Descrição do mecanismo pode tornar
mais eficiente a terapia fotodinâmica, usada no tratamento de câncer e
de infecções bacterianas, além de permitir o desenvolvimento de
protetores solares mais eficientes (imagem: divulgação)
Cientistas descobrem como a luz destrói membrana das células
04 de janeiro de 2019
André Julião | Agência FAPESP – A incidência de
luz tem papel fundamental na alteração das células humanas. Um exemplo
conhecido é a luz do Sol, que provoca desde o envelhecimento até o
câncer de pele. Como isso ocorre, porém, ainda é algo pouco conhecido.
Mas agora pesquisadores conseguiram descrever, de maneira inédita, o
mecanismo pelo qual a luz destrói as membranas lipídicas – que pode
levar à morte das células. As futuras aplicações para a descoberta podem
ser versões mais eficientes da chamada terapia fotodinâmica, usada
contra alguns tipos de câncer e infecções bacterianas. Além disso, o
conhecimento do mecanismo abre caminho para o desenvolvimento de
protetores solares mais eficientes.
Por ora, os pesquisadores conseguiram definir parâmetros para criar
moléculas que sejam mais eficientes em danificar membranas, tornando as
células mais suscetíveis à terapia fotodinâmica – em que a luz é usada
para matar células cancerosas ou bactérias.
O trabalho, publicado no Journal of the American Chemical Society, é resultado do doutorado de Isabel Bacellar
no Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP), no
âmbito do Centro de Pesquisa em Processos Redox em Biomedicina (Redoxoma), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
Parte do estudo foi realizado com bolsa de pesquisa no exterior.
“Mostramos que na hora de escolher um fotossensibilizador [substância
que possibilita a conversão da energia da luz em dano à membrana
celular] não adianta apenas olhar para o quanto ele gera de oxigênio
singlete [espécie reativa de oxigênio], como tem sido feito até hoje”,
disse Bacellar, atualmente fazendo pós-doutorado na Universidade de
Montreal, no Canadá.
“O oxigênio singlete é importante, mas no processo de dano em
membrana descobrimos que o fundamental é o quanto o fotossensibilizador
gera de aldeídos lipídicos [substâncias que abrem poros nas membranas e
levam ao vazamento do conteúdo da célula ou de suas organelas]”, disse.
“Quando se entende o mecanismo do dano na membrana, pode-se tanto
desenvolver uma molécula mais eficiente para destruir a membrana de
organelas, no caso de câncer ou de uma infecção bacteriana, quanto
prevenir o dano que ocorre quando nos expomos à luz solar”, disse Mauricio da Silva Baptista, professor do IQ-USP e coordenador do estudo.
Da manteiga à pele
Todas as células são envolvidas por uma membrana formada por uma
camada dupla de lipídios que separa o interior do exterior. Os chamados
fosfolipídios formam a base estrutural dessa camada e tendem a sofrer
oxidações, que podem tornar as membranas permeáveis e provocar a morte
celular. A indução dessas oxidações por luz pode aumentar
expressivamente a extensão do dano aos lipídios.
“A oxidação lipídica ocorre mesmo no escuro, mas é maior quando tem
luz. Como acontece com a manteiga, que tem lipídios e fica rançosa se
ficar fora da geladeira por muito tempo. Isso é uma oxidação lipídica
também”, disse Baptista.
Para chegar aos resultados, os pesquisadores utilizaram um modelo
experimental em que aplicavam dois fotossensibilizadores em uma membrana
artificial feita com substâncias presentes na membrana das células. Os
fotossensibilizadores foram o azul de metileno e o DO15.
O DO15 mostrou um desempenho melhor, tornando as membranas mais
permeáveis significativamente mais rápido do que o azul de metileno. Em
seguida, os pesquisadores identificaram e quantificaram todos os
produtos gerados da reação das membranas com os fotossensibilizadores,
como hidroperóxidos, álcoois, cetonas e aldeídos fosfolipídicos.
O objetivo era entender o mecanismo pelo qual o DO15 foi mais
eficiente em permeabilizar as membranas. O que se mostrou mais
importante no processo foi um aumento significativo na produção de
aldeídos.
“O oxigênio singlete, que era visto até então como o agente mais
importante nesse processo, e o hidroperóxido têm sim uma importância.
Mas o que mostramos nesse trabalho é que a produção de aldeído é o
principal fator para destruir a membrana lipídica”, disse Bacellar.
Agora, o grupo de Baptista e outros que colaboram com ele buscam
desenvolver moléculas ainda mais eficientes que o DO15 para tornar a
membrana das células mais suscetível à luz. Com isso, podem chegar a
novos fotossensibilizadores para a terapia fotodinâmica.
O artigo Photosensitized Membrane Permeabilization Requires Contact-Dependent Reactions between Photosensitizer and Lipids
(doi: 10.1021/jacs.8b05014), de Isabel O. L. Bacellar, Maria Cecilia
Oliveira, Lucas S. Dantas, Elierge B. Costa, Helena C. Junqueira,
Waleska K. Martins, Andrés M. Durantini, Gonzalo Cosa, Paolo Di Mascio,
Mark Wainwright, Ronei Miotto, Rodrigo M. Cordeiro, Sayuri Miyamoto e
Mauricio S. Baptista, está disponível em: https://pubs.acs.org/doi/10.1021/jacs.8b05014.
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