Urbanização altera forma das asas de mosquitos
15 de janeiro de 2019
Peter Moon | Agência FAPESP – Um
novo estudo identificou alterações evolutivas nas asas de mosquitos que
podem ser causadas por modificações introduzidas pelo homem no meio
ambiente. O processo de urbanização estaria promovendo uma pressão
ambiental sobre os mosquitos, afetando suas populações.
Pesquisa demonstra que a rápida
urbanização de São Paulo influi na morfologia das asas dos mosquitos
transmissores de dengue e malária (foto: Pest and Diseases Image Library, Bugwood.org )
Alterações microevolutivas ocorrem dentro de espécies ou de
populações ao longo do tempo e podem ser percebidas como variações no
genoma ou no fenótipo de insetos.
O controle populacional de mosquitos é considerado a melhor
estratégia para combater as doenças transmitidas por eles, o que torna a
compreensão de sua dinâmica populacional vital para o desenvolvimento
de programas de controle de vetores mais eficazes. Nesse sentido,
pesquisadores no Brasil e nos Estados Unidos desenvolvem um projeto que
investiga mosquitos Aedes aegypti e Anopheles cruzii na cidade de São Paulo.
Os mosquitos da espécie Aedes aegypti são os principais
vetores de transmissão dos vírus da dengue, zika, febre amarela e
chikungunya. São altamente adaptados a ambientes urbanizados e
raramente encontrados em áreas florestais. Já os Anopheles cruzii são os responsáveis pela transmissão, no Brasil, dos protozoários do gênero Plasmodium, os causadores da malária. São insetos de hábitos silvestres e menos comuns a ambientes urbanos.
Em dois trabalhos, pesquisadores da Universidade de São Paulo e da
University of Miami procuraram modular a estrutura populacional desses
mosquitos, além de investigar de que forma os diferentes níveis de
urbanização afetam suas populações. O objetivo foi compreender, a
partir da morfologia e da genética de populações, a estrutura
populacional dessas espécies no meio ambiente paulistano urbano e
não urbano.
"Em outras palavras, o que se busca é compreender a ecologia desses
mosquitos e verificar sua relação com as mudanças ambientais
provocadas pela ação humana", disse Mauro Toledo Marrelli, professor no Departamento de Epidemiologia da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP-USP).
Marrelli é um dos pesquisadores responsáveis pelos dois estudos, ao
lado de André Barretto Bruno Wilke, que trabalha no Departamento de
Ciências da Saúde Pública da Faculdade de Medicina da University of
Miami. Os resultados do estudo, que contou com apoio da FAPESP, foram publicados na revista BMC Parasites and Vectors.
"Ao destacar as diferenças e semelhanças, genéticas e morfológicas,
entre os membros de uma mesma espécie que habitam uma região
específica, queremos poder identificar possíveis variabilidades em Aedes aegypti e Anopheles cruzii
que possam ter como gatilhos determinadas pressões ambientais, a
exemplo do uso do controle químico, e conduzir a uma seleção de
fenótipos que apresentem resistência a inseticidas, a principal arma
dos agentes de saúde pública no combate aos mosquitos”, disse
Marrelli.
Os pesquisadores coletaram, de 2012 a 2015, 308 espécimes de Aedes aegypti
em 11 localidades de três áreas com distintos níveis de urbanização
na cidade de São Paulo: conservadas, intermediárias e urbanizadas.
As áreas conservadas foram cinco parques municipais (Anhanguera, dos
Eucaliptos, Independência, Previdência e do Piqueri). A
intermediária foi o campus da USP no bairro do Butantã. E a área
urbanizada escolhida foi a que abriga a FSP e a Faculdade de
Medicina, no bairro de Pinheiros.
O biólogo Ramon Wilk da Silva
removeu as asas direitas das fêmeas dos mosquitos coletados para
fotografá-las e digitalizá-las. O objetivo foi investigar a morfometria
geométrica das asas, registrando dados comparativos entre todas
elas, dados esses que serviram para alimentar avançados programas de
análise estatística.
Os resultados mostraram uma estruturação populacional significativa em Aedes aegypti
nas regiões estudadas. Isso está relacionado aos diferentes graus
de urbanização nas áreas onde os espécimes foram coletados. Wilk da
Silva é atualmente doutorando no Instituto de Medicina Tropical de
São Paulo (USP) com Bolsa da FAPESP.
“Processos microevolutivos em mosquitos podem ser desencadeados pelas
modificações feitas pelo homem no meio ambiente, resultando em um
padrão de estruturação populacional previamente desconhecido e de
grande importância epidemiológica”, disse Marrelli.
Segundo ele, os diversos níveis de urbanização estão provocando uma
pressão ambiental sobre os mosquitos, de modo a selecionar
determinados fenótipos mais aptos às condições de cada ambiente.
“Um sinal de tais seleções é a morfometria das asas dos insetos. Os
resultados estão em concordância e servem para corroborar os
resultados de um estudo genético nosso anterior, que utilizou
marcadores microssatélites”, disse.
Transmissor da malária
A análise da morfometria das asas é um método de baixo custo para
estudar a dinâmica populacional de mosquitos. Basta capturar os
insetos na natureza, montá-los em lâminas e analisar as veias das
asas com um microscópio óptico. Além do formato e do tamanho das
asas, existem 18 pontos característicos das veias das asas que
servem para definir tanto espécies diferentes como variedades dentro
de uma mesma espécie.
O trabalho sobre a morfometria das asas do mosquito Anopheles cruzii foi feito pela bióloga Laura Cristina Multini. O estudo, com Bolsa da FAPESP, integra o projeto de pesquisa conduzido por Marrelli. Os resultados foram publicados na Acta Tropica.
Anopheles cruzii é o principal vetor transmissor de malária na Mata Atlântica. A análise das asas de Anopheles cruzii
começou com a captura desses insetos por meio de armadilhas, de
2015 a 2017, na Área de Proteção Ambiental Municipal do
Capivari-Monos, que fica em Parelheiros. Foram coletados mais de 500
espécimes em três ambientes distintos: um selvático, de mata
fechada; o segundo periurbano, situado em área de transição entre a
floresta e sítios de criação de gado; e um terceiro ambiente urbano, em
Engenheiro Marsilac, distrito no extremo sul da cidade.
Diferentemente do trabalho com Aedes aegypti, onde estudou-se a morfometria das veias das asas, com Anopheles cruzii a investigação centrou-se no tamanho e no formato das asas.
"Descobrimos considerável variação tanto na forma como no tamanho da asa nas populações de Anopheles cruzii,
sugerindo rápidas mudanças microevolutivas, que são provavelmente
resultados de fortes pressões seletivas. É provável que a perturbação do
hábitat natural de Anopheles cruzii tenha refletido em sua
biologia, o que foi percebido neste estudo pela variação na forma de
suas asas", disse o professor da FSP-USP.
Não há barreiras naturais entre as populações de Anopheles cruzii analisadas no estudo, o que pode indicar adaptação diferenciada aos três diferentes locais de coleta.
"É provável que a seleção local possa estar produzindo diferentes
fenótipos e que mecanismos como a assimilação genética e a
acomodação genética possam induzir uma diferenciação real”, disse
Marrelli.
"Conhecer a distinção morfológica entre as diversas populações de Anopheles cruzii e de Aedes aegypti
é um modo eficiente e rápido para os agentes de saúde, por exemplo,
reconhecerem se uma variedade de mosquito desenvolve maior ou menor
resistência a um determinado inseticida, e agirem de acordo”,
disse.
O artigo Wing morphometric variability in Aedes
aegypti (Diptera: Culicidae) from different urban built
environments (doi:
https://doi.org/10.1186/s13071-018-3154-4), de Ramon Wilk-da-Silva,
Morgana Michele Cavalcanti de Souza Leal Diniz e Mauro Toledo Marrelli,
está publicado em:
O artigo Urbanization as a driver for temporal wing-shape variation in Anopheles cruzii (Diptera: Culicidae)
(doi: https://doi.org/10.1016/j.actatropica.2018.10.009), de Laura
Cristina Multini, André Barretto Bruno Wilke e Mauro Toledo
Marrelli, está publicado em: www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0001706X18308659.
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