Trabalho liderado por
pesquisadores da USP e do Centro de Terapia Celular é o primeiro a
estudar o genoma mitocondrial para verificar alterações relacionadas aos
tumores penianos (ilustração: Molecular Biology Reports)
Estudo destaca relação entre câncer de pênis e mutações no genoma das mitocôndrias
17 de janeiro de 2019
Peter Moon | Agência FAPESP – Um estudo publicado por pesquisadores brasileiros na revista Molecular Biology Reports sugere a existência de mutações no genoma mitocondrial que podem favorecer a progressão do tumor peniano.
O câncer de pênis é um tumor raro nos países desenvolvidos,
representando cerca de 0,4% das neoplasias malignas em homens, na
Europa e nos Estados Unidos. No Brasil a incidência é bem maior.
Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), esse tipo de tumor
corresponde a 2% de todos os casos de câncer que atingem o homem.
“É a primeira vez que se estuda o genoma mitocondrial para verificar
alterações que possam estar relacionadas ao tumor peniano”, disse Wilson Araújo da Silva Junior,
professor na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de
São Paulo (FMRP-USP) e um dos autores principais do trabalho, que
foi conduzido no âmbito do Centro de Terapia Celular (CTC), um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) financiados pela FAPESP.
O tipo mais frequente do câncer de pênis é o carcinoma epidermoide,
também denominado espinocelular ou escamoso, que representa 95% dos
tumores malignos do pênis. Apesar de o câncer peniano ser uma doença
com alto potencial de cura se identificada em estágios mais
precoces, a demora no diagnóstico e na procura por tratamento
específico é observada em mais de 50% dos casos.
O câncer peniano apresenta maior incidência em homens que vivem em
regiões rurais e com idades a partir dos 50 anos, embora possa
atingir os mais jovens. Está relacionado a baixas condições
socioeconômicas e de instrução. A doença é causada principalmente
pela falta de higiene íntima e tem forte prevalência em homens com
fimose.
"Quem se submete à cirurgia de fimose tem menores chances de desenvolver a doença”, disse Rodolfo Borges dos Reis, professor na FMRP-USP e o autor principal do estudo.
O câncer de pênis inicialmente não apresenta sintomas, mas tem como
causa principal o acúmulo de secreções na glande. Essa “sujeira”
pode evoluir para uma lesão tumoral com possibilidade de progredir
localmente ou a distância.
Em muitos casos, os doentes procuram ajuda quando o pênis já está
muito acometido, muitas vezes com a lesão já infectada e invadindo
as estruturas penianas. Infelizmente, nesse estágio, a terapia
sistêmica é pouca efetiva. Desse modo, a cirurgia, amputação parcial
ou total do órgão, ainda é o principal método terapêutico. Segundo o
Datasus, são realizadas cerca de mil amputações penianas ao ano no
Brasil.
DNA mitocondrial
Mitocôndrias são organelas que existem nas células eucarióticas, que
têm como função realizar as reações de conversão de energia para as
células. Estima-se que as mitocôndrias se originaram há mais de 2
bilhões de anos, quando alguns microrganismos desenvolveram uma
simbiose com bactérias invasoras.
Em troca do fornecimento constante de alimento, aquelas antigas
bactérias teriam passado a viver no interior das primeiras células
eucarióticas, fornecendo energia. Com o passar das gerações, os
descendentes daquelas bactérias invasoras se tornaram organelas
celulares, ou seja, as mitocôndrias.
Por descenderem de uma bactéria ancestral, as mitocôndrias possuem
uma particularidade: elas preservam em seu interior vestígios da
bactéria independente que foram um dia.
O principal vestígio é o DNA mitocondrial, um tipo de genoma com
cerca de 16,5 mil pares de bases que é particular às mitocôndrias – e
que não se confunde com o genoma nuclear, que é constituído de 23
pares de cromossomos herdados dos parentais e, no caso dos humanos,
possui cerca de 3 bilhões de bases.
A principal função da mitocôndria é fornecer a maior parte da energia
útil das células, por meio do processo chamado de respiração
celular. Em uma única célula humana, por exemplo, há cerca de 10 mil
mitocôndrias, cada uma delas contendo milhares de cópias do DNA
mitocondrial.
"A característica principal que define as células tumorais é o seu
crescimento e multiplicação descontrolados, formando tumores. Para
crescer, os tumores precisam de muita energia, e a fonte desta
energia são as mitocôndrias. Logo, faz sentido pensar que a célula
tumoral utilize mecanismos que possam preservá-las. Nesse contexto a
mitocôndria e seu genoma tem um papel crucial”, disse Reis.
Segundo ele, alterações do genoma mitocondrial são comuns em muitos
tipos de tumores e são descritas como reguladoras do metabolismo
oxidativo com impacto direto na progressão tumoral.
"Foi demonstrado que a mitocôndria tem um papel importante na
progressão de diversos tipos de tumores. No caso do tumor peniano,
as alterações do genoma mitocondrial não haviam ainda sido
descritas”, disse Reis.
Silva Junior destaca que os resultados do estudo demostraram um
aumento da instabilidade do genoma mitocondrial no tecido tumoral.
“Analisamos pela primeira vez o genoma mitocondrial no carcinoma
peniano, com o objetivo de avaliar a heteroplasmia, a sua carga
mutacional e o conteúdo de DNA mitocondrial em tumores penianos”,
disse. Heteroplasmia é a presença de mais de um tipo de genoma
mitocondrial em uma mesma célula.
Utilizando sequenciamento de nova geração, os pesquisadores
analisaram o genoma mitocondrial de 13 tumores penianos (de 13
pacientes) e 12 amostras de tecido peniano saudável, o que permitiu
identificar variantes de DNA mitocondrial e o grau de heteroplasmia.
O sequenciamento do genoma mitocondrial revelou a redução do número
de cópias, juntamente com um aumento do número de variantes de DNA
mitocondrial no tecido tumoral, confirmando o aumento da
instabilidade do genoma mitocondrial nos tumores penianos.
"Descrevemos uma lista de variantes mitocondriais encontradas no
tumor do pênis, incluindo cinco novas variantes encontradas
especificamente no tecido tumoral. Avaliamos ainda a patogenicidade
das variantes, ou seja, a capacidade das variantes em contribuir
para a evolução da doença”, disse Reis.
“Também sugerimos que a redução do número de cópias e o aumento da
instabilidade do genoma mitocondrial podem atuar em conjunto
contribuindo para o desequilíbrio do metabolismo celular dos tumores
penianos”, disse Silva Junior.
É a primeira vez que se estabelece um vínculo entre o câncer peniano e
o genoma mitocondrial. O trabalho dos pesquisadores indica que a
melhor compreensão da biologia mitocondrial pode, eventualmente,
abrir um novo campo para a terapia no carcinoma peniano.
O artigo Mitochondrial genome analysis in penile carcinoma
(doi: https://doi.org/10.1007/s11033-018-4197-5), de L.F. Araújo,
A.T. Terra Jr., C.T.G. Sares, C.F.R. Sobreira, E.F.Faria, R.D.
Machado, A.A. Rodrigues Jr., V.F. Muglia, W.A. Silva Jr. e R.B.
Reis, pode ser lido em https://link.springer.com/article/10.1007%2Fs11033-018-4197-5.
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