Humanos estão a caminho de extinguir todos os outros primatas
Em meio século, 75% das espécies de macacos, micos e lêmures já terão desaparecido do planeta
“Foi
surpreendente descobrir que as cifras eram tão altas, porque sugerem
que estamos chegando a um ponto de não retorno ou que talvez já tenhamos
chegado”, lamenta o primatologista mexicano Alejandro Estrada, que há
35 anos estuda os primatas da América em seu habitat. As cifras às quais se refere são horripilantes: 60% dos primatas estão ameaçados de extinção. Dos gigantescos gorilas das montanhas, de 200 quilos, aos diminutos lêmures do gênero Microcebus,
de 30 gramas, os primatas estão a caminho de desaparecerem para sempre
na natureza por culpa da pressão que os humanos exercem através da
agricultura, caça, exploração madeireira, mineração... “Vendo o reduzido
tamanho das populações e a intensidade das ameaças, logo poderíamos
viver uma cascata de extinções. Não podemos nos permitir isso!", alerta
Estrada.
Dos gigantescos gorilas das montanhas aos diminutos lêmures da espécie ‘Microcebus’, 60% dos primatas estão ameaçados de extinção
Um
primata, o humano, parece decidido a extinguir os seus parentes mais
próximos numa batalha sem trégua em que as forças estão completamente
desequilibradas: em apenas 50 anos terão desaparecido três de cada
quatro espécies de primatas, 378 das 504 registradas. Acabamos de saber
disso graças a um macro estudo publicado na Science Advances,
liderado pelo pesquisador mexicano, entre outros, e com a participação
de 30 especialistas. “Estamos realmente muito preocupados, e nosso
artigo é um apelo por uma ação global à comunidade científica em geral e
ao público e aos políticos para que evitem isso”, afirma.
O
estudo é muito rico em dados e informações detalhadas sobre esse
extermínio. Na Ásia, 73% dos primatas estão ameaçados, cifra que sobe
para 87% em Madagascar, o reino dos lêmures, na costa oriental da
África. O orangotango da Sumatra perdeu 60% do seu habitat em apenas 20
anos e deve perder mais 30% nas próximas décadas por culpa do
desmatamento (geralmente para a produção de óleo de palma) e da mudança
climática.
Entre 1990 e 2010, as práticas agrícolas consumiram 1,5 milhão de quilômetros quadrados em seus habitats, o equivalente ao Amazonas
Os
pesquisadores foram muito minuciosos na sua descrição das ameaças que
dizimam nossos parentes. Embora haja diferenças importantes entre
regiões, a agricultura se destaca como principal problema,
já que devorou 76% dos habitats dos macacos, micos, lêmures e afins.
Entre 1990 e 2010, as práticas agrícolas consumiram 1,5 milhão de
quilômetros quadrados nesses habitats, o equivalente ao Estado do
Amazonas, e foram perdidos dois milhões de quilômetros quadrados de
cobertura florestal. Mas o pior é o que está por vir: a expansão futura
dos cultivos abrange dois terços da área que esses mamíferos habitam.
“Isto provocará um conflito territorial sem precedentes com75% das
espécies de primatas em todo o mundo”, conclui o artigo.
As práticas agrícolas não agem sozinhas.
A caça representa 60% das perdas diretas desses animais, com um
problema emergente: o da captura de primatas para consumo humano.
Calcula-se que na Nigéria e em Camarões são comercializados anualmente
150.000 primatas no mercado alimentício. Além disso, o desmatamento
afeta 60% dos habitats, e a pecuária, 31%. A mineração, apesar de estar
muito concentrada em pequenos territórios, está mostrando uma capacidade
destrutiva muito grave, porque contribui para o desmatamento, a
degradação florestal e a poluição do solo e da água. Os garimpeiros de
coltan na África Central caçam macacos para se alimentar, outra terrível
e inesperada decorrência do ciclo consumista que cerca os telefones
celulares.
O denominador comum das regiões onde os primatas estão mais ameaçados são os altos níveis de pobreza e desigualdade em que vivem os humanos
Esse
estudo, além de ser o primeiro a oferecer uma descrição global do
estado de conservação dos primatas no mundo e das pressões
antropogênicas contra eles, também fornece ideias e soluções para
mitigar a perda local, regional e mundial de espécies. “Abordar as
principais ameaças que afetam as populações de primatas é algo que exige
políticas globais, mas um enfoque local seria construtivo”, diz
Estrada, pesquisador da Universidade Nacional Autônoma do México. “O
desmatamento, a caça insustentável e o comércio ilegal poderiam ser
rapidamente abordados, com o objetivo de sensibilizar a população das
zonas urbanas e rurais de que os primatas são um componente importante
do seu capital natural”, diz. “Que conservá-los com seus hábitats e
deter o comércio ilegal significa investir no futuro."
Há
um fator importante que ele ressalta ao analisar os contextos nos quais
os primatas não humanos mais sofrem: a pobreza dos primatas humanos. “O
denominador comum dessas regiões são os altos níveis de pobreza e
desigualdade, a perda de capital natural devido às demandas do mercado
global, a má gestão, a falta de segurança alimentar e a escassa
alfabetização. Cuidar desses aspectos é uma prioridade para assegurar a
conservação dos primatas”, defende o especialista.
“Os primatas são extremamente importantes para a humanidade. Afinal de contas, são nossos parentes biológicos vivos mais próximos”, diz o estudo
A importância vai muito além da
beleza dos primatas, de sua diversidade e de nossa capacidade de nos
reconhecermos em seu olhar. “Devemos nossa humanidade a uma história
evolutiva compartilhada”, diz Estrada. Numerosos trabalhos recentes
certificam o papel fundamental que estes primatas desempenham em seus
ecossistemas, e protegê-los seria investir no efeito guarda-chuva, pelo
qual salvar uma espécie implica defender muitas outras, porque se mantém
o equilíbrio do ciclo natural do seu entorno.
“Temos
certeza de que em muitos casos a difícil situação dos nossos
companheiros primatas não é conhecida pela comunidade global, incluídos
os Governos locais e nacionais”, afirma o pesquisador, e essa é a razão
pela qual publicaram esse estudo. As últimas frases do artigo científico
são um alerta: “Temos uma última oportunidade de reduzir ou inclusive
eliminar as ameaças humanas aos primatas e seus habitats, de orientar os
esforços de conservação e aumentar a consciência mundial sobre a sua
situação. Os primatas são extremamente importantes para a humanidade.
Afinal de contas, são nossos parentes biológicos vivos mais próximos”.
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