quarta-feira, 25 de julho de 2018

Um meteorito em Serra Pelada

Fragmentos de um dos maiores asteroides do Sistema Solar caem na Amazônia e são recuperados por pesquisadores
Às 10h35 da manhã de 29 de junho de 2017, uma bola de fogo cruzou o céu na direção nordeste-sudoeste, depois explodiu, com um estrondo ouvido a quilômetros de distância, fragmentou-se e caiu na vila de Serra Pelada, no município de Curionópolis, sudeste do Pará.

Os moradores coletaram os pedaços do meteorito que caíram perto de uma escola. Um fragmento de 5,4 quilogramas (kg) caiu em uma mineradora e foi coletado por um eletricista. O geólogo Marcílio Rocha, que nasceu na vila, suspeitou que aquilo poderia ser um meteorito e contatou uma especialista em meteoritos, a astrônoma Maria Elizabeth Zucolotto, pesquisadora do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Os estudos realizados por pesquisadores do Rio, Pará, Bahia e São Paulo indicaram que se tratava de um tipo raro de meteorito, que deve ter se desprendido de um dos maiores e mais brilhantes asteroides do Sistema Solar, o Vesta. Com 500 quilômetros (km) de diâmetro, ele faz parte do Cinturão de Asteroides, entre as órbitas de Marte e Júpiter. “As colisões de asteroides podem fazer com que pedaços se desprendam e entrem em órbita em torno do Sol”, diz a astrônoma Thais Mothé Diniz, que trabalhou com meteoritos no Observatório do Valongo da UFRJ e atualmente é professora na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia, em Alesund.  “Quando estão muito próximos da Terra, podem entrar na atmosfera, ganhando o nome de meteoro.” Ao atingir a superfície do planeta, passam a ser chamados de meteoritos.

O meteorito do Pará, que ganhou o nome de Serra Pelada, é essencialmente uma rocha basáltica, constituída principalmente por dois minerais, feldspato e silicatos, conhecidos como piroxênios, além de quartzo e apatita, em menores proporções, como detalhado em um artigo científico publicado em fevereiro de 2018 na revista Anais da Academia Brasileira de Ciências.

Segundo Elizabeth, a principal autora desse trabalho, o Serra Pelada deve ter entrado na atmosfera terrestre com uma velocidade entre 11 e 70 km por segundo. Ao ser freado pelo atrito com o ar, o meteorito explodiu em diversos fragmentos; apenas dois pedaços foram recuperados e muitos outros, possivelmente menores, perderam-se na mata. Sua composição reitera a hipótese de realmente ser um vestígio de Vesta, uma vez que o asteroide tem uma proporção única de elementos químicos.

O meteorito do Pará foi o primeiro registrado na Amazônia e é o terceiro fragmento de Vesta já coletado no Brasil. O primeiro foi o Serra de Magé, com cerca de 1,8 kg, que caiu em 1923 no município de Alagoinha, Pernambuco. O segundo foi o Ibitira, com cerca de 2,5 kg, que caiu no município de Martinho Campos, Minas Gerais, em 1957. O maior meteorito achado até hoje no país é o de Bendegó, de 5,36 toneladas, encontrado no sertão baiano em 1784. Até agora, 74 meteoritos foram identificados no Brasil.

Os meteoritos são constituídos por restos do que formou o Sistema Solar, além de fragmentos de corpos maiores como asteroides, Lua, Marte e possivelmente cometas. Eles são peças importantes no quebra-cabeça da história da formação e evolução dos planetas, pois são amostras desde o núcleo até a superfície de corpos dos quais se originaram. Alguns deles, como os condritos, mantiveram a composição inalterada de 4,56 bilhões de anos atrás, que data da origem do Sistema Solar”, diz Elizabeth.

Quando recebeu a ligação de Rocha avisando sobre o meteorito, Elizabeth estava a trabalho de campo em Palmas de Monte Alto (BA) em busca de fragmentos de outro meteorito. Mudou os planos de viagem e foi para a vila Serra Pelada, a 1.800 km de distância. Ela e o colecionador André Moutinho começaram a procurar vestígios do meteorito pela vizinhança de Serra Pelada. Passaram por um garimpo clandestino de ouro, conheceram membros do Movimento dos Trabalhadores sem Terra em Eldorado dos Carajás e percorreram trechos isolados da rodovia Transamazônica.

Após seis dias de procura, não encontraram nenhum meteorito e souberam que o pedaço de 5,4 kg, que pretendiam adquirir, já havia sido vendido para um comprador do exterior. Terminaram a viagem com apenas alguns fragmentos, que compraram por R$ 37 mil. “Às vezes, para essas compras, conseguimos apoio da Sociedade dos Amigos do Museu Nacional”, conta ela.

Elizabeth tem experiência em caçar meteoritos. Em 1997, ela participou de uma perseguição a dois norte-americanos que haviam roubado um meteorito de um tipo bastante raro, o Angrito, com 1,5 kg, que caiu no município de Angra dos Reis em 1869 e estava guardado no Museu Nacional, do Rio de Janeiro – na ocasião, os ladrões o substituíram por um similar sem valor. O Angrito é um dos tipos de rochas mais antigas do Sistema Solar, com apenas 28 exemplares confirmados no mundo. O furto foi descoberto rapidamente e o meteorito recuperado, com a ajuda da Polícia Federal, no Aeroporto Internacional do Galeão, no Rio. “Naquela época, o Angrito tinha alto valor comercial porque era raro, mas, recentemente, foi encontrado um meteorito de 40 kg muito parecido, na Argentina, e o valor despencou”, diz ela. Quando foi roubado, o meteorito poderia ser vendido para colecionadores por um valor próximo a R$ 3,5 milhões.

Artigo científico
 
ZUCOLOTTO, M. E. et al. Serra Pelada: The first Amazonian meteorite fall is a eucrite (basalt) from asteroid 4-Vesta. Anais da Academia Brasileira de Ciências. v. 90, p. 3-16. fev. 2018.

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