Um fóssil espetacular
Encontrado em Madagascar, no oceano Índico, primeiro crânio
de um mamífero que viveu no supercontinente Gondwana. Em sua coluna de
dezembro, Alexander Kellner diz que o achado preenche uma lacuna na
evolução desse grupo animal.
Publicado em 17/12/2014
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Atualizado em 17/12/2014
Reconstrução de ‘Vintana sertichi’, nova espécie do grupo
extinto de mamíferos denominado Gondwanatheria. O fóssil foi encontrado
em rochas formadas entre 72 e 66 milhões de anos atrás. (imagem: Krause
et al./ Nature)
A essas descobertas junta-se um fóssil espetacular procedente de Madagascar, tema central desta coluna. A nova espécie, denominada Vintana sertichi, pertence a um dos mais enigmáticos grupos de mamíferos extintos descoberto até agora: os Gondwanatheria.
O achado de David Krause, da Stony Brook University, de Nova York, nos Estados Unidos, e colegas foi publicado com destaque na revista Nature e, em seguida, foi tema de uma grande monografia no Journal of Vertebrate Paleontology.
Os gondwanatérios são formas raras que viveram no supercontinente Gondwana, que outrora reunia todas as massas continentais ao sul da linha do Equador, mais o território da Índia. Restos desses mamíferos foram encontrados na Argentina, Índia, África e península Antártica, em depósitos cuja idade varia de 110 milhões de anos a 56 milhões de anos atrás.
Infelizmente, as sete espécies que puderam ser comprovadamente classificadas nesse grupo são conhecidas, em sua maioria, por restos de dentes isolados e algumas poucas arcadas inferiores. Entre as principais características do grupo estão os molares com coroas muito altas, o que levou os pesquisadores a sugerir que eram onívoros ou herbívoros.
Devido à escassez de material, não se tinha uma noção exata da classificação dos gondwanatérios na história evolutiva dos mamíferos. Mas o novo crânio – o primeiro de uma espécie que pode ser atribuída ao grupo – muda tudo.
Um golpe de sorte
Vintana, nome derivado da palavra malgaxe que significa sorte, foi encontrado em rochas formadas entre 72 e 66 milhões de anos atrás, uma faixa de tempo que forma o topo do Cretáceo e é denominada de Maastrichtiano.O achado foi feito por Joseph Sertich, a quem a espécie foi dedicada (Vintana sertichi), em rochas que pertencem à Formação Maevarano. Essas rochas são velhas conhecidas dos paleontólogos, já que forneceram vários dinossauros (inclusive aves) interessantes, como também restos de crocodilomorfos, um sapo gigante, peixes, tartarugas e cobras.
Segundo David Krause e colegas, o crânio de Vintana era grande para um mamífero daquele tempo: aproximadamente 125 milímetros, pouco menor que uma caneta Bic. Estimativas sugerem que o animal chegava a pesar perto de 9 quilos, o que o torna o segundo maior mamífero da Era Mesozoica, sendo ultrapassado apenas pela forma carnívora Repenomamus, da China, que, diga-se de passagem, se alimentava também de dinossauros.
Além de ter as coroas dos molares bastante desenvolvidas, característica que possibilitou classificar a nova espécie nos Gondwanatheria, Vintana possuía dois grandes incisivos na parte anterior do crânio, que possivelmente cresciam de forma contínua. Estes eram separados de um pequeno dente pré-molariforme e de quatro dentes molariformes por um grande espaço (diastema). Não possuía caninos, ao contrário das espécies carnívoras.
Entre as diversas características do novo mamífero malgaxe, um osso na parte lateral do crânio (denominado jugal) era muito desenvolvido, indicando que o animal tinha uma musculatura para mastigação possante. Como não se conhecem outros crânios de gondwanatérios, não se sabe se essa era uma característica única de Vintana ou uma característica compartilhada pelos demais membros do grupo.
O animal tinha um cérebro relativamente pequeno e similar a algumas
formas de espécies que antecederam o surgimento dos mamíferos
Usando tomografia computadorizada, David Krause e colegas puderam estudar a cavidade cerebral de Vintana. Descobriram que o animal tinha um cérebro relativamente pequeno e similar a algumas formas de espécies que antecederam o surgimento dos mamíferos (espécies designadas mamaliformes basais).
As órbitas são bastante desenvolvidas, sugerindo a existência de olhos grandes. Como os bulbos olfatórios, região do cérebro responsável por captar cheiros, também eram bastante desenvolvidos, tudo indica que o olfato de Vintana era bem apurado. Características da região auditiva sugerem que esse mamífero era bastante ágil e rápido, e análise detalhada do desgaste dos dentes indica que se alimentava de material resistente, como sementes, frutificações e raízes.
Isolamento geográfico
No trabalho, David Krause e colaboradores tentaram estabelecer os motivos pelos quais Vintana seria tão distinto dos demais mamíferos. Eles acreditam que isso talvez decorra do intenso isolamento geográfico, que, no caso de Madagascar, foi de aproximadamente 16 a 22 milhões de anos.Outros achados nas mesmas camadas onde a nova espécie foi encontrada corroboram essa hipótese, já que alguns elementos da fauna reptiliana descoberta até agora também diferem bastante dos demais.
A descoberta do crânio de Vintana também possibilitou melhor análise da relação de parentesco dos Gondwanatheria. Tudo indica que esses animais estariam proximamente relacionados com os multituberculados e haramiyidos, outros grupos de mamíferos extintos.
Como podemos novamente enfatizar, a paleontologia não se dedica apenas à pesquisa dos dinossauros. Outros tantos grupos pelo menos tão fascinantes quanto esses répteis têm sido descobertos, para felicidade geral dos que se interessam por esse maravilhoso mundo – ou mundos – que a pesquisa paleontológica descerra para todos nós.
Alexander Kellner
Museu Nacional/UFRJ
Academia Brasileira de Ciências
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