segunda-feira, 28 de julho de 2014

Evolução dos Primeiros Animais Pré-Históricos


Ao longo de milhões e milhões de anos, o nosso mundo foi habitado por criaturas únicas, bizarras, gigantescas e magníficas. O estudo e o entendimento destes animais vai muito além da curiosidade natural, pois nelas residem as nossas origens evolutivas e foram nestes períodos pré-históricos que se formaram algumas das estruturas básicas da vida, que ainda hoje são utilizadas, inclusive por nós seres humanos.
Para uma melhor compreensão da vida pré-histórica e do nosso próprio conhecimento sobre ela, existem algumas ideias chave que são necessárias ter em mente:
Fóssil Dunkleosteus

1. Poucos animais fossilizam
Apesar de terem chegado até nós milhares de fósseis, são uma percentagem mínima de tudo o que já viveu sobre a Terra, dado que 99,9% dos organismos, após morrerem, são decompostos e reduzidos a nada. Dos restantes 0,1% também são poucos os que fossilizam. Para que cheguem até nós, é necessário que:
  • O animal morra no “sítio certo” – apenas 15% das rochas preservam fósseis;
  • Os processos naturais do nosso planeta não os destruam;
  • Alguém encontre o fóssil, o identifique e recolha para estudo.
Segundo estimativas, apenas 1 espécie em cada 10 mil chega a fossilizar e somente 1 espécie em cada 120 mil (!), além de fossilizar, é encontrada por nós.
2. Não conhecemos o animal se não conhecermos o ambiente que o rodeia
Os ossos e as formas dizem-nos como era o animal, mas não nos dizem como vivia, o que comia, quem o comia, o que o rodeava, dados indispensáveis para conseguirmos reconstruir o ecossistema do passado e estudarmos o comportamento destes animais.
Um animal pode ter um aspecto aterrador e não ser propriamente um predador temível, como o Spinossauros, que apesar de na ficção cinematográfica fazer frente a um T-Rex, não passaria de um recatado pescador dos rios (um pouco à semelhança dos ursos atuais).
O tamanho gigante de muitos dos animais do passado também só pode ser entendido em função do ambiente: além da concentração de oxigénio na atmosfera ter sido superior à actual (quase o dobro), os animais dispunham de grandes habitats com também grandes fontes de alimento. Hoje em dia os animais estão confinados a habitats mais pequenos e onde por vezes o alimento e a água são escassos.

3. A variedade dos animais não era maior que a atual
É comum pensar-se que, antigamente, a Terra era habitada por uma muito maior variedade de animais do que atualmente. Tal acontece porque metemos os animais pré-históricos todos no “mesmo saco”. No próprio tempo dos dinossauros, que é o que conhecemos melhor na cultura geral, não houve nenhum momento em que todos os dinossauros que conhecemos, estivessem juntos. Cada período tinha as suas espécies e muitos dos dinossauros que existiram, nunca viveram em simultâneo.
Dois animais cuja datação fóssil indique que viveram há, por exemplo, 400 milhões de anos atrás, não significa que alguma vez tivessem partilhado o planeta. Em pequenos instantes geológicos, animais desaparecem e outros surgem. Por exemplo, há 15 mil anos atrás (pouquíssimo tempo em termos geológicos) haviam mamutes, tigres dente-de-sabre, rinocerontes-lanudos, gliptodontes e outros animais que o leitor nunca chegou a conhecer, no entanto, estamos todos na mesma “fatia” da linha do tempo.

4. Existem animais pré-históricos vivos
Os animais primitivos não são apenas fruto da capacidade imaginativa dos cientistas ao olharem para os esqueletos fossilizados. Os chamados fósseis vivos são animais que pouco ou nada mudaram em milhões de anos e que hoje podemos ver ao vivo.
O celacanto era um peixe considerado extinto há 65 milhões de anos (extinção que aniquilou os dinossauros), até ser encontrado um exemplar vivo em 1938 e hoje são reconhecidas populações destes peixes nas costas da África do Sul e Indonésia. Outro exemplo é o caranguejo-ferradura, um animal de características únicas em toda a fauna conhecida e que já habita o nosso mundo há mais de 400 milhões de anos (existem fósseis destes animais com 445 milhões de anos).

É possível estudar nestes animais algumas características e estruturas que seriam mais vulgares no passado e assim compreender melhor os fósseis que recolhemos. É através dos animais que conhecemos hoje, que podemos estabelecer paralelismos e descobrir como era, por exemplo, a pele e as cores dos animais pré-históricos, dados que os fósseis de um modo geral não nos dizem.
Fauna Pré-Histórica
Depois de biliões de anos onde a vida não aparentava grande vontade em evoluír, no período Câmbrico deu-se uma “explosão” de diversidade sem paralelo. A ilustração acima (crédito Cold Spring Harbor Laboratory Press) representa o que poderá ter sido o cenário dos mares cambrianos, baseado nos mais de 60 mil fósseis encontrados em Burgess Shale.

Legenda: 1) Pirania, 2) Vauxia, 3) Wapkia, 4) Aysheaia, 5) Hallucigenia, 6) Anomalocaris, 7) Laggania, 8) Marrela, 9) Odaria, 10) Trilobite Olenoides, 11) Sanctacaris, 12) Sarotrocercus, 13) Ottoia, 14) Canadia, 15) Pikaia, 16) Amiskwia, 17) Dinomischus, 18) Eldonia, 19) Odontogriphus, 20) Opabinia, 21) Wiwaxia

Os Primeiros Animais

Embora os primeiros organismos multi celulares já pudessem existir há cerca de 1 bilhão de anos, os mais antigos que podemos considerar animais, Ediacaranos, surgiram há cerca de 600 milhões de anos. Eram “coisas estranhas de corpo mole” segundo o paleontólogo Richard Fortey, sem vestígios claros de terem boca para comer, ânus para expulsar ou quaisquer órgãos digestivos. É difícil classifica-los como antepassados de qualquer outro animal e crê-se que terão sido experiências falhadas da evolução dos organismos complexos, tendo estas lentas criaturas sido devoradas pelos animais que surgiram posteriormente.
No final do período pré-cambriano (542 milhões de anos), sobreviveram alguns tipos simples de animais, como esponjas, anêmonas, corais, medusas e alguns anelídeos.
Seguiu-se o período Cambriano (542-488 MA), que registrou o maior impacto evolutivo da história da Terra, com uma impressionante diversidade de novos animais e grupos ainda hoje existentes. O que causou esta “explosão de vida” não é claro, embora os fatores ambientais possam ter tido grande influência, com um aumento do oxigênio, da temperatura do planeta, do nível dos mares e do aparecimento de novos habitats, que por sua vez levam ao aparecimento de novas formas de vida.
Grande parte do que conhecemos deste período provém dos fósseis de Burgess Shale, uma formação rochosa que desvendou nada menos (e talvez mais) que 60 mil animais pertencentes a 150 espécies distintas, criaturas com ou sem conchas, com vários olhos ou cegas. A variedade era tanta que, conta-se, a dado momento o paleontólogo Conway Morris abriu uma nova gaveta de fósseis e terá resmungando: “Oh, merda, outro Filo não.” A verdade é que além dos Filos hoje conhecidos, como o Chordata, muitos outros foram rejeitados pela evolução não deixando descendência – cerca de 20 animais não pertenciam a qualquer Filo conhecido atualmente, embora relatos populares aumentem este número para cima de 100.
O animal mais emblemático deste período e que resistiu durante cerca de 300 milhões de anos (mais bem sucedido que qualquer dinossauro), foi o Trilobite, cujo exosqueleto (característica que os artrópodes mantém actualmente) estimulou a fossilização e chegaram até nós os fósseis de milhares de espécies de Trilobites de diferentes períodos geológicos. Outras criaturas igualmente curiosas do Cambriano foram as Opabinias de 5 olhos ou os “gigantes” predadores Anomalocaris (na ilustração à esquerda). Também por esta altura apareceu o primeiro animal com espinha dorsal, a Pikaia. O facto das Pikaias serem tão raras no registro fóssil pode levar a crer que estes animais estiveram perto de se extinguir. A ser verdade, tudo aquilo que a espinha dorsal proporcionou nas eras seguintes até chegar a nós, sobreviveu à extinção do Cambriano por um felicíssimo acaso.

À Conquista da Terra e do Ar

Paisagem no período Devónico
A seguir ao Cambriano veio o período Ordovíciano (488-443 MA), onde novas espécies de animais marinhos, ocuparam o espaço vago deixado pelos animais que não sobreviveram ao período anterior. Apareceram os nautilóides (do qual temos hoje descendência viva, o bem conhecido Nautilus), que seriam os predadores mais temidos da época, bem como os bizarros conodontes, animais parecidos com enguias, de olhos grandes e desproporcionais. Surgiram também os primeiros lírios-do-mar, parentes das estrelas-do-mar.

Este período terminou com a segunda maior extinção de sempre da história da Terra e à qual se seguiu uma era glacial. Os habitats, a fauna e a flora levaram o seu tempo a recompor-se do desastre climático e então no período Siluriano (443-416 MA), os animais partiram à conquista de terra seca. Na verdade foram forçados a isso. Além das zonas costeiras serem menores, começavam a aparecer os primeiros grandes predadores dos oceanos, os tubarões, pelo que a concorrência tornou-se feroz e a luta pela sobrevivência bastante mais complicada. O sucesso dos tubarões foi tão grande que hoje mesmo se mantém como um dos maiores predadores existentes.

Os primeiros animais a aventurarem-se em terra eram pequenos artrópodes, semelhantes aos bichos-de-conta e algumas aranhas e centopeias primitivas. O período que se seguiu, o Devoniano (416-359 MA), é conhecido como a era dos peixes, graças à enorme diversidade de espécies marinhas, mas marcou também passos importantes na evolução da vida fora de água. Os artrópodes que se aventuraram em terra estabeleceram-se bem nos novos habitats, tendo originado alguns milípedes com 2 metros de comprimento. Com estes animais à solta, os insetos utilizaram um truque para fugir: aprenderam a voar. Uma técnica tão bem sucedida que hoje é usada por inúmeras espécies e até nós perseguimos esse sonho de forma artificial. Na água, alguns peixes tornaram-se predadores gigantescos, como o Dunkleosteus de 10 metros de comprimento (que no entanto foi varrido do planeta no final deste mesmo período).

Os Animais Pré-Históricos são fascinantes, mas temos a tendência de pensar neles como os Dinossauros e pouco mais. Neste artigo, vamos bem mais atrás. Muito mais atrás. Quando nada faria prever que, certo dia, Dinossauros habitariam o nosso planeta. Vamos olhar mais de perto para as fantásticas criaturas que os antecederam.

Dickinsonia – 600 Milhões de Anos  (M.A.)

Dickinsonia
Era um ser vivo plano e ovalado, e através dos fósseis sabemos que o seu tamanho variava entre 4 e 14 cm. Tinha o corpo segmentado ou raiado e alguns investigadores pensam que seria uma planta, outros que seria semelhante aos corais, outros ainda que teria o corpo esponjoso como uma medusa.
Xenusion – 550 M.A.
Xenusion
Um primitivo artrópode de corpo anelado e cilíndrico. Tinha várias patas com garras nas extremidades.
Pikaia – 500 M.A.
Pikaia
É segundo a maioria dos investigadores o ancestral comum de todos os vertebrados. Tinha uma cabeça com duas antenas, possuía um pequeno cérebro e uma espinha dorsal ao longo do  corpo. Esta característica é conhecida como céfalocordado. Tinha cerca de 5 cm de comprimento.
Trilobite – 500 M.A.
Trilobite
Eram invertebrados, mas viviam em ambiente marinho. Tinham um corpo composto por três lobos, um no centro e um em cada lado, dai se chamaram de trilobites. À semelhança de muitos artrópodes, as trilobites também faziam a muda de pele. A carapaça era ornamentada por espinhos e outros tipos de ornamentação. Algumas trilobites eram desprovidas de olhos, no entanto as que os possuíam tinham um sentido de visão bastante apurado, sendo os primeiros a desenvolver olhos complexos. Em média mediam cerca de 3 a 10 cm, mas alguns destes animais podiam chegar aos 80 cm.
Anomalocaris – 500 M.A.
Anomalocaris
Este ser vivo era um predador das trilobites. È conhecido também como camarão anómalo. A deslocação na água era feita através dos lóbulos flexíveis que possuíam nas laterais do seu corpo. Estes lóbulos actuavam como uma única barbatana, tornando-se mais rápidos a nadar. Tinha uma cabeça grande com um único par de olhos  e  uma boca em forma de disco na qual prendia o alimento com a ajuda de placas serrilhadas. O seu tamanho era aproximadamente de 60 centímetros, gigante portanto para esta período.
Opabinia – 500 M.A.
Opabinia
Este ser é talvez um dos mais estranhos habitantes dos oceanos no período Cambriano. Tinha 5 olhos, a cabeça era uma carapaça rígida e possuía uma espécie de tromba bifurcada com garras na extremidade. Seria usada provavelmente para caçar as presas, uma vez que este animal era um predador. Não tinha pernas e o seu comprimento seria cerca de 8 cm. Ao contrário da maioria das espécies conhecidas, não deixou descendência.
Hallucigenia – 500 M.A.
Hallucigenia
Este animal é igualmente bizarro. O investigador que o descobriu deu-lhe este nome porque assemelhava-se a uma alucinação. O corpo de forma cilíndrica, é coberto na parte superior com espinhos para evitar ser atacado por predadores. Na parte inferior tem “tentáculos” com tenazes nas extremidades que ajudavam o animal a mover-se. Junto a esses tentáculos num dos lados do corpo possuía um conjunto de 3 tentáculos mais pequenos. Tinha apenas cerca de 3mm de comprimento.
Eurypterus – 420 M.A.
Eurypterus
Este animal era uma das muitas espécies de escorpiões marinhos existente no Paleozóico. Era um dos animais mais temidos deste período. Tinha um comprimento médio de 30 cm, mas podiam chegar até aos 2 metros, sendo o maior artrópode que alguma vez existiu. Alimentavam-se de invertebrados e pequenos peixes.
Dunkleosteus – 400 M.A.
Dunkleosteus
Era um peixe cujo corpo estava coberto por duras placas que podiam chegar aos 5 cm de espessura. Estas serviam de protecção a este animal, que pelo seu tamanho (6 metros, embora pudesse chegar até aos 9 metros), peso (cerca de uma tonelada) e força da mandíbula, era um predador feroz, encontrando-se no topo da cadeia alimentar da época.
Walliserops – 375 M.A.
Walliserops
Descendente das trilobites, este animal tinha como característica única um apêndice em formato de tridente na parte da frente. Este era usado como arma de defesa, mas também para revolver o fundo do mar em busca de alimento. O corpo era revestido por 3 filas de espinhos paralelas, tinha olhos protuberantes também com espinhos e o seu comprimento era entre os 3 e os 4 cm.
Tiktaalik roseae – 375 M.A.
Tiktaalik roseae
Esta espécie é um elo de ligação entre os animais marinhos e terrestres. Os investigadores pensam que este peixe foi um dos primeiros a ter barbatanas musculadas, assim como outras características que originaram os anfíbios, como cabeça achatada, indício de pescoço, ombros, cotovelos e pulso. O habitat de águas rasas potenciou esta evolução. Media pelo menos 3 metros de comprimento de acordo com fóssil mais completo encontrado.
Schinderhannes bartelsi – 375 M.A.
Schinderhannes bartelsi
Pertence à familia dos anomalocarídeos, tinha cerca de 10 cm de comprimento, o seu corpo era composto por vários lóbulos, à semelhança do anomalcaris e do camarão. Tinha dois olhos e uma boca de formato radial. Era um predador pela forma como o intestino se conserva.
Pelycosaur – 275 M.A.
Pelycosaur
É um tetrapóde ou seja já possuía 4 pernas e era um ser terrestre. Mas devido à sua fisionomia não é considerado um réptil, de facto os parentes mais próximos são os mamíferos. Eram por isso animais endotérmicos, tinham necessidade de manter a mesma temperatura corporal, tal como nós seres humanos. São muitas as espécies de pelycosaur existentes.
A espécie Dimetrodon era carnívora, com uma grande cabeça, dentes fortes e aguçados, que se alimentava de vertebrados inclusive de outros pelycosaurus. Tinha cerca de 3 metros e meio e pesava entre 100 a 150 Kg. Quatro pernas curtas e fortes suportavam o peso do corpo. Este animal tinha uma aparência diferenciada dos outros pelycosaurus, nomeadamente a “vela” que tinha na parte superior do corpo. Esta servia essencialmente para manter a temperatura.
Mas nem todos os pelycosaurus eram carnívoros, duas espécies eram herbívoras Caseidae e Edaphosauridae. Esta ultima com uma “vela” semelhante ao Dimetrodon, mas com uma cabeça mais pequena e dentes maiores e mais achatados, ideais para triturar ervas e bagas.
Este animal teve grande importância, pois foi o primeiro mamífero que surgiu.

O Mistério do Primeiro Vertebrado em Terra

Tiktaalik
Os primeiros animais dos quais supostamente nós descendemos, ou seja os primeiros vertebrados em terra seca, permanecem um mistério. Acreditou-se que um animal chamado Ichthyostega fosse a chave, tratando-se de um animal com 1 metro de comprimento que teria 4 membros supostamente cada um deles com 5 dedos. Porém, algum erro e falta de altruísmo cientifico por parte de Erik Jarvik, investigador que se apoderou da sua descoberta durante 48 anos, atrasaram o nosso conhecimento nesta matéria. Afinal, o Ichthyostega tinha 8 dedos em cada membro mas a estrutura dos seus membros teria desabado com o peso do seu corpo – este animal não tinha capacidade de andar e “limitava-se” a nadar.

A procura pelo “peixe aventureiro” que tenha vindo para terra firme e desenvolvido membros musculosos com dedos continua, embora já tenha sido encontrado um possível “elo perdido”, o Tiktaalik (na ilustração em cima). Este “peixe com cara de crocodilo”, tinha barbatanas musculosas e várias características que fazem crer ser uma espécie de transição, entre os peixes da água e os animais terrestres de quatro patas (tetrápodes). Apesar do estudo do esqueleto ter provado que este animal tinha capacidade de manter o seu peso sobre os 4 membros e portanto andar, também tinha capacidade de respirar oxigeno da atmosfera, ou seja, teria reunidas as condições para se aventurar definitivamente fora de água e ser o nosso antepassado. No entanto em Janeiro deste ano (2010), foi anunciada a descoberta de pegadas de animais tetrápodes, datadas de pelo menos 10 milhões de anos antes dos primeiros Tiktaaliks conhecidos. Isto pode sugerir que o Tiktaalik seria não o primeiro mas um descendente de outro animal mais antigo, que já possuía estas características e já caminhava em solo terrestre, há cerca de 400 milhões de anos atrás.

Chegaria ao fim o período Devoniano, numa extinção que afetou em particular a vida marinha. Seguiu-se o período Carbonífero (359-299 MA), que deve o seu nome às abundantes jazidas de carvão, produzidas pela vegetação pré-histórica que não parava de se expandir, como musgo de grandes dimensões e imponentes árvores. Estas florestas contribuíram para um grande aumento do oxigênio na atmosfera, um dos factores ambientais que levou ao gigantismo verificado em várias criaturas primitivas. Centopeias, baratas e escorpiões do tamanho de seres humanos e libélulas de 75cm são exemplos disso mesmo, tendo sido comuns neste período e francamente difíceis de imaginar hoje em dia.
No decorrer do período carbonífero, os anfíbios prosperaram. Equipados com uma pele mais espessa, para não secar tão rapidamente longe da água, alguns atingiram 6 metros de comprimento e tornaram-se predadores temíveis. Surgiram também os répteis, lagartos ágeis e pequenos que viviam em tocas nas árvores. No final deste período, colisões entre as massas de terra dariam origem ao supercontinente Pangeia.

Por um Triz a Vida não Acabou!

O Permiano (299-251 MA) demonstrou ser um desafio (exemplarmente superado) para os répteis. A Pangeia era tão grande que apresentava um clima instável, com zonas secas e áridas, outras congeladas e ainda outras de calor intenso com grandes flutuações sazonais, que variavam entre a chuva e a seca de forma abrupta.
Sendo animais de sangue frio, os répteis tiveram de encontrar maneiras de lidar com as grandes variações de temperatura. Animais como o Dimetrodon desenvolveram estruturas em forma de vela nas costas, para absorver e armazenar o calor solar, utilizando-o quando a temperatura descesse. Outros répteis conservaram o calor através da degradação dos alimentos – suspeita-se mesmo que se tivessem tornado de sangue quente – e dominaram o final do Permiano. Alguns destes animais tornaram-se gigantes e outros mais pequenos e peludos – deram origem aos mamíferos.

No final do período Permiano, a vida na Terra praticamente chegou ao fim, na maior extinção em massa da história do nosso planeta. 95% das espécies marinhas e 70% dos animais terrestres desapareceram sem retorno, incluindo um terço dos incestos (o único momento em que desapareceram massivamente) e todas as trilobites, que tinham resistido a todas as extinções anteriores durante quase 300 milhões de anos de existência. Mesmo no que diz respeito ás espécies de animais que sobreviveram, não é claro em que condições tal aconteceu. Caso tenha ocorrido uma devastação global, que é o mais provável, as espécies que sobreviveram podem ter tido origem em 1 ou 2 animais feridos que, resistindo aos ferimentos, conseguiram procriar e com alguma sorte à mistura, gerar descendência saudável e fértil. A diferença entre uma espécie extinta e uma sobrevivente, pode estar na existência de uma “simples” fêmea grávida ou de uma postura de ovos, que seja bem sucedida num mundo fantasma virado do avesso.
A vida demorou cerca de 30 milhões de anos (!) a recompor-se, mas fê-lo com exuberância: surgiram os primeiros dinossauros.

domingo, 27 de julho de 2014

CLIMAS DO BRASIL

Clima:
Para classificar um clima, devemos considerar a temperatura, a umidade, as massas de ar, a pressão atmosférica, correntes marítimas e ventos, entre muitas outras características. A classificação mais utilizada para os diferentes tipos de clima do Brasil assemelha-se a criada pelo estudioso Arthur Strahler, que se baseia na origem, natureza e movimentação das correntes e massas de ar.

De acordo com essa classificação, os tipos de clima do Brasil são os seguintes: 

Clima Subtropical: presente na região sul dos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Caracteriza-se por verões quentes e úmidos e invernos frios e secos. Chove muito nos meses de novembro à março. O índice pluviométrico anual é de, aproximadamente, 2000 mm. As temperaturas médias ficam em torno de 20º C. Recebe influência, principalmente no inverno, das massas de ar frias vindas da Antártida.

Clima Semi-árido: presente, principalmente, no sertão nordestino, caracteriza-se pela baixa umidade e pouquíssima quantidade de chuvas. As temperaturas são altas durante quase todo o ano.

Clima Equatorial: encontra-se na região da Amazônia. As temperaturas são elevadas durante quase todo o ano. Chuvas em grande quantidade, com índice pluviométrico acima de 2500 mm anuais.

Clima Tropical: temperaturas elevadas (média anual por volta de 20°C), presença de umidade e índice de chuvas de médio a elevado.

Clima Tropical de altitude: ocorre principalmente nas regiões serranas do Espirito Santo, Rio de Janeiro e Serra da Mantiqueira. As temperatura médias variam de 15 a 21º C. As chuvas de verão são intensas e no inverno sofre a influência das massas de ar frias vindas pela Oceano Atlântico. Pode apresentar geadas no inverno.

Clima Tropical Atlântico (tropical úmido): presente, principalmente, nas regiões litorâneas do Sudeste, apresenta grande influência da umidade vinda do Oceano Atlântico. As temperaturas são elevadas no verão (podendo atingir até 40°C) e amenas no inverno (média de 20º C). Em função da umidade trazida pelo oceano, costuma chover muito nestas áreas.

sábado, 26 de julho de 2014

Há 45 anos o homem pisou na Lua pela primeira vez

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Há 45 anos, de 16 a 24 de julho de 1969, a missão Apollo 11 entrava para a história por ser a primeira a conseguir fazer com que astronautas caminhassem pela lua e retornassem à superfície terrestre em segurança.

Mas o projeto de enviar homens ao nosso satélite natural começará 8 anos antes, com um discurso do presidente John F. Kennedy ao Congresso dos EUA, estipulando que a meta fosse cumprida até o final da década.

Depois de muitas tentativas sem sucesso, 8 anos depois, a NASA conseguiria cumprir o objetivo no prazo determinado. Os astronautas Neil Armstrong, comandante da missão, Buzz Aldrin e Michael Collins fizeram treinamentos intensivos para conseguir chegar onde nenhum homem havia ido antes.

A bordo do Saturn V, os astronautas decolaram do Kennedy Space Center, Cabo Canaveral, na manhã de 16 de julho de 1969. Cerca de 12 minutos após o lançamento o foguete já havia entrado na órbita da Terra. Depois de dar uma volta e meia ao redor do planeta, a nave seguiu em direção à lua.
Três dias depois, o foguete entrou na órbita lunar. No dia seguinte, o fatídico 20 de julho, Neil Armstrong e Buzz Aldrin embarcaram no módulo lunar Eagle (Águia) que os levariam até a superfície lunar. Michael Collins continuou pilotando o módulo de comando, chamado Columbia. O pouso foi feito em situações críticas, com alarmes soando e apenas 30 segundos de combustível disponível. Após tudo correr bem, na tarde daquele dia, para o alívio de todos, Armstrong falou à base de Houston, emblematicamente: "a Águia pousou".
nasa-lua-primeiro-passo
Cerca de seis horas após o pouso, o comandante Neil Armstrong estava preparado para se tornar o primeiro homem a pisar na lua. Pela TV, mais de 500 milhões de pessoas do mundo todo assistiam, atônitas, a façanha. Foi neste momento que ele disse a famosa frase: "é um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade" (confira o audio original).  Depois de já ter caminhado pela superfície lunar, Armstrong fotografou Buzz Aldrin descendo as escadas da Eagle.

Os dois astronautas conduziram uma série de experimentos, entre eles um para detectar atividades sísmicas. Deixaram também uma espécie de espelho refletor - até hoje, quem quiser pode fazer um experimento de mirar um laser poderosíssimo neste espelho e vê-lo sendo refletido de volta à Terra. Confira um trecho do seriado The Big Bang Theory no qual os personagens fazem exatamente isso.

Na verdade, esse experimento é um projeto que existe num observatório no sul da França (Grasse), que tem por objetivo determinar a distância do Sistema Terra-Lua. Não é fácil "acertar" os espelhos deixados pelos astronautas.
Um outro gesto simbólico realizado na missão foi deixar uma plaqueta de metal no Mar da Tranquilidade com os seguintes dizeres: "Aqui, homens do planeta Terra pisaram na lua pela primeira vez. Julho, 1969 d.C. Viemos em paz, em nome de toda a humanidade".

Depois de algumas horas na superfície, era hora de retornar para a base.
Por fim, em 24 de julho, a tripulação é resgatada no oceano, em uma área próxima ao Havaí. De volta aos Estados Unidos, eles encontram as esposas em 27 de julho.

Veja fotos, vídeos e áudios que recontam a história da Apollo 11
Observatório Nacional

Veja fotos, vídeos e áudios que recontam a história da Apollo 11
Há 45 anos, de 16 a 24 de julho de 1969, a missão Apollo 11 entrava para a história por ser a primeira a conseguir fazer com que astronautas caminhassem pela lua e retornassem à superfície terrestre em segurança. Mas o projeto de enviar homens ao nosso satélite natural começará 8 anos antes, com um discurso do presidente John F. Kennedy ao Congresso dos EUA, estipulando que a meta fosse cumprida até o final da década.

Depois de muitas tentativas sem sucesso, 8 anos depois, a NASA conseguiria cumprir o objetivo no prazo determinado. Os astronautas Neil Armstrong, comandante da missão, Buzz Aldrin e Michael Collins fizeram treinamentos intensivos para conseguir chegar onde nenhum homem havia ido antes.


A bordo do Saturn V, os astronautas decolaram do Kennedy Space Center, Cabo Canaveral, na manhã de 16 de julho de 1969. Cerca de 12 minutos após o lançamento o foguete já havia entrado na órbita da Terra. Depois de dar uma volta e meia ao redor do planeta, a nave seguiu em direção à lua.

Três dias depois, o foguete entrou na órbita lunar. No dia seguinte, o fatídico 20 de julho, Neil Armstrong e Buzz Aldrin embarcaram no módulo lunar Eagle (Águia) que os levariam até a superfície lunar. Michael Collins continuou pilotando o módulo de comando, chamado Columbia. O pouso foi feito em situações críticas, com alarmes soando e apenas 30 segundos de combustível disponível. Após tudo correr bem, na tarde daquele dia, para o alívio de todos, Armstrong falou à base de Houston, emblematicamente: "a Águia pousou". Confira o áudio.

Abaixo uma imagem que o homem jamais tinha visto: o "nascer da Terra" na perspectiva de um outro corpo celeste. A foto foi tirada de dentro do módulo lunar pouco depois da alunagem no chamado "Mare Tranquillitatis" ou Mar da Tranquilidade.

Cerca de seis horas após o pouso, o comandante Neil Armstrong estava preparado para se tornar o primeiro homem a pisar na lua. Pela TV, mais de 500 milhões de pessoas do mundo todo assistiam, atônitas, a façanha. Foi neste momento que ele disse a famosa frase: "é um pequeno passo para um homem, mas um salto gigantesco para a humanidade" (confira o áudio original) Depois de já ter caminhado pela superfície lunar, Armstrong fotografou Buzz Aldrin descendo as escadas da Eagle.

Aldrin, sabendo de todo o simbolismo contido no gesto de deixar uma pegada ali naquele solo, tirou a foto abaixo para documentar o momento. Ele também forneceu uma incrível descrição do que observava ao seu redor: classificou a superfície da lua como sendo uma "desolação magnífica".

Neil Armstrong finca a bandeira dos Estados Unidos no solo lunar, e então tira uma foto de Aldrin próximo a ela, em reverência.

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Os dois astronautas conduziram uma série de experimentos, entre eles um para detectar atividades sísmicas. Deixaram também uma espécie de espelho refletor - até hoje, quem quiser pode fazer um experimento de mirar um laser poderosíssimo neste espelho e vê-lo sendo refletido de volta à Terra. Confira um trecho do seriado The Big Bang Theory no qual os personagens fazem exatamente isso.

Na verdade, esse experimento é um projeto que existe num observatório no sul da França (Grasse), que tem por objetivo determinar a distância do Sistema Terra-Lua. Não é fácil “acertar” os espelhos deixados pelos astronautas.


Um outro gesto simbólico realizado na missão foi deixar uma plaqueta de metal no Mar da Tranquilidade com os seguintes dizeres: "Aqui, homens do planeta Terra pisaram na lua pela primeira vez. Julho, 1969 d.C. Viemos em paz, em nome de toda a humanidade".

Depois de algumas horas na superfície, era hora de retornar para a base. Armstrong fez este retrato de Aldrin pouco antes de voltar para o módulo Eagle.

A bandeira e uma câmera de televisão, vistas de dentro do módulo lunar.


Momentos antes de decolarem em direção ao módulo de comando Columbia, Armstrong tirou este autorretrato, hoje conhecido como Selfie.


Quando os astronautas voltavam para a Terra, viam esta imagem se olhassem para trás.

E, se olhassem para a frente, tinham esta visão.


Por fim, em 24 de julho, a tripulação é resgatada no oceano, em uma área próxima ao Havaí. De volta aos Estados Unidos, eles encontram as esposas em 27 de julho.

Na iminência de uma nova extinção?

Dados inquietantes indicam que a sexta extinção em massa de espécies que habitam a Terra não está mais prestes a acontecer. Na verdade, ela já começou. E o ser humano é o principal responsável por esse declínio, dizem pesquisadores. 
 
Por: Henrique Kugler
Publicado em 24/07/2014 | Atualizado em 25/07/2014
Na iminência de uma nova extinção?
Vivemos uma onda global de perda de biodiversidade, impulsionada pela ação humana, e a tendência histórica é que os mamíferos de maior porte, como a anta, sejam extintos mais rapidamente. (foto: Mauro Galetti).
 
Bem-vindo à sexta extinção em massa. Para quem ainda estava na dúvida, vale uma olhadinha na última edição da revista Science: pesquisadores concluem que a valiosa biodiversidade da Terra está sendo dizimada de maneira implacável – não pelos recorrentes processos naturais de extinção; e sim pelas atividades antropogênicas.
É verdade que, na natureza, espécies surgem e desaparecem a todo instante. Mas, de quando em quando, esses eventos assumem proporções drásticas.
E o que é, afinal, uma extinção em massa? Não há consenso sobre as especificidades técnicas desse conceito, mas, em princípio, assume-se que seja um evento no qual, em uma janela de tempo relativamente breve, constata-se o desaparecimento de pelo menos 75% das espécies de um determinado grupo.

Já houve cinco grandes extinções em massa na Terra. Saiba mais sobre elas na linha do tempo interativa abaixo:



“Desde o início das navegações, por volta do século 16, o ser humano levou à extinção 322 espécies de vertebrados”, contabiliza o biólogo Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp). “Nos últimos 40 anos, diversas espécies já tiveram suas populações reduzidas em até 30%, e tudo indica que essa taxa deve aumentar”, complementa o pesquisador. Ele foi um dos autores do estudo publicado na Science, liderado pelo biólogo Rodolfo Dirzo, da Universidade de Stanford (EUA). A publicação é parte de uma série especial que a revista preparou sobre o tema.
A propósito, outro trabalho publicado recentemente na Nature já antecipara diagnóstico semelhante. De acordo com seu autor, o biólogo Anthony Barnosky, da Universidade da Califórnia (EUA), o caso dos répteis é emblemático: os últimos cinco séculos foram pano de fundo para a extinção plena de quase 50% das espécies desse grupo taxonômico.
Mapa de extinções
Elevado número de espécies de mamíferos, anfíbios e aves passa por processo de extinção no sudeste asiático, na Amazônia e nos Andes, como mostra o mapa. Esses animais também têm altas taxas de extinção na Europa e na América do Norte, onde, de modo geral, há menor número de espécies. (imagem: Félix Pharand-Deschênes, Clinton Jenkins, IUCN/Birdlife International/ Science)
Se o cenário é dramático para os animais vertebrados, melhor sorte não tem sido reservada aos invertebrados. “Analisamos o declínio populacional desse grupo e, nos 67% de espécies monitoradas, a queda chegou a 45% ao longo das últimas décadas”, diz Galetti.
“Pesquisadores já constataram que a velocidade de extinções provocadas pela ação antropogênica tem sido mil vezes superior à velocidade com que esse processo ocorreria naturalmente”, acrescenta o biólogo da Unesp. De acordo com a literatura científica, existem atualmente entre 5 e 9 milhões de espécies animais no planeta. “Estamos perdendo algo em torno de 11 mil a 58 mil delas a cada ano.”

Defaunação, muito prazer

Esse declínio populacional acelerado é um processo que a comunidade científica chama de defaunação. “A mídia e o público leigo bem conhecem o termo 'desmatamento', mas pouco é alertado sobre os efeitos da 'defaunação' em nosso planeta”, comenta Galetti.
Galetti: “Tudo indica que já estamos vivenciando a sexta extinção em massa”
Os dados recém-publicados na Science clamam por mais atenção para a preservação da diversidade do mundo animal. “Tudo indica que já estamos vivenciando a sexta extinção em massa”, assegura Galetti. E o Homo sapiens não é mera testemunha ocular. Ele é a causa provável do desaparecimento de boa parte das espécies que estão atualmente em franco declínio populacional. Desmatamento, crescimento desordenado, caça ilegal... São inumeráveis as atividades antropogênicas reputadas como provocadoras do atual cenário de defaunação.
“Uma de nossas maiores preocupações, por incrível que pareça, ainda é a caça ilegal”, diz o biólogo da Unesp. Segundo o pesquisador, a prática ainda acontece com espantosa frequência na Amazônia, no Pantanal, no cerrado e na mata atlântica. “Só na Amazônia, 60 milhões de animais são mortos a cada ano.” Em geral, são mamíferos abatidos para consumo ou comércio: antas, veados, macacos...

Tiro no próprio pé

A pergunta pode parecer ingênua, mas é necessária: por que, afinal, devemos nos importar com o desaparecimento de espécies animais? “Não é apenas porque os bichos são ‘bonitinhos’; é porque eles fornecem serviços ambientais imprescindíveis à sobrevivência de nossa espécie”, responde Galetti. “Nosso trabalho alerta que o declínio da população animal tem notável impacto sobre o bem-estar da própria humanidade”, destaca.

Exemplos disso não faltam. Um caso clássico é o da onça (Panthera onca), predador que regula, entre outras coisas, a população de capivaras nas regiões onde vive.

O que poucos sabem é que a capivara carrega o carrapato-estrela (Amblyomma cajennense), um inoportuno aracnídeo que provoca a temida febre maculosa – doença infecciosa grave e potencialmente fatal para o ser humano. “Há muitos casos em São Paulo”, situa Galetti.

Logo, a relação é clara: dizimar a população de onças em um determinado bioma significa aumentar as chances de sermos contaminados por uma doença que pode nos levar à morte. Ainda existe um bom número de onças vagando pela Amazônia e pelo Pantanal. “Mas, em toda a mata atlântica, o número de espécimes já não passa de 50”, ressalta o pesquisador. Por isso, a onça é considerada um animal funcionalmente extinto: com número tão reduzido de indivíduos, a espécie não é mais capaz de exercer seu papel ecológico no ecossistema.
Macaco mono-carvoeiro
Habitante da mata atlântica, o macaco mono-carvoeiro (‘Brachyteles arachnoides’) é o maior primata da América. Ele e outros grandes primatas têm desaparecido dos ecossistemas tropicais. (foto: Pedro Jordano)
Outro exemplo é o do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia). Sua preservação é mais que um mero ato de benevolência – pois, na verdade, esse primata é um eficiente dispersor de sementes. E essas sementes são a gênese de uma rica vegetação que, por sua vez, servirá de filtro biológico para proteger rios e córregos que, em última instância, serão fonte de água potável.
“Nas florestas do estado do Rio de Janeiro, o mico-leão-dourado foi quase extinto”, lembra Galetti. Mas, graças a um bem-sucedido projeto de refaunação, foi possível recriá-lo em cativeiro e reinseri-lo em seu hábitat. Hoje, após três décadas de esforço, mais de mil macaquinhos vivem nas matas de onde estavam prestes a desaparecer. “É muito mais barato proteger esse primata do que investir em sistemas complexos para despoluir nossa água”, garante o biólogo da Unesp.
Falando nisso, poucos atentam para o papel importante que exercem anfíbios como sapos e pererecas. Eles regulam a população de algas. Portanto, também são essenciais para a manutenção da qualidade da água.
Galetti: Não restam dúvidas de que o declínio da população animal afeta o ser humano das mais diversas maneiras, desde a economia até a transmissão de doenças.
 
E quanto aos insetos?

A defaunação de abelhas por causa de doses mortíferas de inseticidas – principalmente na Europa – tem deixado pesquisadores de cabelo em pé. Galetti explica: “Insetos polinizam 75% da produção agrícola do mundo; a redução na fauna de abelhas e outros polinizadores pode prejudicar a produção de alimentos.”
Ainda no terreno da agricultura, animais como morcegos e pássaros também controlam diversos tipos de pragas que podem arruinar plantações. “Nos Estados Unidos, os serviços ambientais prestados por esses predadores é estimado em 45 bilhões de dólares ao ano”, diz Galetti. “Não restam dúvidas de que a defaunação afeta o ser humano das mais diversas maneiras, desde a economia até a transmissão de doenças”, conclui.

Dívida ecológica: recuperação de espécies

Não adianta apenas preservar áreas naturais ou reflorestar territórios outrora degradados. É preciso que esses locais recuperem a biodiversidade animal. Por isso, são cada vez mais comuns os projetos de refaunação – que se baseiam, essencialmente, na reinserção de espécies ameaçadas em seus hábitats originais. A estratégia foi tema de outro artigo publicado no especial da Science.

Há diversos casos de sucesso no mundo. O do mico-leão-dourado, no Rio de Janeiro, é um deles. Na Europa, também se fala muito em iniciativas do tipo. Escoceses conseguiram recuperar, após um declínio populacional crítico provocado pela caça, os porcos selvagens – que exercem por aquelas bandas papel importante ao dispersar sementes e arar o solo.

E quanto à ideia – temerosa, segundo alguns – de reviver espécies já extintas por meio de técnicas de DNA? É o que cientistas chamam de desextinção (do inglês, de-extinction). O tema tem sido exaustivamente debatido ao longo dos últimos meses. Mas nada sugere que estejamos próximos de um consenso ético a respeito do assunto. “Há um detalhe", lembra Galetti. "Mesmo se resgatada artificialmente, uma espécie que desapareceu há tanto tempo pode não conseguir voltar a exercer seu papel ecológico na natureza.”

sexta-feira, 25 de julho de 2014

Sensor identifica insetos pela frequência do batimento das asas

07/07/2014
Por Elton Alisson
Agência FAPESP – Os serviços de vigilância à saúde de países como o Brasil poderão contar em alguns anos com uma tecnologia para identificar focos de mosquitos transmissores de doenças como a dengue, a malária e a febre amarela, de forma mais rápida, barata e precisa.

Um grupo de pesquisadores do Laboratório de Inteligência Computacional do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, desenvolveu – em parceria com colegas do Bourns College of Engineering da University of California Riverside (UCR) e da filial norte-americana da empresa brasileira Isca Tecnologias – um sensor capaz de identificar e quantificar automaticamente diferentes espécies de insetos voadores causadores de doenças ou pragas agrícolas.


Desenvolvido na USP de São Carlos, dispositivo identifica mosquitos transmissores da dengue e da febre amarela, além de pragas agrícolas, de forma mais rápida, barata e precisa (fotos: Reinaldo Mizutani)

Resultado de um projeto realizado com apoio da FAPESP, da Fundação Bill & Melinda Gates e da Vodafone Americas Foundation, o sensor foi descrito em um artigo publicado na edição de junho do Journal of Insect Behavior.

“O sensor permite monitorar populações de insetos nocivos à saúde humana ou que causam danos à agricultura e ao meio ambiente de uma forma muito mais rápida, precisa e inteligente”, disse Gustavo Enrique de Almeida Prado Alves Batista, professor do ICMC e coordenador do projeto, à Agência FAPESP.
“Em vez de pulverizar inseticida sobre toda uma região onde se estima que uma determinada espécie de inseto voador nocivo à saúde ou às lavouras esteja presente, é possível aplicá-lo somente nas áreas identificadas como focos do inseto pelo sensor”, avaliou.

O aparelho começou a ser desenvolvido em 2010, quando Batista iniciou o pós-doutorado na UCR, com Bolsa da FAPESP, e uma colaboração com o grupo de Eamonn John Keogh, professor de Ciência da Computação da universidade norte-americana, e com Agenor Mafra-Neto, pesquisador principal da Isca Tecnologias.
Na época, Keogh estava interessado em desenvolver um sistema de classificação automática de insetos baseado em técnicas de reconhecimento de voz e aprendizado de máquina – área da inteligência artificial voltada ao desenvolvimento de algoritmos (sequências de comandos) e técnicas que permitem ao computador aperfeiçoar seu desempenho na execução de tarefas.

A solução desenvolvida por Batista em parceria com o grupo de Keogh foi um sensor a laser baseado na análise da frequência sonora do batimento de asas de insetos durante o voo.
“Os insetos voadores batem as asas em velocidades diferentes, de acordo com seu tamanho e outras características morfológicas, e em frequências sonoras que variam tipicamente entre 100 e 1.500 Hertz”, explicou Batista.
“Nossa ideia foi desenvolver um sistema que identificasse a frequência sonora em que diferentes insetos voadores batem as asas, além de outros dados, para classificá-los”, disse.

Funcionamento do sensor

O sensor desenvolvido pelos pesquisadores é composto por um feixe de laser de baixa potência direcionado para uma matriz com uma série de fototransistores – como uma ponteira a laser apontada para uma parede.
Ao voar entre o feixe de laser e a matriz com fototransistores, as asas de um inseto voador bloqueiam parcialmente e causam pequenas variações na luz.
As oscilações na luz provocadas pelas asas do inseto voador são capturadas pela fototransistor matriz como sinais similares aos de áudio – como os capturados por um microfone convencional, com a diferença de que não são originários de variação nas ondas sonoras, mas da variação da luz.
Os sinais extraídos pelo sensor são filtrados e amplificados por meio de uma placa de circuitos eletrônicos. Com um gravador de som digital conectado à saída da placa é possível registrar os sinais em arquivos de áudio e transferi-los para um computador a fim de analisá-los

“Cada espécie de inseto voador produz um sinal ligeiramente diferente da outra. Isso possibilita comparar computacionalmente os sinais de cada uma das diferentes espécies”, disse Batista.
Os dados para calibração e classificação de espécies pelo sensor foram coletados por meio da colocação dos insetos em caixas de acrílico contendo sensores acoplados e com luminosidade, temperatura e umidade controladas.
Cada uma das caixas com o sensor recebeu dezenas de insetos voadores pré-classificados como pertencentes a uma única espécie. Entre elas os mosquitos Aedes aegypti (transmissor da dengue e da febre amarela), Anopheles gambiae (vetor da malária), Culex quinquefasciatus (vetor da filariose linfática) e Culex tarsalis (vetor da encefalite de Saint Louis e da encefalite equina ocidental), além das espécies de mosca Drosophila melanogaster (conhecida popularmente como mosca da banana), a Musca domestica, a Psychodidae dípteros (conhecida como mosca do banheiro), o escaravelho Cotinis mutabilis e a abelha Apis mellifera.
Após 15 dias de coletas de dados, os pesquisadores registraram os sinais gerados pela simples passagem dos insetos pelo feixe de laser do sensor dentro das caixas acrílicas, descartando qualquer ruído de fundo. Os sinais obtidos pelos sensores nas diferentes caixas com insetos foram gravados misturados em um único arquivo.
Ao submeter o arquivo de áudio para análise de um software com um algoritmo de classificação, também desenvolvido pelos pesquisadores, o sistema computacional foi capaz de diferenciar e identificar as espécies de insetos com uma porcentagem de acerto que variou entre 98% e 99%.

“Atualmente só estamos explorando a frequência de batimento de asas e outros atributos intrínsecos ao sinal no sensor”, disse Batista. “Há outras variáveis que podem ser adicionadas para melhorar ainda mais a taxa de sucesso do sensor na identificação de espécies de insetos.”
Entre essas variáveis estão o momento durante o dia em que os insetos voam, além de temperatura, pressão e umidade do ar ambiente – os três fatores meteorológicos que mais afetam a atividade dos insetos.
Estima-se que a elevação da temperatura provoque mudanças no metabolismo e aumente a frequência de batimento de asas dos insetos, contou Batista.

Por meio de uma pesquisa realizada pelo doutorando Vinícius Mourão Alves de Souza, também com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores estudam como o sinal obtido pelo sensor varia conforme as condições ambientais em que estão os insetos. “Queremos avaliar como o sensor funciona sob diferentes condições de temperatura, umidade e pressão do ar”, disse Batista.
Já por meio de uma pesquisa realizada por Diego Furtado Silva, também com Bolsa da FAPESP, os pesquisadores extraíram outros dados (atributos) dos sinais que podem fornecer mais informações além da frequência de batimento de asas.
“Estamos utilizando uma série de técnicas baseadas principalmente em reconhecimento de voz para extrair melhores atributos do que somente a frequência do batimento de asas”, contou Batista.
Armadilha inteligente

O sensor a laser foi utilizado em um protótipo de armadilha inteligente desenvolvida pelos pesquisadores do ICMC em colaboração com a filial da Isca Tecnologias em Riverside.
O dispositivo é capaz de identificar insetos voadores em tempo real, por meio do sensor de laser, capturar espécies-alvos, como as transmissoras de doenças ou pragas agrícolas, e permitir que outros insetos não nocivos, como abelhas e outros insetos polinizadores ou fontes de alimentos para outros animais, sejam lançados de volta para o meio ambiente.

“Desde que começamos a desenvolver o sensor já tínhamos a ideia de utilizá-lo em uma aplicação prática, como uma armadilha inteligente de insetos”, disse Batista.
A armadilha tem formato cilíndrico e é composta por um tubo de ABS com o sensor a laser acoplado em sua entrada e a um saco coletor em sua saída – como um aspirador de pó.
O equipamento conta com uma válvula na entrada que libera dióxido de carbono – substância capaz de atrair as fêmeas de muitas espécies de mosquitos.

Ao voar diante da entrada da armadilha, o inseto é sugado por um fluxo de ar gerado por uma ventoinha como a de um computador em direção a uma câmara onde está o sensor a laser para ser classificado.
Se identificado como espécie não nociva, uma porta de saída é aberta e o inseto é empurrado para fora da armadilha por meio da inversão da direção do fluxo de ar.
Já se for identificado como espécie nociva, o inseto é empurrado pelo fluxo de ar para o saco coletor, onde fica retido em um papel adesivo semelhante ao utilizado nas armadilhas adesivas convencionais que não são seletivas – ou seja, capturam todas as espécies de insetos, inclusive as não nocivas.
“A armadilha permite identificar e quantificar com maior facilidade e precisão a presença de insetos indesejáveis em uma determinada área”, avaliou Batista.
“Desta forma, é possível monitorar em tempo real a população de insetos nocivos em uma determinada região e reportar esses dados por meio de redes sem fio para as agências de vigilância sanitária”, afirmou.

Baixo custo

Os pesquisadores estimam que o sensor tem potencial para ser amplamente utilizado em razão do baixo custo de produção – menos de R$ 30 – e por ser alimentado por energia solar ou uma bateria.
Na área da saúde, uma das principais aplicações pode estar no combate aos mosquitos do gênero Anopheles, vetores da malária, e do gênero Aedes, transmissores da dengue e da febre amarela.
Um das principais estratégias para combater a dengue, segundo Batista, é acompanhar os casos de notificação da doença para estimar os possíveis focos do mosquito transmissor e, posteriormente, realizar ações de pulverização de inseticida e conscientização da população. O problema, de acordo com ele, é que o tempo para a notificação da doença e a implementação da campanha é muito longo.
“Esse intervalo entre a notificação da doença e o início da campanha de pulverização pode ser de duas a três semanas ou mais. Isso representa mais do que o tempo de vida de um mosquito adulto”, afirmou.
“A vantagem do sensor que desenvolvemos é que ele permite identificar onde o inseto está presente e estimar a população dele em tempo real”, avaliou.

O artigo “Flying insect classification with inexpensive sensors” (doi: 10.1007/s10905-014-9454-4), de Batista e outros, pode ser lido por assinantes do Journal of Insect Behavior em http://link.springer.com/article/10.1007/s10905-014-9454-4

Cientistas exploram microbiota de formigas em busca de novos fármacos

11/07/2014
Por Karina Toledo
Agência FAPESP – Como os moradores de grandes cidades bem sabem, ambientes com grande aglomeração de indivíduos são favoráveis à disseminação de patógenos e, portanto, requerem cuidados para evitar doenças.

Se nós humanos podemos contar com vacinas, remédios e desinfetantes para nos proteger, os insetos sociais – como abelhas, formigas e cupins – também desenvolveram ao longo de milhares de anos de evolução suas próprias “armas químicas”, que agora começam a ser exploradas pela ciência.

Projeto reúne pesquisadores da USP e de Harvard e foi aprovado na primeira chamada conjunta lançada pela FAPESP e pelo NIH (foto: Michael Poulsen/capa: Eduardo Afonso da Silva Jr.

“Uma das estratégias usadas por insetos que vivem em colônias é a associação com microrganismos simbiontes – na maioria das vezes bactérias – capazes de produzir compostos químicos com ação antibiótica e antifúngica”, contou Monica Tallarico Pupo, professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP) da Universidade de São Paulo (USP).

Em um projeto recentemente aprovado na primeira chamada de propostas conjunta lançada pela FAPESP e pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos, a equipe de Pupo vai se unir ao grupo de Jon Clardy, da Harvard University, para explorar a microbiota existente nos corpos de formigas brasileiras em busca de moléculas naturais que possam dar origem a novos fármacos.

“Vamos nos concentrar inicialmente nas espécies de formigas cortadeiras, como a saúva, pois são as que têm essa relação de simbiose mais bem descrita na literatura científica”, disse Pupo.
De acordo com a pesquisadora, as formigas cortadeiras se comportam como verdadeiras agricultoras, carregando pedaços de planta para o interior do ninho com o intuito de nutrir as culturas de fungos das quais se alimentam. “Isso cria um ambiente rico em nutrientes e suscetível ao ataque de microrganismos oportunistas. Para manter a saúde do formigueiro, é importante que tenham os simbiontes associados”, explicou Pupo.

Os pesquisadores sairão à caça de formigas em parques nacionais localizados em diferentes biomas brasileiros, como Cerrado, Mata Atlântica, Amazônia e Caatinga. Também fará parte da área de coleta o Parque Estadual Vassununga, no município de Santa Rita do Passa Quatro (SP).
A meta do grupo é isolar cerca de 500 linhagens de bactérias por ano o que, estima-se, dê origem a cerca de 1.500 diferentes extratos. “O primeiro passo será coletar os insetos e fragmentos do ninho para análise em laboratório. Em seguida, vamos isolar as linhagens de bactérias existentes e usar métodos de morfologia e de sequenciamento de DNA para caracterizar os microrganismos”, contou Pupo.
Depois que as bactérias estiverem bem preservadas e catalogadas, acrescentou a pesquisadora, será possível cultivar as linhagens para, então, extrair o caldo de cultivo. “Nossa estimativa é que cada linhagem dê origem a três diferentes extratos, de acordo com o nutriente usado no cultivo e a técnica de extração escolhida”, disse.
Esses extratos serão testados in vitro para avaliar se são capazes de inibir o crescimento de fungos, células cancerígenas e de parasitas causadores de leishmanioses e doença de Chagas. Os mais promissores terão os princípios ativos isolados e estudados mais profundamente.
“Nesse tipo de pesquisa é comum ter redundância, ou seja, isolar compostos já conhecidos na literatura. Para agilizar a descoberta de novas substâncias ativas vamos usar ferramentas de desreplicação e de sequenciamento genômico”, disse Pupo.

Também farão parte da equipe o bacteriologista Cameron Currie (University of Wisconsin-Madison), Fabio Santos do Nascimento (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da USP), André Rodrigues (Universidade Estadual Paulista em Rio Claro), Adriano Defini Andricopulo (Instituto de Física de São Carlos, da USP), James E. Bradner (Harvard Medical School), Dana-Farber (Cancer Institute), Timothy Bugni (University of Wisconsin – Madison) e David Andes (University of Wisconsin – Madison).
A chamada Fapesp/NIH está vinculada ao programa International Biodiversity Cooperative Groups (ICBG), do qual o Brasil participa pela primeira vez.

Início

Segundo Pupo, o projeto colaborativo é uma ampliação do trabalho que vem sendo realizado no âmbito de um Auxílio Regular aprovado em meados de 2013, que também conta com a colaboração de Clardy e de Currie.

“Estamos estudando uma espécie de abelha [ Scaptotrigona depilis] e uma espécie de formiga [Atta sexdens] encontradas no campus da USP em Ribeirão Preto. Nesse caso, exploramos toda a microbiota dos insetos, tanto bactérias quanto fungos, e alguns compostos isolados estão apresentando potencial antibacteriano e antifúngico bastante acentuado”, contou.

O trabalho está sendo desenvolvido durante o doutorado de Eduardo Afonso da Silva Júnior e Camila Raquel Paludo – ambos com Bolsa da FAPESP. Também tem a participação da bolsista de Iniciação Científica Taise Tomie Hebihara Fukuda.

O que é uma espécie?

Ainda hoje cientistas continuam a debater essa questão. Uma melhor definição poderá alterar a lista das espécies ameaçadas

Carl Zimmer
 


Se você visitar o Parque Provincial de Algonquin, em Ontário, Canadá, poderá ouvir os uivos solitários dos lobos e, com um pouco de sorte, observará ao menos de relance uma alcateia correndo, ao longe, através da floresta. Mas quando chegar em casa todo contente por ter avistado aqueles animais, qual a espécie de lobo você dirá ter encontrado? Se for tirar a dúvida com dois ou três cientistas, talvez ouça diferentes respostas. Pode até acontecer de um deles ficar em dúvida e lhe dizer que se trata dessa ou daquela espécie.

No século 18 naturalistas europeus nomearam de Canis lycaon os lobos do Canadá e do leste dos Estados Unidos, porque eles pareciam diferentes de Canis lupus, o lobo- cinzento da Europa e da Ásia. No início do século 20, naturalistas americanos decidiram que os lobos de Algonquin pertenciam, na verdade, à mesma espécie do lobo-cinzento eurasiano, ou seja, Canis lupus. Mais recentemente, entretanto, pesquisadores canadenses estudaram o DNA dos lobos e trouxeram à tona a velha questão. Eles argumentaram que os verdadeiros loboscinzentos (C. lupus) seriam apenas as populações que habitam o oeste da América do Norte. Os lobos do Parque Provincial de Algonquin, de acordo com os pesquisadores, constituiriam uma espécie diferente, que eles renomearam C. lycaon.

Outros especialistas em lobos não aceitam que haja evidências suficientes para separar C. lupus em duas espécies distintas. Os dois lados, porém, concordam que a identidade dos lobos do Parque de Algonquin ficou muito mais confusa devido ao problema do intercruzamento (hibridização). Os coiotes – outra espécie do gênero Canis – vêm se expandindo a leste e intercruzando com C. lycaon. Agora, boa parte da população de coiotes do lado leste carrega o DNA do lobo, e vice-versa. C. lycaon, entretanto, está intercruzando com lobos-cinzentos na borda oeste da área de distribuição desses animais. Assim os animais do Parque de Algonquin não estão apenas misturando o DNA de C. lycaon com o DNA de C. lupus mas, também, passando adiante o DNA do coiote.

Mesmo que C. lycaon, no passado, tenha sido considerado uma espécie, poderia recuperar esse status? Muitos pesquisadores acreditam que a melhor maneira de concebermos a espécie é vê-la como uma população cujos membros cruzam principalmente entre si, tornando aquele grupo geneticamente distinto das outras espécies. No caso dos lobos e dos coiotes fica difícil dizer exatamente onde termina uma espécie e começa a outra. “Preferimos chamá-la de Canis soup”, diz Bradley White, da Universidade de Trent, em Ontário.

Esse debate vai além da mera convenção de nomear corretamente as espécies. Os lobos do sudeste dos Estados Unidos são considerados uma espécie à parte, o chamado lobo-vermelho (Canis rufus). Muito se tem feito para salvar essa espécie da extinção, com programas de reprodução em cativeiro e projetos de reintrodução ao seu hábitat natural. Cientistas canadenses, entretanto, argumentam que o lobo-vermelho é, na verdade, apenas uma população isolada de C. lycaon do lado sul. Se for assim, então o governo não está, de fato, salvando uma espécie da extinção, já que milhares de animais pertencentes à mesma espécie, C. lycaon, ainda prosperam no Canadá.

Como ficou demonstrado, no caso dos lobos do Parque de Algonquin, definir espécie pode ser muito importante para as medidas de preservação ambiental, tanto no que diz respeito às espécies ameaçadas quanto em relação a seus hábitats. “Podemos dizer que, por um lado, trata-se de assunto esotérico, de outro, de problema prático; e, talvez, de problema legal”, avalia Alan Templeton, da Washington University em St. Louis.

Definições Complicadas
É surpreendente ver o quanto os cientistas vêm debatendo para chegar a um consenso sobre algo tão simples e decidir se esse ou aquele grupo de organismos constitui ou não uma espécie. Talvez isso se deva ao latim, que deu nomes às espécies, carregados de uma certeza absoluta, levando o público a pensar que as regras são muito simples. Ou possivelmente isso se deva a 1,8 milhão de espécies que os cientistas vêm nomeando de uns séculos para cá; ou, ainda, talvez, às leis como a Endangered Species Act (lei que estabelece as regras para as espécies ameaçadas nos Estados Unidos). Mas o que sabemos, de fato, é que o debate sobre o conceito de espécie ocorre há décadas. “Não há consenso, entre os biólogos, sobre o que vem a ser uma espécie”, admite Jonathon Marshall, biólogo da Southern Utah University. De acordo com a última estimativa existem em circulação, pelo menos, 26 conceitos publicados.


O mais notável quanto a todas essas discordâncias é que, hoje, o nosso conhecimento sobre como a vida evolui em novas formas aumentou muito desde que se iniciou o debate sobre as espécies. Os taxonomistas, até pouco tempo atrás, identificavam espécies apenas pelas características visíveis, como nadadeiras, pelos e penas. Agora podem ler sequências de DNA e descobrir toda uma riqueza de diversidade biológica.

Templeton e outros especialistas consideram que o debate finalmente chegou a um ponto crítico. Eles acreditam que agora será possível combinar muitas das ideias concorrentes em um único conceito básico. A unificação se aplicaria a qualquer tipo de organismo, de sabiás a microrganismos. Esses pesquisadores esperam com isso chegar a um método mais poderoso para reconhecer novas espécies.

Muito antes do alvorecer da ciência os seres humanos já nomeavam espécies. Para obterem sucesso durante as suas atividades de caça e de coleta, os humanos de então precisavam saber que animais caçar e que plantas coletar. A taxonomia, a ciência que trata da nomeação das espécies, surgiu no século 17 e se firmou no século seguinte, graças ao trabalho de Carl Lineu. Esse naturalista sueco inventou um sistema para organizar os seres vivos em grupos, os quais abrigavam grupos cada vez menores. De acordo com o novo sistema todos os membros de um grupo particular compartilhavam determinadas características. Os seres humanos pertenciam à ordem dos mamíferos e, dentro dessa ordem, à família dos primatas, nesta família, ao gênero Homo, e gênero Homo, à espécie Homo sapiens. Lineu acreditava que cada espécie sempre havia existido desde o momento da criação. Existem tantas espécies quantas foram as formas que o Ser Infinito criou no início dos tempos., escreveu.

A nova ordem de Lineu tornou o trabalho dos taxonomistas muito mais fácil, mas a tentativa de traçar limites entre as espécies não foi bem-sucedida. Duas espécies de camundongos podem intercruzar onde as suas áreas de distribuição se sobrepõem, levando à questão do nome a dar aos híbridos formados. Dentro de uma mesma espécie, também, ainda havia muita confusão. O lagópode-escocês da Irlanda (ave galiforme da família dos fasianídeos), por exemplo, apresenta uma pequena diferença na plumagem quando comparado com o lagópode-escocês da Escócia, que também difere do lagópode-escocês da Finlândia. Os naturalistas não chegaram a um acordo sobre a possibilidade de essas aves pertencerem a espécies diferentes de lagópode-escocês, ou ser apenas variedades – subgrupos em outras palavras – de uma única espécie.

Charles Darwin se divertia com essa questão. “É engraçado ver como diferentes ideias se manifestam nas diferentes mentes dos naturalistas, quando eles falam em ‘espécies’”, escreveu em 1856. “Tudo isso resulta da tentativa de definir o indefinível.” As espécies, de acordo com Darwin, nunca foram entidades fixas que surgiram quando da criação. Elas evoluíram. Cada grupo de organismos que chamamos de espécie surgiu como uma variedade a partir de espécies mais antigas. Com o passar do tempo, a seleção natural os transformou, enquanto se adaptavam ao ambiente. Entretanto outras variedades se tornaram extintas. Uma variedade antiga, no final, torna-se completamente diferente de todos os outros organismos – e isso é o que entendemos como uma espécie em si. “Eu vejo o termo ‘espécie’ como um conceito arbitrário, cunhado apenas por mera conveniência, para designar um grupo de indivíduos muito semelhantes entre si”, disse Darwin.

Como os taxonomistas que o precederam, Darwin só podia estudar as espécies a olho nu; por exemplo, observando a cor das penas de um pássaro, ou contando as placas de uma craca. Essa situação perdurou até o início do século 20, quando cientistas começaram a examinar as diferenças genéticas entre as espécies. As pesquisas levaram a uma nova maneira de pensar. O que definia uma espécie eram as barreiras que impediam a sua reprodução com outras. Os genes fluíam entre os membros de uma mesma espécie, quando acasalavam; mas esses indivíduos, normalmente, permaneciam no âmbito da sua espécie, graças às barreiras reprodutivas. Assim, diferentes espécies podem procriar em épocas distintas do ano; determinada espécie pode achar os sons de corte de outras espécies nada estimulantes; ou, ainda, o DNA de uma espécie pode ser incompatível com o DNA de espécies diferentes.


A maneira mais promissora para as barreiras evoluírem é pelo isolamento. Assim, alguns membros de uma espécie existente – uma população – tornam-se incapazes de cruzar com o resto da sua espécie: uma geleira poderia atravessar sua área de distribuição, isolando essa população do resto da espécie. O grupo isolado desenvolveria novos genes, e alguns desses novos genes talvez tornassem o intercruzamento difícil ou mesmo impossível. Passadas centenas de milhares de anos muitas barreiras poderiam evoluir até que a população isolada se convertesse em uma espécie distinta.

A compreensão de como as espécies evoluem levou a uma nova ideia do que vem a ser uma espécie. Ernst Mayr, ornitologista alemão, declarou corajosamente que a espécie não era apenas mera convenção, mas uma entidade real, como montanhas e pessoas. Em 1942 ele definiu espécie como um pool gênico, ou reservatório gênico (expressão que seria utilizada a partir de 1950 por Theodosius Dobzhansky), um grupo de populações que podem cruzar entre si, mas são incapazes de intercruzar com outras. O conceito biológico de espécie, como ficou conhecido, tornou-se o modelo padrão dos livros didáticos de biologia.

Consequentemente muitos cientistas ficaram insatisfeitos com esse novo conceito ao perceber que era inadequado para ajudá-los a compreender o mundo natural. Em primeiro lugar, o conceito de Mayr não dizia nada sobre o quanto reprodutivamente isolada uma espécie deveria estar para se distinguir. Os biólogos ficaram numa situação embaraçosa no caso daquelas espécies que pareciam distintas, mas intercruzavam regularmente. No México, por exemplo, os cientistas descobriram que duas espécies de macacos, separadas a partir de um ancestral comum, há cerca de 3 milhões de anos, intercruzam com frequência. Não está havendo muito sexo entre as duas para que sejam qualificadas como espécies distintas?

Embora entre algumas espécies ocorra muito intercruzamento para que sejam consideradas espécies biológicas, existem outras espécies, também biológicas, formadas por populações tão isoladas que o sexo entre elas é pouco frequente. Os girassóis, que pertencem à mesma espécie, vivem em populações extremamente isoladas por toda a América do Norte. O fluxo gênico raramente ocorre entre elas. Assim, poderíamos aplicar o conceito de Mayr para tratar cada uma dessas populações como espécies distintas.

O mais problemático são as espécies que não apresentam sexo, como no caso dos rotíferos da ordem Bdelloidea, microscópicos animais marinhos. A maioria dos rotíferos se reproduz sexualmente, mas os rotíferos bdeloideos abandonaram o sexo há cerca de 100 milhões de anos. Todos os rotíferos dessa ordem são fêmeas e desenvolvem seus embriões sem qualquer necessidade de esperma. De acordo com o conceito biológico de espécie, esses rotíferos não podem ser considerados espécie, por estranho que possa parecer. 
 


Equação em sexo
Essa insatisfação levou alguns cientistas a delinear novos conceitos de espécie. Cada um elaborado para captar a essência daquele significado. Um dos maiores rivais do conceito biológico de espécie, o chamado conceito filogenético de espécie, substituiu o fator sexo da equação pela ideia de descendência a partir de um ancestral comum.

Organismos aparentados têm características comuns porque compartilham o mesmo ancestral. Humanos, girafas e morcegos, todos descendem de mamíferos mais antigos e, consequentemente, todos apresentam pelos e glândulas mamárias. Dentro dos mamíferos, os humanos partilham um ancestral comum com os outros primatas, do qual herdaram outras características como olhos na posição frontal. Dessa maneira podemos descobrir grupos cada vez menores até chegarmos a uma escala em que não podem mais ser subdivididos. Estes, de acordo com o conceito filogenético, são as chamadas espécies. Podemos dizer, então, que esse conceito de espécie tomou o sistema original de Lineu e o modernizou à luz do pensamento evolutivo.

O conceito filogenético de espécie é adotado por pesquisadores que necessitam identificar as espécies em vez de apenas contemplá-las. Reconhecer uma espécie é questão de identificar um grupo de organismos que compartilham certas características bem definidas. Os cientistas, nesse caso, não dependem de condições menos precisas, como isolamento reprodutivo. Recentemente, por exemplo, a pantera-nebulosa da ilha indonésia de Bornéu foi declarada espécie distinta da pantera-nebulosa do sul do continente asiático. Todas as panteras-nebulosas de Bornéu compartilham características que não aparecem nas panteras do continente, como a pelagem mais escura.

Alguns críticos avaliam que, de acordo com esse conceito, teríamos espécies em demasia. “O problema com o conceito é que ele não nos diz em que nível natural devemos suspender as subdivisões”, observa Georgina Mace, da Imperial College de Londres. Uma simples mutação pode, ao menos teoricamente, ser o bastante para conferir a um pequeno grupo de animais o status de espécie. “É bobagem querer separar espécies a esses níveis”, avalia ela. Georgina argumenta que uma população deveria ser considerada ecologicamente distinta – tal como definida pela geografia, pelo clima e pelas relações predador-presa – antes que alguém decidisse separá-la em espécies distintas.

Outros pesquisadores, entretanto, consideram que deveriam seguir o que indicam os seus dados, em vez de se preocupar com os excessos de rupturas em nível de espécies. “O argumento de que existe um limite para o número de espécies que podem surgir não parece muito científico”, propõe John Wiens, biólogo da Stony Brook University.


Muito barulho por nada
Alguns anos atrás as intermináveis discussões sobre esse tema convenceram Kevin de Queiroz, biólogo do Smithsonian Institute, de que o debate sobre a questão do conceito de espécie chegara ao seu limite. “Já está ficando fora de controle”, avalia, “essa discussão esgotou a paciência de muita gente.”

Queiroz deu um passo à frente, afirmando que esse debate tem mais a ver com confusão que com a essência. “A confusão é, na verdade, bem simples”, propõe ele. A maioria dos conceitos concorrentes de espécie concordam quanto a alguns pontos fundamentais. Todos eles estão fundamentados na noção de que a espécie é uma linhagem evolutiva distinta, por exemplo. Para Queiroz essa é a definição fundamental de espécie. A maioria das discordâncias sobre a ideia de espécie não é com relação ao conceito em si, mas sobre como reconhecer uma espécie. Ele entende que métodos diferentes deveriam ser aplicados para casos distintos. Um significativo isolamento reprodutivo, por exemplo, é uma boa evidência de que determinada população de pássaros constitui uma espécie. Mas esse não é o único critério que pode ser usado. Para os rotíferos bdeloideos, que não têm sexo, os cientistas teriam de usar outros critérios.

Muitos especialistas em espécies compartilham do otimismo de Queiroz. Em vez de tentar usar apenas um padrão ouro, eles estão testando novas espécies contra diferentes linhas de evidências. Jason Bond, biólogo da East Carolina University, e seu aluno Amy Stockman usaram essa abordagem no estudo de um enigmático gênero de aranhas, Promyrmekiaphila, descobertas na Califórnia. Os taxonomistas há muito vêm se empenhando para determinar quantas são as espécies de Promyrmekiaphila. As aranhas resistem à classificação corriqueira porque são muito parecidas entre si. Os cientistas já sabem que elas, provavelmente, formam populações isoladas, em grande parte graças ao fato de não se dispersarem para muito além de seu território.

“Uma vez que a fêmea faz uma boa toca com alçapão e teia de revestimento, é pouco provável que ela se afaste desse local”, segundo Bond. Ele vem escavando tocas de Promyrmekiaphila contendo três gerações de aranhas fêmeas que viveram ali anos e anos. Os machos deixam as tocas onde nasceram, mas não vão muito longe, antes de se acasalar com a fêmea de uma toca vizinha.

Para identificar as espécies de aranhas, Bond e Stockman adotaram métodos desenvolvidos por Templeton. Eles estudaram a história evolutiva de Promyr mekiaphila, mediram o fluxo gênico entre as populações e caracterizaram o papel ecológico dessas aranhas. Para o estudo da história evolutiva, Bond e Stockman sequenciaram partes de dois genes de 222 aranhas de 78 localidades da Califórnia. Eles examinaram o DNA para marcadores genéticos que mostravam como esses animais eram aparentados entre si. A árvore evolutiva das aranhas resultou em várias linhagens distintas.

Bond e Stockman examinaram as versões dos genes em populações diferentes para descobrir alguma evidência de fluxo gênico. Para encerrar eles registraram as condições climáticas nas quais cada grupo de aranhas vivia. No final conseguiram identificar seis espécies que satisfaziam todos os critérios utilizados. Se aceitas, essas descobertas duplicarão o número de espécies de Promyrmekiaphila.


Esse tipo de abordagem está permitindo aos cientistas estudar certos organismos que não parecem se adaptar ao conceito de espécie. Pelo fato de os rotíferos bdeloideos não terem sexo, não se adaptaram bem ao conceito biológico de espécie. Tim Barraclough, da Imperial College de Londres, e seus colegas usaram outros métodos para determinar se esses rotíferos pertenciam a grupos que poderíamos chamar de espécie. Eles sequenciaram o DNA e construíram uma árvore evolutiva. A árvore apresentava apenas algumas ramificações longas, cada uma coroada por um tufo de ramos mais curtos. Eles
examinaram o corpo dos rotíferos em cada tufo e descobriram que tinham formas similares. A diversidade dos rotíferos, em outras palavras, não era apenas obscura. Os animais formam agrupamentos resultantes, provavelmente, de linhagens separadas que estão se adaptando a diferentes nichos ecológicos. Se esses agrupamentos não são espécies, são bem afins.

Microrganismos como espécies
A maioria dos trabalhos relacionados ao conceito de espécie sempre foi direcionada a animais e plantas. Essa tendência tem uma explicação histórica: animais e plantas eram as únicas coisas que Lineu e outros antigos taxonomistas podiam estudar. Hoje, porém, os cientistas sabem que a grande maioria da diversidade genética está no mundo invisível dos microrganismos, e eles são o maior desafio quando o assunto é a natureza
das espécies.

No século 19, quando começaram a nomear espécies, os microbiólogos não examinavam penas ou flores, como os zoólogos e botânicos. Os microrganismos – principalmente bactérias e archae – são em geral muito parecidos entre si. Alguns apresentam a forma de bastão, enquanto outros se mostram como pequenas esferas. Para distinguir duas bactérias com forma de bastão, os microbiólogos desenvolveram experimentos relacionados ao metabolismo delas. Um tipo de microrganismo podia se alimentar de lactose, ao passo que outros, não. A partir desses indícios descreviam-se espécies, como Escherichia coli ou Vibrio cholerae. Mas era necessário saber o que significava pertencer a uma dada espécie, em se tratando de microrganismo. Quando Mayr veio com o seu conceito biológico de espécie, parecia excluir muitos daqueles seres. Afinal, as bactérias não eram formadas por indivíduos machos e fêmeas que podiam se reproduzir sexualmente como os animais. Elas simplesmente se partiam em duas.

A confusão piorou quando os cientistas tentaram calcular a diferença entre o DNA de duas espécies. Para surpresa de todos, as diferenças podiam ser imensas. Bactérias de uma mesma espécie são capazes de apresentar modos de vida radicalmente distintos. Algumas linhagens de E. coli vivem em nosso intestino sem causar nenhum prejuízo,
enquanto outras provocam doenças. “A variação genética dentro de uma mesma espécie é tão grande que o termo ‘espécie’ para bactéria e archae não tem o mesmo significado que para plantas e animais multicelulares”, considera Jonathan Eisen, da East Carolina
University.

Os microrganismos não são pequenas exceções a essa regra. Quando os pesquisadores começaram a estudar o mundo microbiano descobriram que a diversidade encontrada no mundo animal é, comparativamente, insignificante. “Causa muita estranheza pensar que, se Mayr estiver certo, então 90% da árvore da vida não é composta por espécies”, contrapõe John Wilkins, filósofo da ciência da Universidade de Queensland, Austrália. “Faça uma pausa e pense sobre isso.”

Alguns pesquisadores argumentam que, talvez, os microrganismos se adaptem ao conceito biológico de espécie, mas de uma maneira peculiar. As bactérias não cruzam como os animais, mas fazem intercâmbio de genes. Os vírus podem transportar genes de um hospedeiro a outro, ou, então, as bactérias podem simplesmente capturar um DNA so no meio e incorporá-lo ao seu genoma. Existem evidências de que linhagens próximas permutam mais genes que linhagens distantes – uma versão microbiana das barreiras reprodutivas entre as espécies animais.


Mas alguns críticos têm apontado certos problemas com essa analogia. Embora animais e plantas possam intercambiar genes toda vez que se reproduzem, os microrganismos raramente permutam dessa maneira. Quando trocam genes, fazem isso com promiscuidade surpreendente. Durante um período de milhões de anos esses microrganismos adquiriram novos genes não apenas de seus parentes mais próximos, mas também de outros microrganismos que pertencem a reinos totalmente diferentes. Os críticos insistem que esse fluxo de genes ajuda a minar qualquer conceito de espécie para o caso dos microrganismos. “Penso que espécie é um tipo de ilusão”, interpreta W. Ford Doolittle, da Dalhousie University, na Nova Escócia.

Pesquisadores estão considerando as espécies microbianas mais seriamente. Argumentam que os microrganismos, assim como os rotíferos, não são apenas variações indistintas, mas grupos adaptados a nichos ecológicos particulares. A seleção natural previne esses grupos de se tornarem indistintos ao favorecer novos mutantes mais bem adaptados aos seus nichos. “É uma pequena linhagem que sempre segue adiante”, segundo Frederick Cohan, da Wesleyan University. Essa pequena linhagem, ele diz, é uma espécie.

Cohan e seus colegas descobriram essas espécies microbianas nas fontes termais do Parque Nacional de Yellowstone. Cada grupo de microrganismos geneticamente aparentados vive em nicho próprio dessas fontes termais – a determinada temperatura, por exemplo, ou necessitando de certa quantidade de luz solar. Para Cohan, essa evidência é o bastante para justificar o status de espécie para um grupo de microrganismos. Ele e seus colaboradores estão desenvolvendo um conjunto de regras que, esperam, serão utilizadas por outros pesquisadores para nomear novas espécies. “Decidimos que temos de ir além de persuadir as pessoas”, Cohan insiste.

É provável que essas novas regras levem os cientistas a separar as espécies microbianas tradicionais em muitas outras. Para evitar confusão, Cohan não quer mudar completamente os nomes originais das bactérias. Apenas pretende adicionar a palavra ecovar (variante ecológica) no final do nome de cada espécie. De acordo com Cohan, a compreensão da natureza das espécies microbianas poderá ajudar profissionais da saúde a se preparar para combater novas doenças no futuro. Classificar essas espécies poderia ajudá-los a antecipar o aparecimento de uma epidemia, dando tempo suficiente para que tomem as medidas mais adequadas.