Mudança climática em curso pode alterar interação ecológica entre espécies
21 de fevereiro de 2019
Peter Moon | Agência FAPESP – Herbívoros,
onívoros, carnívoros, insetívoros, frugívoros, carniceiros e
decompositores. Os ecossistemas da Terra funcionam em uma formidável
teia de interações entre plantas, animais, insetos, fungos e
microrganismos. Uma parte fundamental dessas interações reside no
equilíbrio da cadeia alimentar entre predadores e herbívoros, que regula
a produção vegetal do planeta.
Estudo feito na Unicamp e publicado na revista Nature Climate Change
prevê que equilíbrio entre predadores e presas será afetado pela
temperatura, com consequências desastrosas para os ecossistemas (foto: Mythili Badam/Wikimedia Commons)
Esse equilíbrio entre predadores e presas que se alimentam de plantas
pode ser alterado em decorrência das futuras mudanças climáticas. A
conclusão é de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e publicada na revista Nature Climate Change.
"No estudo, traçamos as causas dessas mudanças e demonstramos que
elas são explicadas por componentes do clima, especialmente da
temperatura, que serão alterados no futuro", disse Gustavo Quevedo Romero, professor do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e autor principal do artigo.
Segundo pesquisador, as mudanças climáticas podem redistribuir a
força das interações ecológicas entre as espécies de presas e
predadores. Os resultados mostram que temperaturas mais altas e um clima
mais estável e menos sazonal levam a uma maior pressão de predação.
Porém, a maior instabilidade no clima que acompanha as mudanças
climáticas em curso, especialmente nas regiões tropicais, levará a uma
diminuição geral na pressão de predação nos trópicos. Em contraste,
algumas regiões de zonas temperadas sofrerão aumento da pressão de
predação.
“Essa reorganização das forças de interação entre espécies poderá ter
consequências desastrosas para o funcionamento dos ecossistemas
terrestres e afetar os serviços ecossistêmicos que eles oferecem, como o
controle biológico e o ciclo de nutrientes”, disse Romero.
Os agricultores orgânicos nos trópicos, por exemplo, dependem do
controle biológico exercido pelos inimigos naturais das pragas de
lavoura. No entanto, as mudanças climáticas previstas poderão diminuir a
efetividade desses predadores no controle de pragas.
O novo estudo se baseou em dados previamente coletados em uma pesquisa publicada na revista Science
em 2017, sob a coordenação de Tomas Roslin, da Universidade Sueca de
Ciências da Agricultura, de Uppsala, na Suécia, e também da Universidade
de Helsinque, na Finlândia.
Nesse trabalho anterior, os pesquisadores avaliaram a impressão de
mordidas em lagartas artificiais para mostrar que, quanto mais aumenta o
gradiente latitudinal dos ecossistemas (em direção às regiões
temperadas e polares), a probabilidade de um herbívoro ser comido por um
predador é apenas uma fração do que ocorre nas regiões equatoriais.
O estudo foi feito a partir da mensuração do risco de predação de
2.879 lagartas artificiais moldadas com massa de modelar verde. Elas
foram monitoradas em 31 locais do planeta ao longo de um gradiente
latitudinal que se estendeu desde o paralelo 30,4° sul, na altura do Rio
Grande do Sul, da África do Sul e do centro da Austrália, até o
paralelo 74,3° norte, na altura do Ártico canadense, da Groenlândia e do
extremo norte da Sibéria. Os 31 locais estavam distribuídos em um
gradiente de elevação que ia desde o nível do mar até 2.100 metros de
altitude, ou seja, pouco abaixo da altitude da Cidade do México (2.240
metros).
As lagartas artificiais foram coladas na parte superior de folhas
inteiras em plântulas ou arbustos com no máximo 1 metro de altura. Com
base na análise das marcas de dentadas e bicadas preservadas na massa de
modelar, os pesquisadores avaliaram que seis grupos de predadores foram
afetados: aves, lagartos, mamíferos, artrópodes e gastrópodes (caracóis
ou lesmas).
Ajuste climático
No artigo da Science, os autores confirmaram a hipótese de que
a pressão de interação biótica aumenta em direção ao Equador e diminui
em direção aos polos. No trabalho agora publicado na Nature Climate Change,
o que se fez foi confrontar os dados de predação das lagartas e suas
localizações com dados bioclimáticos do presente e do futuro, com base
em diversos modelos climáticos que preveem as alterações no clima a
partir das emissões de dióxido de carbono.
“Utilizamos modelagem de nicho para estudar interações bióticas,
método originalmente desenvolvido para prever a distribuição espacial de
espécies”, disse.
Para o novo estudo, os autores usaram a WorldClim 2, uma base de
dados de 19 variáveis bioclimáticas aplicadas globalmente em uma grade
com resolução espacial de 1 quilômetro quadrado.
Em seguida, foi aplicado o método de modelagem de equações
estruturais para determinar a importância relativa dos efeitos diretos e
indiretos da latitude absoluta, elevação e do clima local subjacente
(incluindo componentes climáticos da precipitação e temperatura) na
pressão de predação. Segundo Romero, esses modelos revelaram que os
dados de predação foram mais explicados pelas variações nos componentes
da temperatura.
Projeções futuras
Os pesquisadores foram capazes de prever a redistribuição da pressão
de predação em todo o globo, projetada para o cenário climático de 2070.
"De maneira geral, o que pudemos constatar foi que, para 2070, a
pressão de predação poderá ser sensivelmente afetada pela variação de
temperatura, mas possivelmente não será afetada pelas mudanças na
precipitação”, disse Romero.
Segundo ele, a pressão de predação será afetada tanto pelo aumento
quanto pela instabilidade da temperatura (elevações e reduções bruscas)
em determinados ecossistemas.
"A instabilidade de temperatura, mais do que o seu aumento, diminuirá
a pressão de predação. E esse impacto será exacerbado em regiões
tropicais, onde se prevê que o clima se tornará mais instável”, disse
Romero.
Os dados sugerem que, com a elevação das temperaturas, o nível de
pressão de predação se elevará moderadamente nas regiões temperadas, que
se espalham por América do Norte e Ásia. Nos países escandinavos, no
Reino Unido e no Alasca, o aumento da pressão de predação entre
artrópodes será maior.
A pressão de predação será reduzida justamente nas regiões
equatoriais, que concentram os ecossistemas mais biodiversos do planeta,
ou seja, a África equatorial, o Sudeste Asiático, a Indonésia e as
regiões tropicais da América do Sul, América Central e Caribe.
Os dados sugerem que, juntamente com a Colômbia, o Brasil será
particularmente afetado. Talvez o Brasil seja o país mais afetado,
devido à sua posição nos trópicos e à grande extensão da Floresta
Amazônica.
"A mudança climática não se reflete apenas nas mudanças de
distribuição das espécies, mas também nas mudanças de interação entre
elas", disse Romero. “Nos trópicos poderá surtir efeitos sobre o
rendimento da agricultura tropical, com o consequente aumento das
ameaças à segurança alimentar, devido a uma diminuição na eficiência do
controle biológico em áreas mais vulneráveis às mudanças climáticas",
disse.
Além de Romero e de Roslin, também participaram do trabalho o biólogo
Thadeu Sobral-Souza, do Instituto de Biociências da Universidade
Estadual Paulista (Unesp) em Rio Claro; Thiago Gonçalves-Souza, da
Universidade Federal Rural de Pernambuco; Nicholas Marino, da
Universidade Federal do Rio de Janeiro; Pavel Kratina, da Queen Mary
University of London, no Reino Unido, e William Petry, do Institute of
Integrative Biology, na Suíça.
O estudo também contou com apoio do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de
Inovação e Pesquisa (Finep).
O artigo Global predation pressure redistribution under future climate change (doi: https://doi.org/10.1038/s41558-018-0347-y) pode ser lido em www.nature.com/articles/s41558-018-0347-y.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.