Serra do Mar do Paraná. Foto Pedro Hauck.
Entretanto é certo chamar a nossa Serra do Mar de cordilheira? Qual teria sido a origem de nossa serra, como ela se formou?
https://youtu.be/8NxgWQcketU - assista aqui
Na Geomorfologia que é a disciplina que estuda as
formas terrestres o termo cordilheira não pode ser utilizado para
qualquer cadeia montanhosa, pois necessariamente ela está relacionada
com causas genéticas, ou seja, só é uma cordilheira uma cadeia de
montanhas soerguida por convergência, isso quer dizer pelo encontro de
duas placas tectônicas.
Desta maneira podemos chamar de cordilheira a cadeia de montanhas dos Andes, Alpes, Himalaia. Mas e o caso brasileiro?
Para discutir estas questões temos que inevitavelmente cair em certos
fundamentos conceituais das geociências, mas fique calmo! Pretendo
neste artigo elucidar estas questões que tanto intrigam nós,
montanhistas, com uma linguagem simplificada sem deixar, é claro, de
ater-se ao que as pesquisas científicas já produziram sobre esta
desafiadora temática.
Escalas de Tempo
O primeiro conceito que causa muita confusão entre as pessoas é a questão das escalas de tempo.
Pois tratando-se da evolução de uma paisagem, onde os elementos que à
compõem tem cada um, sua própria história com eles têm idades
diferentes, mas que em um determinado momento se interagiram e deram
origem à um sistema geoecológico. Há uma sobreposição destas escalas.
A Serra do Mar é um belo exemplo desta confusão conceitual. Quando
por exemplo estamos falando de um elemento que são as rochas (Geologia) e
o relevo (Geomorfologia) e vegetação (bom isso dá um artigo à parte!).
Granito amarelado – Autor: Divulgação
As rochas que afloram na Serra do Mar são generalizadamente ígneas (do grego relativo ao ao fogo) plutônicas (resfriadas em sub-superfície) como os granitos, que são rochas antigas que compões um arcabouço crustal dos continentes.
Muitas pessoas, cometendo um lamentável equivoco, associam os
granitos com vulcanismo, como se este tipo de rocha tivessem sido
oriundas de vulcões atualmente inativos que “expeliram” o granito.
De maneira algum podemos fazer tal associação. Fazendo uma breve
revisão sobre a origem dos granitos percebemos que uma coisa nada tem a
ver com outra. Na verdade o granito é uma rocha intrusiva, formada a milhares de metros abaixo da superfície durante um evento de encontro de placas tectônicas do passado.
Os granitos estão relacionados a corpos ígneos, os chamados batólitos,
que são corpos plutônicos de grande dimensão e forma irregular.
Solidificados, eles formam os granitos, que são rochas são compostas
60-50 % de felspatos, , 25-30% de quartzo e o restante, 25-10% de outros
minerais variados, como micas, anfibólios, piroxênios e outros menos
importantes. Os variados tipos de granitos se diferenciam enquanto as
diferentes concentrações de cada mineral.
Perfil da terra onde se observa diversos corpos ígneos, como Batólito, Lacólito e na superfície atividade vulcânica. A
figura acima mostra o que é um batólito e sua relação com vulcanismo.
As rochas da Serra do Serra do Mar estiveram numa profundidade de mais
de 15 km (muitas vezes até 30 Km) abaixo da superfície, o que significa
que o corpo vulcânico que existiu à época da formação do granito foi
completamente erodido, daí a confusão entre “Granito e Vulcânismo!”. Fonte: Sobregeologia.com.br
Só para se ter uma ideia da confusão entre escalas de tempo, os
granitos que estão aflorando na Serra do Mar são muito antigos, são
todos do proterozoico, ou seja tem mais de 600 milhões de anos, em um
evento chamado de Orogenia Neoproterozóica Brasiliano Pan – Africano.
Estes antigos continentes que se chocaram neste evento se colaram após
um intervalo de tempo. Deste evento temos apenas presente na paisagem a
rocha, que é um dos resultados deste orógeno colisional, e falhamentos e
mega lineamentos que foram exumados e hoje exercem um controle forte no
relevo da atual Serra do Mar.
Como estamos falando em escala de tempo, não podemos deixar passar
despercebido que a escala de tempo de formação do Granito, ou seja, a
rocha, compreende uma escala muito maior e mais antiga que é a escala
Geológica que compreende milhares e bilhões de anos. Observe a tabela
abaixo e perceba como o tempo geológico é infinitamente maior que o
tempo da vida humana.
Veja
a escalada de tempo e perceba como alguns elementos da paisagem tem
idades diferentes na Serra do Mar: A rocha é do Proterozóico, o relevo
é, em partes, do Terciário, mas foi grandemente ressalientado no
Quaternário e a vegetação, praticamente holocênica. Fonte britanica.
Gnaisse
que forma a Pedra do Santuário em Pedra Bela-SP. O gnaisse é a rocha da
Pedra do Baú e do Pão de Açúcar. Foto Pedro Hauck.
Observe que quanto mais recente, mais subdivisões têm a história geológica,
isso por que restaram poucos vestígios das épocas mais antigas do
planeta Terra, pois quanto mais tempo, mais a rocha sofreu erosão, isso
sem falar que a vida é muito recente e ela (fósseis) é essencial para a
datação das rochas. Para se ter uma ideia, alguns granitos foram
resfriados a mais de 30 quilômetros abaixo da terra e hoje afloram na
Serra do Mar a mais de 1800 metros de altitude, imaginem quanta erosão
não houve para que isso acontecesse, quanto tempo isto demandou e que
esta rocha teve que ser soerguida cerca de 32 quilômetros.
Muitos granitos não resistiram todo este ciclo e tempo, alguns quando
foram finalmente exumados chegaram à superfície não mais como granitos,
mas sim como outra rocha de constituição química diferente, os chamados
gnaisse, que são antigos granitos que sofreram metamorfismo,
ou seja, com muita pressão e altas temperaturas a rocha primária sofreu
recristalização e/ou deformação em estado sólido, alterando basicamente
a estrutura cristalina e promovendo reações metamórficas que podem ou
não resultar em novos minerais para se tornar uma outra rocha. Um
exemplo clássico de um corpo de gnaisse é o Pão de Açúcar.
Outras escalas de tempo
Se podemos falar em uma escala de origem e transformação das rochas, a
escala Geológica, podemos também falar de uma escala de origem e
transformação do relevo, a escala Geomorfológica ou Fisiográfica.
Levando em consideração que quando foram originadas as rochas existia
todo um sistema de relevo que já foi completamente erodido, o tempo
Fisiográfico começa a partir de quando a feição de relevo presente hoje
na paisagem surgiu.
Não podemos situar no tempo quando existiu uma transição entre uma
idade geológica e uma fisiográfica propriamente dita, entretanto podemos
generalizar que isto ocorreu ao fim da Era Mesozoica e começo do
Cenozoico (veja a tabela geológica acima) a aproximadamente 60 milhões
de anos atrás.
Esta colocação rebate uma outra afirmação que erroneamente aprendemos
na escola, a de que o relevo no Brasil é antigo ao contrário dos Andes
onde ele seria recente. Este é mais um erro causado pela confusão das
escalas de tempo. Como vimos, antigas são somente as rochas, os Andes e a
Serra do Mar começaram a evoluir mais ou menos na mesma época, são
cronocontemporâneos. Entretanto, aqui temos os vovôs granitos que de sua
erosão surgiram rochas sedimentares que preencheram a Bacia do Paraná onde a rocha mais recente é do Cretáceo. Nos Andes, cada vez que um vulcão entra em erupção surge uma rocha novinha em folha!
A tectônica de placas e suas conseqüências
A Crosta terrestre e como é a divisão da terra por dentro.
A crosta terrestre
é fragmentada em cerca de uma dúzia de placas tectônicas que se movem
por razões não muito conhecidas, fruto da expansão do assoalho de alguns
oceanos como conseqüência das correntes de convecção, cujo
funcionamento é complexo e foge do objetivo deste artigo.
As placas tectônicas podem ser tanto continentais
quanto oceânicas, de acordo com as rochas que as compõem, o que não
significa dizer que uma tem que estar submersa e outra não. Em geral as
placas continentais têm seu arcabouço geológico formado por granitos e
as placas oceânicas por basaltos.
Ao longo do tempo geológico as placas se moveram, colidindo-se e
separando-se diversas vezes. De uma maneira geral existe uma tendência
em escala geológica de se formar mega continentes, como o Gondwana,
que se desfragmentam em outros menores. Têm-se aí o surgimento de novos
mares e oceanos e uma mudança contínua da circulação da atmosfera e do
clima terrestre.
História dos continentes.
O que nos importa para compreender a origem de nossa Serra do Mar é
compreender o resultado do movimento das placas, quando elas se
encontram ou se afastam. Também é importante compreendermos que quando
isso ocorre há mudanças climáticas e não é loucura imaginar que onde
moramos já foi um dia uma geleira, um deserto e até um mar (caso daqui
da Bacia do Paraná).
Quando as placas se movimentam uma em direção à outra e se colidem, a
placa mais densa (placa oceânica) mergulha sob a menos densa (placa
continental). É a convergência de placas que dá origem à cordilheiras
montanhosas. Muitas montanhas famosas têm sua gênese conhecida.
O Aconcágua,
por exemplo, é um “cavalgamento” de duas placas, há outras montanhas em
que houve um soerguimento desigual de uma placa, levantando um lado e
submergindo um outro. Outras ainda são o resultado do dobramento de
rochas mais brandas e outras são simplesmente vulcões em sua forma
clássica e perfeita ou deformado por explosões.Vídeo que mostra como foi a colisão
entre a Índia e a Eurásia que deu origem ao Himalaia. Neste caso ocorre
uma colisão entre placas continentais.
O choque provoca dobramentos, deformações e ruptura das rochas
(falhas) e o atrito entre as duas placas em direções opostos provoca a
fusão das rochas e aumento da pressão, dando origem a vulcões. Observe
nas figuras abaixo o resultado da colisão entre placas em diversos
ambientes (continente – oceano; oceano – oceano). (Fonte: Para entender a Terra (Press et al., 2006) Bookman – 4a ed.).
Regiões de borda convergente entre placas oceânicas e
continentais em dois momentos. Este tipo de convergência é o que ocorre
nos Andes. Observe que no primeiro momento há ocorrência de vulcanismo.
No segundo momento ocorre uma segunda colisão de um arco de ilhas com o
continente, dando origem ao cavalgamento de placas, dobramentos e
falhas. Na superfície há a ocorrência de extensos altiplanos, como o
boliviano e a Puna do Atacama.
Regiões de borda convergente entre placas oceânicas. Observe que
neste tipo de colisão há a evolução de um arco vulcânico e como
consequência a origem de arquipélagos. Este tipo de orogênese é o que
ocorre atualmente no Japão.
Se em uma extremidade há colisão, em outra necessariamente há uma
abertura. Chamamos este ambiente de abertura de ambiente de divergência
de placas. Um exemplo de divergência foi o que aconteceu no Gondwana,
que separada se tornou América do Sul e África. Vejamos como foi esta
evolução na figura abaixo:
Divergência entre dois continentes. Fonte Grupo Neotectônica UFPR.
Observe na figura acima que no no local da fissura (Rift), há extravasamento de magma (lava). Dando origem a um tipo de vulcanismo fissural. Este é o vulcanismo que ocorre atualmente na Islândia.
Na Bacia do Paraná no Brasil, houve um evento significativo de vulcanismo fissural
durante o Mesozoico, era que engloba o Triássico, Jurássico e Cretáceo,
a época dos Dinossauros para quem está menos habituado (ver tabela de
escala geológica acima). Este vulcanismo está relacionado com tectonismo
e mais especificamente com a desfragmentação do último supercontinente
Gondwana.
Quando duas placas se separam, ou seja, se divergem, a fissura
formada pela separação é o local por onde o magma ascenderá formando um
vulcão fissural, que não tem a formação de um cone. Este magma
extravasado tem características distintas do magma de vulcão de
convergência, que é original da fusão entre o atrito das placas. No
Vulcão de fissura, o magma é originado na astenosfera e tem uma
composição básica, por isso ele é menos viscoso e escorrendo com
facilidade não ocorrendo riscos de explosão por ter “entupido” os dutos
vulcânicos.
Esquema
de como é um vulcão fissural. Observe que o magma escorre pela
superfície e se solidifica sem formar um edifício vulcânico como nos
Andes. Hoje este tipo de vulcanismo ocorre no meio dos oceanos e a maioria
destes vulcões estão submersos, embora muitos afloram na superfície
formando ilhas, como é o caso da Islândia (observe o vídeo acima com a
atividade vulcânica do Holuhraun na Islândia).
No passado, no entanto, este tipo de vulcanismo ocorreu no Brasil, o
maior evento de vulcanismo fissural ocorreu na bacia do Paraná, evento
este que deu origem à formação Serra Geral, composta de Basaltos (quando
a lava é resfriada em superfície) e Diabásios (resfriada em
subsuperfície).
A rocha das Cataratas do Iguaçu é o Basalto. Rocha vulcânica evoluída da separação da América do Sul e África.Foto Pedro Hauck.
O vulcanismo fissural da bacia do Paraná foi um dos mais volumosos do
Planeta, com uma área superior a 1.200.000 km². Em certos locais, os
derrames sucessivos de lava possuem centenas até milhares de metros de
espessura.
Na Serra do Mar é comum encontrar alinhamentos de Diabásios, são os
chamados “Diques”. Eles são falhas, ou fissuras, por onde subiram as
lavas no passado. Como foram resfriadas dentro destes “dutos” formaram
Diabásios. O interessante é achar estes “Diques” aflorando a mais de
1500 ou 2000 metros acima do nível do mar. Ou seja, todo o basalto
derramado deste vulcanismo não está mais lá, foi erodido…
Um
dique de diabásio (rocha negra) no meio de um granito (rocha clara).
Serra da Prata – PR. O diabásio era o “duto” por onde se extravasou
magma durante um evento de vulcanismo fissural. Foto Pedro Hauck.
Canyon
Fortaleza – RS. A rocha que aparece nos paredões são basaltos.
Observa-se que há diversos degraus. Cada um deles é um derrame. Foto
Pedro Hauck.
Noções sobre erosão e intemperismo
Erosão é a destruição das rochas e das formas de relevo que tendem ao
nivelamento. Muitas vezes as pessoas confundem o termo com
intemperismo, ou como preferem alguns, meteorização. A diferença é que o
intemperismo existe a destruição do relevo por processos tanto
mecânicos, químicos e biológicos que transformam, ou seja, decompõem a
rocha.
Na linguagem científica fala-se em morfogênese para processos de
erosão e pedogênese para processos de intemperismo, que resulta na
formação de solos. De uma maneira superficial, obviamente, o fator que
vai determinar a ocorrência de um ou outro processo é a presença de
água, daí a importância do clima na evolução do relevo.
Perfil esquemático da evolução de um pediplano. Fonte Walter Casseti.
Em ambientes secos há o predomínio de morfogênese. A erosão mecânica
destrói as rochas e as vertentes recuam de forma paralela. O material
erodido é depositado nos setores mais rebaixados do relevo, formando os
chamados pedimentos que quando se juntam formam um relevo aplainado, o
chamado pediplano. Neste processo o solo é removido deixando aflorado a
rocha mais resistente à erosão. São comuns em meio a pediplanícies a
existência de grandes corpos rochosos que resistiram à erosão, os
chamados “Inselbergs” muito comuns no Nordeste, como na região de
Quixadá no Ceará e Milagres- Itatins na Bahia.
Inselbergs no município de Pancas ES.
Ás vezes afloram corpos menores de formas curiosas empilhadas umas às
outras, formando o relevo de caos de blocos, muito apreciados por quem
escala boulderes. A pouco tempo atrás foi rodado na Índia, o filme “Pilgrimage” do Chris Sharma
onde os escaladores se divertem numa fantástica formação de caos de
blocos. No Brasil ela também ocorre no Nordeste e são comuns e muito
escaladas em Valinhos no interior de São Paulo.
Evolução do relevo de caos de blocos de acordo com Twidale (1976).
Boulderes na Serra dos Cocais, Valinhos SP. Foto Pedro Hauck.
Evolução de boulder em subsuperfície no Paraná. Foto Pedro Hauck.
Em
ambientes úmidos há o favorecimento da pedogênese, dando origem à solos
profundos. Os canais de água entalham o relevo, deixando-o inteiramente
dissecado. Ao passar do tempo em condição de estabilidade de clima, os
rios aprofundam seu canal, dando origem aos “mares de morros” muito comuns no sudeste brasileiro.
Vale do Paraíba, típica região de Mares de Morros (anteriormente florestados). Foto Pedro Hauck.
Quando existe alternância de longos períodos de climas secos e úmidos, há a possibilidade de formação de superfícies erosão.
Que são elementos de relevo de uma antiga paisagem desestruturada.Essas
superfícies são muito comuns no Brasil. Isto por que aqui houve
períodos de formação de pediplanos seguidos por períodos de formação de
mares de morros, Ao fim dos períodos secos, no clima úmido houve
dissecações das antigas superfícies, rebaixando o relevo que ao retorno
de um clima seco, no novo nível de base, passava a atuar novamente o
fenômeno de aplainamento e ser ali passava a ser o limite do novo
aplainamento.
Produzia-se então o escalonamentos de superfícies. O esquema a seguir
ilustra bem a evolução das superfícies e paleo-superfícies de erosão.
Evolução e destruição das superfícies de acordo com Bigarella (2007).
Mas afinal, e a Serra do Mar….
Agora que fizemos uma revisão dos conceitos mais importantes, vamos para a prática.
Na Serra do Mar observamos vários elementos que citamos acima. Na
Geologia verificamos a presença de rochas antigas, como o granito,
compondo a maioria das montanhas. Entre estes granitos achamos muitas
vezes diques de diabásio de idade muito mais recente e uma ausência de
basaltos que deveriam estar numa posição estratigráfica superior.
Na Serra, observamos vários picos rochosos que se destacam na
paisagem. São antigos Inselbergs. É interessante também notar que por
quase toda sua extensão a Serra do Mar corta regiões de relevo bastante
ondulado e colinoso, os mares de morros.
Estas informações conjugadas nos dá uma dica sobre a origem e evolução da Serra do Mar.
A Serra dos Órgãos é parte da Serra do Mar no Rio de Janeiro. Foto Pedro Hauck.
Se por um lado afloram rochas antigas de origem vulcânica de tipo
convergente, significa dizer que na região onde hoje é Serra do Mar
existiu uma cordilheira de montanhas do tipo Andina. O continente desta
paleo-cordilheira já não existe mais, foi inteiramente erodido ao ponto
de somente sua “raiz” estar presente na paisagem, os granitos que são o
arcabouço geológico de nosso continente atual. Estas rochas estiveram
durante dois bilhões e meio de anos inumados no interior de antigos
continentes e foram aos poucos sendo soerguidas enquanto as camadas de
rochas superiores foram sendo removidas.
Orogênese
Brasiliana entre 890 e 490 MA. Em laranja, antigos continentes, em
lilás, rochas carbonáticas e em azul claro, antigos mares. A evolução
das rochas da Serra do Mar se deu, em parte, na colisão entre vários
continentes e a evolução de plútons em azul e verde, de onde originou-se
os granitos.
A Serra do Mar começou a se desenhar com a evolução do último
continente Gondwana, no final do Paleozóico durante o Permiano. Nesta
época, a região onde hoje é a Serra do Mar não estava numa latitude
maior, próximo ao pólo sul. Era uma região montanhosa e existiam muitas
geleiras das quais algumas rochas são correlativas à este período, como
os varvitos de Itu.
Os varvitos são ritmitos depositados em fundo de um grande lago que
existiu na região. Sua deposição demonstra um ambiente glacial onde
existia uma alternância entre uma época de degelo, onde a energia
necessária para transportar sedimentos era menor e outra época de
congelamentos onde o gelo assumia o papel de transportar sedimentos
grosseiros e mais pesados. Quando alguém observa um ritmito, vê que na
época de sedimentação de clima quente existem argilas e siltes,
materiais granulométrios mais finos. Na época fria, com gelo, existem
areias e seixos que se encaixam na discordância das camadas.
Esquema de um verão hipotético na evolução dos Varvitos de Itu. Org. Mário Assine
O Arenito do Morro do Cuscuzeiro é o chamado Arenito Botucatu do Jurássico. Foto Pedro Hauck.
No Mesozoico, a região onde é a Serra do
Mar foi um grande deserto, talvez o maior que já existiu na Terra. Deste
período é correlativo o arenito Botucatu, famoso por
ser uma rocha porosa que hoje armazena água, formando o famoso aquífero
guarani. O Botucatu tem estratificação cruzada, que mostra que foi
depositado por vento em ambiente seco e dunar. Nesta época, a região
onde hoje é a Serra do Mar estava no meio do continente Gondwana que
estava se desfragmentando.
A separação da África com a América do Sul provocou os derrames de
lava básicos de basaltos. Este vulcanismo durou milhares de anos ao
ponto de haver seções estratigráficas onde se verificam camadas de
basalto, depois de arenitos e novamente basaltos, ou seja, mostra que
houveram fases sucessivas de vulcanismo e sedimentação.
Arenito (parte baixa da foto), intercaladas com basalto (parte alta). Serra do Corvo Branco SC. Foto Pedro Hauck.
Ao fim do Cretáceo, o recém formado continente sul-americano estava
arrasado pela erosão devido o clima seco que se instaurou durante o
Mesozoico. A partir desta época houve uma maior estabilidade climática e
a tanto a vida começou a se adaptar, dando origem à Domínios de
Paisagem, com uma estrutura ecológica mais equilibrada. Entretanto,
algumas feições de relevo foram herdadas do antigo continente.
Como falei anteriormente, a região onde hoje está a Serra do Mar era o
interior do Gondwana, uma região que tinha seu nível de base numa
altitude mais elevada, ou seja, seu interior era um planalto. Este
antigo continente foi “rachado ao meio” e cada novo continente levou uma
parte deste antigo relevo gondwânico.
Se você observar o relevo e as drenagens em um mapa do Brasil, irá
ver certas coisas curiosas, como a própria bacia do Paraná que é uma
bacia anterior à origem da América do Sul. Nesta bacia existem inúmeros
rios que nascem muito próximos ao mar, como o Tietê, Iguaçu,
Paranapanema e correm em direção oposta, percorrendo milhares de
quilômetros para somente em Buenos Aires chegarem ao oceano. O divisor
de águas entre esta bacia e o mar é justamente a nossa serra. Mas então o
que isso tem a ver com sua evolução?
Drenagens
da região de São Paulo, observe o cotovelo formado pelo rio Paraíba do
sul e também que os rios que deságuam no mar são muito pequenos. Por
Aziz Ab´Sáber.
A bacia do Paraná está intimamente
relacionada com a evolução da Serra do Mar. Os sedimentos que formam a
bacia têm como sua área fonte o antigo planalto gondwânico que era a
“proto Serra do Mar”. Foram mais ou menos 400 milhões de anos de
embaciamento e sedimentação. Para se ter uma ideia do tamanho do pacote
de rochas que se formaram, existem no centro da bacia mais de 100
quilômetros de rochas sedimentares para se chegar até o arcabouço da
bacia, os granitos.
Corte
vertical da bacia do Paraná do Rio Grande do Sul até o Mato Grosso.
Observem a profundida das rochas sedimentares e também como o assoalho é
bastante falhado, assim como a formação Serra Geral penetrou entre as
camadas..
Peraí, falamos novamente em Granitos! O que tem a ver os Granitos que
estão na base da bacia do Paraná e os Granitos que formam as montanhas
da Serra do Mar? Esta é uma questão fundamental.
O peso das rochas sedimentares da bacia do Paraná provocou o
soerguimento de suas bordas, um fenômeno chamado de “compensação
isostática”. Ao ponto que elas iam sendo levantadas, os climas mais
secos que imperavam durante o período respondiam pela destruição das
rochas. As rochas mais recentes foram todas removidas, formando bacias
sedimentares mais novas e expondo as rochas mais antigas, dando origem a
então Serra do Mar.
Bloco diagrama da bacia do Paraná de acordo com Ab´Sáber. Pode-se observar nitidamente um soerguimento das bordas.
Estudos de caso: Como evoluiu a Serra do Mar no Paraná
No estado do Paraná, se fizermos um transecto de leste para o oeste,
verificamos que saindo do litoral, a Serra do Mar é uma grande barreira
que se ergue até os 1870 metros de altitude em seu cume mais elevado, o Pico Paraná.
Ela não é apenas um degrau entre o litoral e o primeiro planalto, pois
do lado ocidental da Serra, há um desnível que, saindo dos cumes perde
altura, alcança o primeiro planalto, que fica numa altitude média de 800
a 900 metros, onde fica Curitiba.
Perfil geológico e geomorfológico do Paraná. Fonte Mineropar.
Mais a oeste no Estado, ergue-se uma nova barreira orográfica que se
levanta até 1200 metros de altitude, a Serrinha de São Luis do Purunã.
Se em sua vertente leste a serrinha é uma escarpa, à oeste ela é
levemente inclinada, indo perder altitude gradativamente até que na
região de Guarapuava há outra quebra no relevo, onde termina o segundo
planalto com a elevação de uma escarpa que se sobressai cerca de 400
metros, chegando aos 1300 metros de altitude na Serra da Esperança, onde
começa o terceiro planalto que ao exemplo do segundo, vai perdendo
altitude até chegar aos 200 metros que é a cota altimétrica do rio
Paraná no Estado.
Escarpa da Esperança em Guarapuava PR. A rocha é basalto e arenito. Foto Pedro Hauck.
Litológicamente é muito interessante o escalonamento deste relevo. Na
Serra do Mar, aparece aflorando os granitos de mais de 2,5 bilhões de
anos, na Serrinha de São Luis do Purunã, afloram os arenitos da Formação
Furnas do Devoniano com 400 milhões de anos de idade e na escarpa de
Guarapuava, afloram os basaltos da Formação Serra Geral de 140 milhões
de anos.
Estes dados se encaixam perfeitamente na Teoria da compensação
isostática que soergueu o relevo das bordas da Bacia do Paraná e
produziu o relevo de “Cuestas”, ao exemplo das escarpas do Primeiro para
o Segundo e do Segundo para o Terceiro Planalto.
Este soerguimento do relevo não atuou sozinho na esculturação da
superfície do estado. Houve durante o Terciário a sucessão de climas
secos prolongados que resultou na abertura de novas bacias e sobre elas
mais tarde existiu a sedimentação de novos materiais, como é o caso da
Bacia de Curitiba, onde existe a Formação Guabirotuba que tem menos de 2
milhões de anos.
Escarpa de São Luiz do Purunã.
Um paleocanal em meio à formação Guabirotuba. Foto Pedro Hauck.
Esta evolução se deve aos fenômenos erosivos o qual já recapitulamos.
Nos primórdios da América do Sul, não existia a compartimentação dos
planaltos paranaenses, tão pouco uma Serra do Mar aos moldes atuais. O
recém formado continente vinha sofrendo uma intensa erosão desde o fim
do Cretáceo e esta erosão aplainou quase por completo o relevo, formando
uma superfície chamada Purunã. É correlativo à esta fase as formações
sedimentárias cretáceas do Grupo Bauru, a qual compreende os arenitos da
formação Caiuá comuns no norte e oeste do Estado.
Após este período de desintegração resistásica, um novo clima, mais
úmido, se instaurou, mudando completamente a dinâmica da paisagem.As
drenagens incidiram seus canais. Houve favorecimento da formação de
solos e o relevo sofreu um amorreamento. Entretanto isso não durou até a
atualidade.
Quando novamente um clima árido se instaurou, a erosão mecânica foi
responsável pela remoção dos solos. O Material removido (pedimentos) foi
transportado para os canais e a coalescência destes materiais deu
origem à um relevo aplainado e mais rebaixado.
No meio deste plaino seco, existiam morros que se destacavam na
paisagem com suas rochas expostas que devido à resistência litológica
não foram erodidos, os chamados “Inselbergs”. Esta segunda superfície
chama-se “Superfície Iguaçu”.
Este processo foi responsável para a abertura da depressão entre a
Serra do Mar e a Serrinha de São Luis do Purunã, ou seja, o primeiro
planalto, onde está Curitiba.
A Superfície Iguaçu foi novamente dissecada em outro clima úmido
posterior que veio a se instaurar. Após o período de pedogênese, outro
clima seco, já no final do Terciário, pediplanou o relevo criando a
superfície Curitiba. Os Pedimentos da Formação Guabirotuba são
correlativos à esta fase de erosão e hoje, nosso clima úmido atual é
responsável pela dissecação desta última superfície onde se encontra a
cidade da Curitiba.
Perfil
esquemático de como evoluiu a região de Curitiba. 1) Fim do Cretáceo:
Após 60 milhões de anos de semi-aridez, o relevo encontra-se arrasado
pela erosão e totalmente aplainada, porém com alguns Inselbergs
salientes. 2) No Mioceno, um novo clima mais úmido se instaura e há o
entalhamento do paleo rio Iguaçu. O novo nível de base. Neste momento há
influencia de tectonismo na abertura da bacia de Curitiba. 3) A partir
do Mioceno, um novo clima semi-árido se instaura e ocorre novo período
erosivo com recuo paralelo das vertentes e pedimentação, formando a Fm.
Guabirotuba na bacia de Curitiba e Alexandra no litoral. 4) Momento
atual. Organização P. Hauck (2017)
O Morro do Anhangava, a superfície Purunã é a ombreira à esquerda da foto, num lugar conhecido como “rampa da asa delta”
O Morro do Anhangava é um exemplo clássico para ilustrar essa
evolução. Durante as fases áridas ele era um Inselberg. Houve ele se
encontra mais suavizado, mas ainda se destaca na paisagem. Em suas
vertentes, pode-se notar , uma”ombreira” que é uma superfície fóssil
preservada, no caso, a Superfície Purunã.
O Bairro da Borda do Campo, vizinho ao morro, está assentado sobre a
superfície Iguaçu. Que está nitidamente mais elevado que Curitiba, que é
avistada desde o Anhangava, onde nota-se visivelmente uma diferença
topográfica.Durante estes processos de erosão, houve conjuntamente
processos de soerguimento do relevo.
Um exemplo é o Morro do Getúlio, indo para o Pico Paraná. Lá, numa
cota altimétrica de 1300 metros encontra-se preservada a Superfície
Purunã. Entretanto, a 1500 metros há uma outra superfície e não se trata
de uma mais antiga, mas sim a mesma superfície, porém deformada. É
possível que o evento que deformou o Morro do Getúlio, tenha também
soerguido o Morro do Itapiroca, Caratuva e Ferraria, que são alguns dos
mais altos da Serra do Mar Paranaense.
Paleosuperfícies de erosão na Serra do Mar. Nas fotos abaixo as mesmas em foto. (por Pedro Hauck 2017).
Em
verde, diques de diabásio com orientação NW e em preto lineamentos
estruturais do brasiliano na Serra do Mar para Paraná. Foto de André
Bonacin.
Fica claro que quanto mais estes corpos eram soerguidos, mais fortes
eram a ações de erosão que eles sofriam, basta ver o próprio conjunto do
Pico Paraná e do Marumbi. Ambos têm vários cumes que são divididos por
diques de Diabásio (ver foto acima), onde a erosão foi mais intensa
devido uma resistência litológica diferencial, onde o material mais
brando (diabásio) foi removido e o material mais resistente sobreviveu.
A erosão diferencial também foi responsável pelo surgimento do vale
do Ribeira, na divisa do Paraná com São Paulo. Se formos observar no
mapa da região, o Primeiro Planalto é dividido no meio por duas bacias
de drenagens, uma do rio Iguaçu, que deságua no Paraná em Foz do Iguaçu
na divisa com o Paraguai e Argentina e outra pelo rio Açungui, que
deságua no Ribeira e logo no Mar.
O Rio Ribeira é um rio mais recente que surgiu depois do rompimento
do continente Gonduana. Ele rapidamente entalhou seu canal de forma
expressiva, com grande desnível e como seu nível de base é o nível do
mar, muitos rios do planalto foram capturados por ele. É por isso que no
vale do Ribeira afloram rochas muito mais antigas que o Arenito Furnas,
como os calcários que forma as cavernas do PETAR, essa rochas são de
uma época anterior à bacia do Paraná.
Da Mesma forma que o Rio Ribeira recuou a Serra do Mar, ela em toda
sua extensão teve suas vertentes recuadas algumas dezenas de
quilômetros.
Serra do Mar em São Paulo
Serra do Mar em São Paulo.
Em sua parte sul, a Serra do Mar em São Paulo é a
escarpa que delimita o Planalto do vale do Ribeira e ela tem localmente o
nome de Serra do Paranapiacaba. Sua evolução se deu com a abertura do
rio Ribeira já no período Terciário e desde então ela vem recuando
lentamente nos diversos períodos secos que houveram e aplainaram o
relevo imprimindo as “ombreiras” em suas vertentes que foram suavizadas
depois pelos climas mais úmidos, como o atual.
Na região da capital, há uma mudança da
compartimentação. Pois saindo de leste a oeste, há a grande barreira da
Serra do Mar, depois encontramos a bacia de São Paulo. Mais para o
interior, atravessamos mares de morros cristalinos e na região de
Valinhos, o relevo perde altura para em Campinas começar as rochas
sedimentares da Bacia do Paraná e uma grande depressão marginal que se
entende até um pouco depois de Rio Claro, onde se ergue as “Cuestas” da
Serra de Santana, São Pedro, Botucatu, Itaqueri, etc.
Assim como no Paraná. O soerguimento da Serra do Mar e
da “Cuesta” se deu por causa da compensação isostática em relação ao
peso das rochas sedimentares da Bacia do Paraná que levantou as bordas.
O Morro do Cuscuzeiro, testemunho do recuo paralelo das vertentes no passado
Perfil do relevo no Estado de São Paulo.
Nos períodos secos do terciário, houve pediplanação e recuo paralelo
das vertentes, tendo a abertura do Depressão Periférica onde fica
Campinas, Americana. Neste processo, alguns locais mais resistentes não
foram erodidos e ficaram preservados na paisagem, como é o caso do Morro
do Cuscuzeiro que é um testemunho geológico da erosão.Na vertente leste
da Serra do Mar, houve recuo da vertente e pela resistência litológica,
não foi erodido um vulcão existente no litoral e que mais tarde veio a
constituir a Ilha de São Sebastião. A escarpa da Serra do Mar entre São
Paulo e Santos, encontra-se limitada à um sistema de falhas.
Na região do Vale do Paraíba, o tectonismo epirogenético soergueu a
Serra do Mar e a Serra da Mantiqueira. Se você for observar bem, na
região de São José dos Campos, o Rio Paraíba não corre no meio do vale, o
que mostra que ali, o vale não foi esculpido pelo rio, mas sim pelo
tectonismo, que fez que o rio se encaixasse naquele local.
Perfil geotectônico do vale do Paraíba (NEGRÃO et. al. 2015)
Quando houve o soerguimento das Serras da Mantiqueira e Bocaina, a
placa onde está o vale do Paraíba sofreu uma acomodação e isso acarretou
toda uma mudança na rede de drenagem regional. Chama-se de Horst o
bloco que soergueu positivamente e Gráben o bloco que se acomodou.
Imagem do Google onde observamos o Gráben do Paraíba e o Horst da Mantiqueira.
Se você for olhar bem as nascentes do Rio Paraíba, verá que ele nasce
em dois lugares na Serra da Bocaina, formando o rio Paraibuna e
Paraitinga que correm em direção sudoeste até chegar perto de Jacareí.
Lá eles se unem para formar o Paraíba que faz um cotovelo de 180° e
voltam para o norte.
Os rios Paraibuna e Paraitinga já foram a nascente do Rio Tietê, mas
quando houve a acomodação do Gráben do , Rio Paraíba, eles foram
capturados e então a nascente mais distante do Tietê passou a ser em
Salesópolis onde é hoje.
Nesta época, a região de São José e Taubaté, era um lago, onde
inclusive existia vida pré-histórica de animais gigantes. Neste lago foi
depositado sedimentos que se tornou a famosa formação Tremembé, que em
Tupi quer dizer “alagadiço”.
Se formos acompanhar o rio Paraíba, as toponímias das cidades e
lugares contam um pouco sua história, como Tremembé, que é um lugar onde
o rio é bastante calmo e pantanoso, depois, passamos para Cachoeira
Paulista, que é o lugar onde houve a ruptura do páleo lago e o relevo é
mais irregular. O rio é encachoeirado até no Estado do Rio de Janeiro,
onde encontramos “Barra Mansa”, onde ele perde energia e passa a ficar
meandrante.
A
Pedra do Bau era um antigo Inselberg na época da formação da superfície
sul-americana. Hoje ele está ressalientado devido o soerguimento que
atuou na Serra da Mantiqueira
As principais montanhas paulistas foram formadas por estes já citados
eventos epirogenéticos. O planalto de Campo de Jordão é um exemplo. Ele
já foi considerado uma superfície muito antiga, da época do Gondwana.
Mais tarde perceberam que na realidade é uma superfície da mesma época
daquela do Morro do Getúlio no Paraná, mas que foi soerguida a cotas
altimétricas maiores, até 1800 metros de altitude. Alguns picos que se
sobressaem à esta altitude, como é a Pedra do Baú, eram na época
Inselbergs que sobreviveram toda este período de erosão.
Serra do Mar no Rio de Janeiro
O relevo no Rio de Janeiro já foi muito interpretado como sendo
original de erosão por climas glaciais. Tal engano se deve a ao Frances
Louis de Agassiz que veio ao Brasil à convite de Dom Pedro II. Agassiz
interpretou a baia de Guanabara como sendo resultado da erosão do
derretimento de uma geleira.
Tal afirmação, mesmo que ainda aceita por gente mal informada, está
completamente fora da realidade, uma vez que a última vez que houve
glaciação com geleiras no Rio de Janeiro foi durante o Permiano, mais de
250 milhões de anos atrás, sendo que todas as feições de relevo desta
época já foram destruídos.
No Rio de Janeiro houve o mesmo evento de soerguimento de Horsts e
acomodação de Grábens, que é no caso a baixada fluminense e a Serra dos
Orgãos.
O Gráben da Guanabara.
O Gráben da Guanabara formou-se nos primórdios do Terciário, assim
como o soerguimento da Serra do Mar que localmente se chama “Serra das
Araras”. O recuo erosivo da escarpa da Serra do Mar, desde então, fez
que esta se desfizesse em morros isolados mais resistentes que veio a se
constituir nos Maciços litorâneos, a Serra da Carioca e mais afastados a
Ilha Grande e Sepetiba, além de outros morros costeiros.
Durante as glaciações do Pleistoceno, o mar recuou centenas de metros
e pelo Gráben da Guanabara formou-se um sistema de drenagem que escoava
por um rio onde hoje fica a baia. Com o avanço do nível do mar ao fim
da glaciação, as águas marinhas invadiram o continente e erodiram a foz
desde antigo rio, formando a baia da Guanabara aos moldes atuais. Foram
igualmente inundadas as baías de Sepetiba e Ilha Grande, orladas pelas
escarpas da Serra do Mar, assim como o canal de São Sebastião.
A Serra dos Órgãos, assim como o maciço da Tijuca, são blocos
falhados , Horsts. Estes maciços são constituídos de rochas cristalinas
granitos e gnaisse, que é o granito metamorfizado. Estes maciços
sofreram desnudação durante as épocas de aridez no Terciário e por isso
evoluíram muitos Inselbergs, como o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Pedra
do Sino, etc. Assim como no Paraná, existe na região inúmeros diques de
Diabásio relativos com o vulcanismo da Formação Serra Geral. Localmente
estes Diabásio sofreram incisão e foram ponto de partida para o
entalhamento de erosão. Isto é nitidamente observado entre o Pão de
Açúcar e o Morro da Urca.
Geologia da Serra dos Órgão. Observa-se no perfil as falhas normais.
A Serra dos Órgão vista do mirante do Soberbo em Teresópolis. Foto Pedro Hauck.
Conclusões
A Serra do Mar tem uma história fisiográfica muito longa onde se
observa a conjugação de vários eventos paleoclimáticos em sua evolução
que ocorreram concomitante com fenômenos epirogenéticos, mas que nada
tem a ver com convergência entre duas placas Tectônicas, embora suas
rochas tenham surgido durante sucessivos eventos como este em
paleo-continentes em idades geológicas remontadas.
Embora não podemos chamar a Serra do Mar de uma “cordilheira” devido
aos fatores genéticos que a Geomorfologia atribui à esta feição de
relevo. Podemos chamar de “montanhas” as maiores elevações que compõem a
Serra, o que desmistifica a afirmação de que no Brasil não existem
montanhas.
Embora muita gente ache que o Brasil é um país só de praia, a Serra
do mar desmistifica este preconceito. Uma vez que o núcleo de expansão
da civilização brasileira se deu a partir das cidades que se situam às
margens desta grande Serra e que hoje são os lugares mais importantes
economicamente da América Latina. É por causa destes fatores que o
Brasil, mesmo sem ter montanhas nevadas, tem montanhistas de ótimo nível
e conquistas nas montanhas mais longínquas do mundo. Quase todos estes
escaladores tem algo em comum, eles deram seus primeiros passos
montanhísticos na Serra do Mar.
Para saber mais:
AB´SÁBER, A. N. Ritmo da epirogênese pós-cretácica e setores das
superfícies neogênicas em São Paulo. Geomorfologia, São Paulo, IG-USP,
nº 13, 1969(a).
AB´SÁBER, A. N. A depressão periférica paulista: um setor das áreas de
circundesnudação pós-cretácica na bacia do Paraná. Geomorfologia, São
Paulo, IG-USP, nº 151969(b).
AB´SÁBER, A.N. As altas superfícies de aplainamento do Brasil Sudeste. Rev. Fac. Campineiras, Ano I n.4, p.60-67, Campinas 1954.
ALMEIDA, F.F.M, CARNEIRO, C.R, Origem e evolução da Serra do Mar.
Revista Brasileira de Geociências 28(2), jun. 1998, p. 135-150.
BIGARELLA, J,J,PASSOS, E, HERRMANN, M.L.P, SANTOS, G.F, MENDONÇA,M,
SALAMUNI,E, SUGUIO,K, Estrutura e origem das Paisagens tropicais e
subtropicais, vol(3). Editora da UFPR, Florianópolis, 2003. 552p.
BRAUN, O.P.G. Contribuição à geomorfologia do Brasil central. Rev.Bras.Geografia, R. de Janeiro, 33 (4):3-34, out./dez., 1971
ERHART, H. A Teoria Bio-resistásica e os problemas biogeográficos e
paleobiológicos. Noticia Geomorfológica, Campinas, nº11, pg. 51-58,
Junho, 1966.
HAUCK, P. Paleosuperfícies de Erosão na Serra do Mar do Paraná. Ed. do autor. Curitiba 2017
MARQUES, J.S, Ciência Geomorfológica, in: GUERRA, A. J. T., CUNHA, S. B.
(org.) Geomorfologia, uma atualização de bases e conceitos. Rio de
Janeiro: Bertrand Brasil, 1995
TWIDALE, C. R. Analysis of landforms, Wiley, London, 1976.
NEGRAO, André Pires et al . Mapa geológico do cenozoico da região da
bacia de Volta Redonda (RJ, segmento central do Rifte Continental do
Sudeste do Brasil): identificação de novos grabens e ocorrências
descontínuas, e caracterização de estágios tectonossedimentares. Braz. J. Geol., São Paulo , v. 45, n. 2, p. 273-291, June 2015 . Available from <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2317-48892015000200273&lng=en&nrm=iso>. access on 06 Dec. 2019.