Pesquisadores avaliam que há
condições teóricas, metodológicas e tecnológicas para manipular a
composição de comunidades ecológicas e garantir a permanência das
funções de um ecossistema ((Trochilus polytmus / foto: Sharp Photography - Wikimedia)
Ecossistemas poderão ser restaurados por meio da engenharia da biodiversidade
09 de janeiro de 2019
Elton Alisson | Agência FAPESP – Muitos
cientistas consideram que as atividades humanas começaram a ter, a
partir do fim do século 18, um impacto tão significativo no clima e nos
ecossistemas da Terra a ponto de der dado origem a uma época geológica
que denominaram Antropoceno.
As eliminações de espécies nesse período mais recente da história do
planeta Terra podem rivalizar com as grandes extinções em massa
registradas ao longo de outras eras geológicas. A fim de restaurar essa
perda de biodiversidade e o funcionamento do ecossistema terrestre seria
preciso aplicar, urgentemente, o conhecimento ecológico existente.
Um estudo de autoria de pesquisadores brasileiros e britânicos
indicou que há condições teóricas, metodológicas e tecnológicas sem
precedentes para enfrentar esse desafio.
Resultado de uma pesquisa apoiada pela FAPESP e de um pós-doutorado realizado com Bolsa da FAPESP, o trabalho teve resultados publicados na revista Trends in Ecology & Evolution.
“Estamos a apenas alguns passos de possibilitar a realização da
‘engenharia da biodiversidade’, ou seja, manipular a biodiversidade para
projetar a composição de comunidades ecológicas e garantir a
permanência das funções de um ecossistema”, disse Rafael Luís Galdini
Raimundo, professor do Departamento de Engenharia e Meio Ambiente da
Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e primeiro autor do estudo, à Agência FAPESP.
“Temos agora todas as condições teóricas e metodológicas para
entender e prever melhor as consequências da inclusão ou da retirada de
uma espécie de uma comunidade para fim de manejo na diversidade
funcional de um ecossistema”, avaliou.
De acordo com os autores do estudo, a manipulação de comunidades
ecológicas para restauração tem uma longa história científica e é feita
há mais de um século, principalmente em países da Europa e nos Estados
Unidos.
Tradicionalmente, contudo, as iniciativas de restauração têm sido
focadas na inclusão ou na remoção de espécies com o intuito de resgatar
padrões de riqueza de plantas e animais, sem se concentrar nas
interações ecológicas entre populações, espécies e predadores e presas,
por exemplo.
Essas interações ecológicas são determinantes para os padrões de
biodiversidade e de funcionamento de um ecossistema por moldar a força e
os modos de seleção natural. Eventuais mudanças nos padrões dessas
interações provocadas pela extinção de espécies ou pela entrada de
espécies invasoras, por exemplo, afetam a evolução de características
funcionais ecologicamente relevantes, como o tamanho do bico de aves que
se alimentam de frutos (frugívoras) e o tamanho dos frutos que
dispersam.
Na Mata Atlântica, a perda de grandes espécies de aves como tucanos (Ramphastidae) e jacutingas (Pipile jacutinga)
tem levado à diminuição da dispersão de árvores com sementes grandes.
Já a diminuição de espécies dispersoras do palmito-juçara (Euterpe edulis)
tem feito com que suas sementes passem a ser distribuídas por poucas
áreas do bioma. Consequentemente, tem diminuído o tamanho das sementes
da planta, dizem os autores do estudo.
“As interações entre espécies representam a ligação entre processos
ecológicos e evolutivos e também podem ser vistas como a conexão entre a
estrutura da biodiversidade e o funcionamento do ecossistema”, disse
Galdini Raimundo.
Condições propícias
O desenvolvimento de modelos matemáticos de redes adaptativas
permitiu a ecólogos compreender melhor como mudanças nos padrões de
interações ecológicas – que definem a estrutura de uma rede de
interações – são seguidas por mudanças na dinâmica e nas propriedades
das populações de cada espécie, como sua abundância e características.
Essas mudanças ecológicas e evolutivas nas propriedades das espécies
podem desencadear novas reconfigurações no nível da rede de interações,
fechando um ciclo.
“A aplicação da abordagem de rede à ecologia permite gerar previsões
para o que acontece com processos evolutivos e ecológicos nessas redes
de interações complexas e criar hipóteses testáveis de diferentes
estratégias de manejo”, disse Galdini Raimundo. “Com isso, é possível
construir comunidades estáveis, com todas as funções ecossistêmicas
operando normalmente.”
Apesar do potencial dos modelos de redes adaptativas na gestão de
ecossistemas, até recentemente os dados necessários para alimentá-los
impediam sua aplicação como uma ferramenta preditiva na ecologia da
restauração.
As técnicas de sequenciamento do genoma desenvolvidas nos últimos
anos permitiram obter dados de interação de espécies em uma escala sem
precedentes, dando origem ao big data da biodiversidade.
Segundo os pesquisadores, essas técnicas de sequenciamento
possibilitaram não apenas obter dados da estrutura ecológica de redes,
mas também sobre as relações filogenéticas entre espécies dentro de uma
comunidade – o que é fundamental para prever como uma rede ecológica irá
reconectar sua estrutura e como novas dinâmicas irão remodelar
características e a abundância de espécies.
“Fundir técnicas de sequenciamento de genoma de última geração com
redes ecológicas fornece novas ferramentas para estudar a resiliência de
comunidades interagentes às mudanças ambientais, ao mesmo tempo que
incorpora importantes atributos, como a diversidade funcional”, disse
Darren Evans, professor da Newcastle University, na Inglaterra, e
coautor do estudo.
Alguns dos gargalos para o uso desses modelos ecológicos evolutivos e
preditivos são ampliar as colaborações em pesquisa, de modo a permitir
monitorar locais para fazer as previsões de rede adaptativas, e aumentar
a interação entre pesquisadores que realizam os trabalhos em campo e
implementam as práticas de restauração e os teóricos.
“A aplicação desses modelos depende do estabelecimento de uma via de
mão dupla entre o pesquisador que faz os modelos e gera as predições e
quem está em campo, testando as práticas de restauração nessa escala de
comunidade, para aprimorar os modelos, gerar predições mais acuradas e,
com o tempo, em longo prazo, conseguirmos refinar essa engenharia da
biodiversidade”, disse Galdini Raimundo.
O artigo Adaptive networks for restoration ecology (doi:
doi.org/10.1016/j.tree.2018.06.002), de Rafael L. G. Raimundo, Paulo R.
Guimarães Jr e Darren M. Evans, pode ser lido por assinantes da revista Trends in Ecology & Evolution em www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0169534718301393.
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