Substâncias relacionadas à ferocidade em abelhas são descobertas: Instituto de Biociências de Rio Claro estuda os insetos desde sua fundação, há 60 anos
Peter Moon - Agência Fapesp
16/07/2018
Pesquisadores
paulistas podem ter descoberto a razão pela qual as abelhas
africanizadas são tão ferozes. Eles rastrearam substâncias químicas
presentes em níveis mais elevados no cérebro de abelhas africanizadas,
em comparação com abelhas melíferas e dóceis criadas por apicultores.
De acordo com estudo publicado no Journal of Proteome Research, tais compostos químicos podem fazer com que abelhas menos agressivas se tornem ferozes.
Os mesmos compostos haviam sido detectados
no cérebro de moscas e camundongos, nos quais eles parecem regular a
alimentação e a digestão. Esse é um exemplo de como o comportamento
evolui em diferentes espécies usando mecanismos moleculares semelhantes.
A pesquisa foi feita pela equipe do professor Mario Sérgio Palma no
Centro de Estudo dos Insetos Sociais do Instituto de Biociências da
Universidade Estadual Paulista (Unesp), em Rio Claro. O trabalho tem
apoio da FAPESP por meio de um Projeto Temático que
integra o programa BIOTA-FAPESP. A linha de pesquisa está relacionada
ao estudo do complemento de proteínas dos sistemas animais.
“Estudamos a composição das proteínas dos
sistemas glandulares de vespas, abelhas, formigas, aranhas e escorpiões.
Determinamos as funções individuais de cada proteína e suas interações
moleculares, além de suas estruturas moleculares. Isso inclui os venenos
desses animais, bem como sistemas de comunicação química por compostos
químicos e a neuroquímica da regulação do comportamento dos artrópodes
via sistema nervoso”, disse Palma à Agência FAPESP.
O estudo visou investigar o mecanismo de
produção de neuro-hormônios no cérebro de abelhas. Neuro-hormônios são
compostos químicos responsáveis pela regulação do sistema nervoso, com
implicações na mediação dos comportamentos sociais desses insetos.
“Queríamos estudar a origem e o
metabolismo das proteínas precursoras dos neuropeptídeos no cérebro de
abelhas, para entender como eram produzidos tais hormônios. Desejávamos
também identificar as regiões do cérebro responsáveis pelas ações
daqueles compostos. Para isso, utilizamos o imageamento espectral por
espectrometria de massas”, explicou Palma.
A técnica permite identificar compostos
químicos dentro de tecidos, sem necessidade de extratos celulares. O
imageamento também permite conhecer a região do cérebro onde tais
hormônios estão agindo. “Podemos conhecer a estrutura química dos
neuropeptídeos e mapear as regiões do cérebro onde eles agem”, disse.
Os experimentos foram feitos no apiário do
Instituto de Biociências da Unesp, em Rio Claro. “Praticamente todas as
nossas colônias são de abelhas africanizadas”, disse Palma.
“Trabalhamos com abelhas africanizadas há mais de 20 anos, uma vez que o
Departamento de Biologia do Instituto de Biociências da Unesp estuda
esses insetos desde sua fundação, há 60 anos.”
Os favos foram levados para o laboratório,
onde os indivíduos recém-emergidos foram identificados e marcados com
tintas não tóxicas. Após a devolução dos favos às colmeias no apiário,
aguardou-se que as abelhas marcadas atingissem a idade desejada para a
realização do experimento.
Quando isso ocorreu, os favos retornaram
novamente ao laboratório e as abelhas marcadas com tintas coloridas
foram coletadas e utilizadas em experimentos de agressividade.
As abelhas foram colocadas em arenas de
observação. Alvos com o formato de esferas de 5 centímetros de diâmetro e
recobertas de camurça negra foram penduradas por uma corda diante de
cada arena, de modo que, ao serem balançadas, as esferas invadissem a
arena onde se encontravam as abelhas marcadas.
“Vários comportamentos de alerta e
agressão foram realizados pelas abelhas. Tais comportamentos foram
observados e registrados pelos pesquisadores”, disse Palma.
Além dos vários comportamentos agressivos,
alguns indivíduos também ferroaram os alvos. Ao fazê-lo, ficaram presos
nos alvos por meio do ferrão, que possui fisgas e não pode ser
retirado. Esses indivíduos foram coletados, imediatamente congelados em
nitrogênio líquido e dissecados. Seus cérebros foram retirados e
fatiados. As fatias foram utilizadas nos estudos de análise proteômica –
área de biotecnologia que estuda o conjunto de proteínas expressas em
uma célula ou tecido.
A equipe da Unesp também coletou abelhas
operárias que permaneceram dentro das colmeias durante os ataques, para
poder compará-las às outras operárias mais agressivas.
Todas as amostras foram analisadas dentro
dos tecidos. Depois elas foram analisadas com o uso de radiação laser,
que promove a ionização das proteínas e peptídeos. Esses foram
analisados no espectrômetro de massa, capaz de identificar pequenas
cadeias de proteínas ou peptídeos, permitindo conhecer sua estrutura
química.
“Quando do preparo das amostras na forma
de fatias de cérebro, o instrumento cria um padrão virtual de orientação
espacial dentro de cada tecido, que permite correlacionar a presença de
espectros típicos de cada molécula analisada com a posição espacial
dentro do tecido. Assim, identificam-se as moléculas e ao mesmo tempo
estimam-se suas concentrações e determina-se sua localização”, disse
Palma.
“No final, geram-se imagens dos cortes
histológicos, na forma de topografia molecular, e mapas de contorno,
assinalando-se as extensões e limites de cada diferente região do
cérebro”, disse.
Compostos químicos identificados por
pesquisadores da Unesp podem explicar por que abelhas menos agressivas
se tornam ferozes. Estudo foi publicado no Journal of Proteome Research
(operária de Apis mellifera ferroando o alvo de camurça durante os
ensaios de agressividade / fotos: Iago Bueno da Silva/Unesp)
Hormônios e agressão
Sobre a diferença encontrada entre as
abelhas capturadas fora da colmeia e as que permaneceram lá dentro,
Palma ressalta que não se trata de local, mas de diferenças observadas
entre as abelhas operárias que realizam os vários comportamentos de
alarme e agressão (principalmente ferroar o alvo) e aquelas que não se
tornam agressivas (mesmo quando estimuladas).
“O cérebro das abelhas não agressoras
apresentou proteínas precursoras intactas, na forma sua não ativa, isto
é, que não está estimulando comportamentos agressivos”, disse.
Por outro lado, o cérebro das abelhas
agressoras apresentou somente as formas maduras dessas proteínas. São
pedaços menores e ativos das proteínas precursoras, gerados pela ação de
enzimas conhecidas como proteases. Esses pedaços menores ainda passam
por processo de modificações químicas para se tornarem ativos. Assim se
formam os neuropeptídeos ativos, que determinarão o comportamento
agressivo nas abelhas. Neuropeptídeos são hormônios que regulam o
cérebro e outros tecidos para adaptar o organismo a realizar um conjunto
de comportamentos.
“Na prática, isso significa que os
neuropeptídeos sinalizam ao organismo para realizar funções metabólicas,
fisiológicas e/ou farmacológicas, preparando o indivíduo para executar
um ou mais conjuntos de comportamentos. No caso em estudo, o conjunto de
comportamentos foi relacionado à agressão”, disse Palma
“Os neuropeptídeos que encontramos existem
com pequenas diferenças estruturais em vários insetos, mas até então
eram pouco caracterizados química e funcionalmente. Nas abelhas
agressoras, as funções de tais neuropeptídeos foram regular o
metabolismo energético, ativar os mecanismos de vigilância e coordenação
espacial de voo e estimular a produção de feromônios de alarme”,
disse.
Quando os pesquisadores observaram que os
neuropeptídeos estimulavam o comportamento agressivo, eles resolveram
sintetizar esses compostos em laboratório, para então injetá-los em
operárias jovens – abelhas que supostamente ainda não estavam preparadas
para executar comportamentos agressivos.
“O resultado foi que algum tempo após
terem recebidos aplicações dos neuropeptídeos essas operárias passaram a
executar comportamentos agressivos. Elas passaram inclusive a ferroar
os alvos”, disse o coordenador do Projeto Temático FAPESP.
Origem da ferocidade
A agressividade em abelhas é desencadeada
como parte do mecanismo de defesa da colônia. Tal comportamento se
inicia com um conjunto de estímulos físicos e químicos como movimentos
bruscos, sons agudos, cores escuras e odores fortes, geralmente
associados à presença de intrusos, invasores ou predadores da colônia.
Isso desencadeia uma reação em cascata de uma série de processos
metabólicos e fisiológicos, para suportar os insetos agressores a
executar os comportamentos de alarme e agressão.
“Aparentemente, a primeira reação a tais
estímulos leva à maturação dos precursores dos neuro-hormônios no
cérebro das abelhas, conduzindo à formação dos neuropeptídeos maduros,
que são distribuídos em concentrados e regiões específicas do cérebro”,
disse Palma.
“Atuando nos neurônios dessas regiões,
esses neuropeptídeos ativam uma série de processos metabólicos e
fisiológicos, que resultam nos comportamentos de alarme e agressão e
culminam com a ferroada”, disse.
Os precursores dos neuropeptídeos estão
prontos no cérebro das operárias adultas. Mas enquanto elas ainda são
jovens tais precursores não são clivados, não podendo resultar em
neuropeptídeos maduros ou ativos.
No entanto, quando as operárias alcançam
entre 15 e 20 dias de idade, elas já contam com ferramentas moleculares
para catalisar a maturação dos precursores. Daí que, na presença de
estímulos físico-químicos ameaçadores, os neuropeptídeos em seus
cérebros serão instantaneamente ativados, e as operárias passarão a
demonstrar comportamento agressivo.
“Quando injetamos os neuropeptídeos
sintéticos em suas formas maduras, as operárias jovens passaram a dispor
do neuropeptídeos maduros, que em poucos minutos passaram a ativar as
transformações metabólicas e fisiológicas, tornando tais indivíduos
aptos a exercer comportamentos agressivos”, disse Palma.
O artigo MALDI Imaging Analysis of Neuropeptides in Africanized Honeybee (Apis mellifera) Brain: Effect of Aggressiveness,
de Marcel Pratavieira, Anally Ribeiro da Silva Menegasso, Franciele
Grego Esteves, Kenny Umino Sato, Osmar Malaspina e Mario Sergio Palma,
está publicado em https://pubs.acs.org/doi/10.1021/acs.jproteome.8b00098.
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