O formato peculiar assumido pelo aglomerado de
estrelas, gás e poeira foi objeto de pesquisa conduzida na USP e no
Institut d'Astrophysique de Paris; resultados indicam que a nebulosa é
parte de uma estrutura em concha produzida pela explosão de três
estrelas supernovas (foto: Bob Franke)
Estudo explica como se formou a nebulosa da Gaivota
10 de janeiro de 2020
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – Um estudo divulgado na revista Astronomy & Astrophysics explicou a origem da forma peculiar assumida pela nebulosa da Gaivota (Sh 2-296). A investigação foi conduzida com apoio
da FAPESP no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas
da Universidade de São Paulo (IAG-USP) e no Institut d'Astrophysique de
Paris, na França.
Segundo o artigo, a nebulosa faz parte de uma grande estrutura em
forma de concha, que os autores nomearam “CMa Shell ”, encerrando uma
bolha criada por sucessivas explosões de estrelas supernovas. A pesquisa
identificou três estrelas “em fuga” e investigou a possibilidade de que
elas tenham se originado no centro da concha.
“Ao analisar imagens da região em vários comprimentos de onda,
percebemos claramente que a nebulosa Sh 2-296 é, de fato, parte de uma
grande estrutura, com formato de concha elíptica, e diâmetro da ordem de
60 parcecs [pouco mais do que 195 anos-luz]”, disse à Agência FAPESP a astrônoma Beatriz Fernandes, principal autora do artigo.
Fernandes doutorou-se com orientação de Jane Gregorio-Hetem no IAG-USP e fez seu pós-doutorado sob a supervisão de Thierry Montmerle, no Institut d'Astrophysique de Paris.
“Descobrimos que as estrelas fugitivas foram provavelmente ejetadas
de um aglomerado progenitor por três sucessivas explosões de supernovas,
ocorridas há seis, dois e um milhão de anos”, disse.
Retrocedendo as trajetórias das três estrelas fugitivas, foi possível
localizar o centro da concha. A ideia é que havia nessa região central
um conjunto de estrelas massivas, que foram explodindo em supernovas e
produzindo uma grande frente de onda.
“Esse era um dado que já tínhamos sobre a região, pois ela não possui
uma população com idade única, mas é composta por grupos com idades um
pouco diferentes. São, todas elas, estrelas bem jovens, com idades
inferiores a 10 milhões de anos – o que, em astronomia, é quase nada”,
disse Gregorio-Hetem, coautora do artigo.
O êxito do estudo deveu-se em grande parte ao Catálogo Gaia,
da ESA, a agência espacial europeia, que proporcionou informações muito
mais precisas sobre trajetórias, velocidades e outros parâmetros das
estrelas da Via Láctea. “Isso permitiu determinar de onde as estrelas
fugitivas estavam vindo e para onde estavam indo”, contou
Gregorio-Hetem.
A classificação de “fugitivas” foi dada a essas estrelas porque elas
se deslocam do centro para a periferia da concha. E isso se deve, muito
provavelmente, ao fato de terem sido empurradas pela frente de onda
resultante das explosões das supernovas.
A presença de uma estrela massiva já afeta, por si só, a nuvem de gás
e poeira existente à sua volta, por causa da grande radiação que o
astro emite. Sua explosão como supernova amplia esse efeito, devido à
onda de choque e à grande ejeção de material. São essas explosões que,
enriquecendo o meio com elementos químicos mais pesados, sintetizados no
interior da grande estrela, promovem a evolução química da galáxia.
Asas abertas
A nebulosa da Gaivota (Sh 2-296) localiza-se na Via Láctea, na região
denominada CMa OB1 (Associação Canis Major OB1), a mais de 3,2 mil
anos-luz da Terra. A distância entre as pontas das duas “asas da
Gaivota” é de aproximadamente 140 anos-luz.
O fato de só vermos uma parte da concha admite diferentes
explicações. “Pode ser que a evolução da nuvem tenha feito com que uma
porção do gás se dispersasse com o tempo. Mas pode ser também que a
esfera esteja com a parte mais densa virada para nós e que não estejamos
conseguindo ver a parte de trás. Precisamos de mais dados para
responder a essa questão por meio de um mapeamento tridimensional”,
afirmou Gregorio-Hetem.
A nebulosa da Gaivota não está em condição de equilíbrio
gravitacional. É um aglomerado aberto. Seu material deverá continuar se
expandindo, embora com velocidade cada vez menor, até que a configuração
acabe se desfazendo com o passar do tempo.
O artigo Runaways and shells around the CMa OB1 association pode ser lido em www.aanda.org/articles/aa/abs/2019/08/aa35484-19/aa35484-19.html. O texto integral também pode ser acessado gratuitamente na plataforma Arxiv: https://arxiv.org/pdf/1906.00113.pdf.
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