: Criticamente em Perigo, Em Perigo e Vulnerável.
Conheça os níveis de ameaça de espécies animais:
- Extinto: usada apenas quando não há nenhuma dúvida razoável de que o último indivíduo da espécie já morreu.
- Extinto Na Natureza: animal não existe mais na sua área de distribuição original mas ainda pode haver exemplares criados em cativeiro ou em outros habitats.
- Criticamente Em Perigo: é a designação mais elevada de risco. Nela estão os animais que enfrentam perigo extremamente elevado de extinção na natureza.
- Em Perigo: são animais que, segundo os pesquisadores, enfrentam risco muito alto de extinção e que provavelmente vão desaparecer em um futuro próximo.
- Vulnerável: enfrentam risco alto de extinção na natureza a menos que as circunstâncias que ameaçam a sua sobrevivência e reprodução melhorem.
- Pouco Preocupante: usada para espécies que são abundantes e amplamente distribuídas.
- Não Avaliado ou Não Aplicado: espécies consideradas inelegíveis para avaliação em nível regional.
- Dados Insuficientes: faltam dados adequados sobre a distribuição e abundância da espécie.
Essa catalogação de risco é utilizada não apenas no Brasil mas em todo o
mundo. Ela segue o padrão criado pela União Internacional para
Conservação da Natureza (IUCN, na sigla em inglês) em 1964.
Espécies mais ameaçadas
Não existe um ranking dos animais mais ameaçados do Brasil. Para
defensores do meio ambiente, colocar a lista em uma ordem determinada de
prioridade seria prejudicial aos esforços de conservação da
biodiversidade.
“As três categorias que compõem o nível de ameaça já constituem um
ranking: espécies Criticamente em Perigo estão mais ameaçadas do que as
que recebem o selo Vulnerável, por exemplo”, diz o pesquisador Márcio
Martins, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo
(IB-USP).
A IUCN afirma que as todas as espécies classificadas com o mesmo selo
têm risco de extinção igual. Envolvido na coordenação de alguns grupos
de pesquisadores do Livro Vermelho, Martins, avalia que ranquear as
espécies pode favorecer aquelas que têm mais apelo entre os humanos,
como os mamíferos.
“As listas de animais ameaçados devem ser feitas da maneira mais cientifica e fria possível. Dentro das categorias que já existem não é correto fazer diferenciação porque isso partiria de argumentos subjetivos. É nessa hora que a paixão fala mais alto que a razão”, diz Márcio Martins, do IB-USP.
A partir das listas de animais ameaçados são elaboradas desde campanhas
de conscientização de ONGs até políticas públicas nacionais. A
principal política de conservação natural do ICMBio são os planos de
ação nacional, que identificam populações em risco e seus ambientes
naturais para propor intervenções do poder público. Graças a essas ações
algumas espécies conseguem ter sua chance de extinção diminuída ou até
mesmo sair das listas do Livro Vermelho.
Conheça a história de cinco espécies cujo risco de extinção diminuiu nos últimos anos:
Ícone de campanhas de preservação ambiental, o mico-leão-dourado foi parar até na nota de R$ 20 — Foto: Nadine Doerlé/Pixabay
Mico-leão-dourado
Mascote de diversas campanhas de preservação ambiental, o
mico-leão-dourado melhorou seu status de conservação nos últimos anos
mas ainda corre risco de extinção. A espécie é classificação com risco
alto na última lista de animais ameaçados. O maior perigo para esse
animal que quase foi extinto nos anos 1970 é o desmatamento de seu bioma
natural, a Mata Atlântica. A febre amarela também coloca em risco
algumas populações.
Ameaçado por doenças e pela caça, veado-campeiro vive em pequenos grupos de até seis indivíduos — Foto: Cláudio Timm/VC no TG
Veado-campeiro
Natural do Cerrado, o veado-campeiro teve sua população diminuída nos
anos 1980 porque fazendeiros acreditavam que ele era responsável por
espalhar febre aftosa. A espécie era, na verdade, vítima da doença:
muitos animais acabaram morrendo por conta do contato com gado
contaminado. Depois que um espaço especial foi criado para a espécie no
Parque Nacional das Emas, em Goiás, outros estados também criaram
iniciativas de preservação. No Livro Vermelho de 2018 sua classificação
de risco caiu para vulnerável.
Sapinho-admirável-de-barriga-vermelha quase foi extinto por conta da construção de uma hidrelétrica — Foto: Divulgação/UFRGS
Sapinho-admirável-de-barriga-vermelha
O pequeno anfíbio, descrito pelos cientistas pela primeira vez em 2006,
existe apenas ao longo de um trecho de 700 metros do rio Forqueta, no
município de Arvorezinha, no Rio Grande do Sul. A reduzidíssima área de
distribuição da espécie levou-a a condição de criticamente em perigo de
extinção. Em 2014, o sapinho-admirável-de-barriga-vermelha quase acabou
extinto por conta da criação da Pequena Central Hidrelétrica de Perau de
Janeiro. A obra ia deixar submerso todos os seus 700 metros de habitat.
Graças à ação de pesquisadores e autoridade ambientais, abdicou-se do
empreendimento em favor da espécie.
Jararaca-de-alcatrazes vive em um sub-bosque da Mata Atlântica — Foto: Carlos Alberto Coutinho / TG
Jararaca-de-alcatrazes
Encontrada apenas na Ilha de Alcatrazes, no litoral paulista, esta
serpente foi considerada criticamente em perigo de extinção porque a
ilha, onde funciona uma base militar da Marinha, era usada há trinta
anos para a prática de exercícios de tiro de canhão. Depois de
insistentes pedidos de ambientalistas, a Marinha brasileira anunciou o
fim dos exercícios em 2013. Pesquisadores acreditam que, com o fim da
principal ameaça, a jararaca de Alcatrazes deve mudar de categoria de
risco na próxima edição do Livro Vermelho.
Peixe-royal-gramma é muito procurado por aquaristas por suas cores chamativas — Foto: Wikimedia
Peixe-royal-gramma
O peixe grama, espécie ornamental marinha intensamente capturada para o
comércio aquarista, apareceu pela primeira vez na lista de espécies
ameaçadas em 2003. A inclusão teve efeitos práticos: sua caça foi
proibida pelo Ministério do Meio Ambiente, o que permitiu um aumento
populacional nos últimos anos. No Livro Vermelho de 2018 o pequeno peixe
aurirroxo não figura mais na lista de ameaçados.
Entenda o Livro Vermelho
O Livro Vermelho do ICMBio é a relação oficial de animais ameaçados da
fauna brasileira. Participaram de sua elaboração 1.270 pesquisadores de
mais de 250 instituições do Brasil e do exterior.
No final de 2014 foram publicadas listas de espécies ameaçadas pelo
Ministério do Meio Ambiente (MMA). São os dados dessas listas que
alimentam o Livro Vermelho 2018.
Enquanto os documentos do MMA destacam apenas a classificação de risco
de cada espécie, o livro traz fichas detalhadas com mais informações
para cada animal ameaçado. Esses dados ajudam biólogos a entender de
onde surgem as ameaças e como combatê-las.
As informações do livro do ICMBio são enviadas para a IUCN para compor a
lista vermelha internacional. A versão global mais recente é de 2012 e
contabilizou 19.817 espécies ameaçadas de extinção em todo o mundo,
entre animais e vegetais.
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