Sistemática Filogenética: conexões biológicas | Capítulo 03: As raízes históricas através do tempo
“De repente, um tubarão-branco jovem com 3 metros de comprimento (Carcharodon carcharias Linnaeus, 1758) eleva à superfície sua nadadeira dorsal em águas tranquilas na costa do Havaí. Estava sangrando e debilitado, com movimentos natatórios letárgicos. O sangue tinha criado um extenso rastro pelo Oceano Pacífico. Um perseguidor robusto e igualmente implacável (o mesmo que o atacou dois dias atrás) estava em seu encalço e se aproximando velozmente: era uma orca fêmea adulta (Orcinus orca Linnaeus, 1758). Ele tinha que pensar rápido.”
Brigas e discussões
Podemos encarar o processo de construção da sistemática ao longo dos séculos através de alguns elementos, como por exemplo a parte descritiva da caracterização dos agrupamentos, tratando-se de uma dimensão que possui menos “arranca-rabo” e menos “complicada” em opiniões entre os pesquisadores (se o é, pode ser solucionado com rapidez).
Tratando-se desse primeiro ponto, a relação descritiva serve de base para a ciência em si, para que seja feita as inferências essenciais sobre a diversidade; e os problemas ligados a isso refere-se as descrições sobre um grupo “A” ou “B” de espécies que estão sendo alvos de estudos. Ou seja, obrigatoriamente o conhecimento descritivo é importante para fomentar uma consistente base de dados para pesquisas presentes e futuras, dentro da sistemática.
Até nessa parte está tudo muito bonito, tudo muito bem. Mas, como se deu a própria “ordenação dos conhecimentos descritvos” ao longo do tempo?
Quais as raízes antigas das discussões e debates sobre a diversidade? Quando mudou o pensamento epistemológico sobre as espécies (e seu processo de criação)? E a partir daí o “pau quebra.”
Viajando no tempo
Muitas dúvidas sobre os quatro problemas categorizados no capítulo anterior da nossa série (se não leu, pare de ler esse aqui e cria vergonha na cara e vai ler o capítulo 02), embriagaram a mente de muitos estudiosos e pesquisadores (dentre muitos você irá conhecer durante essa leitura)… mas só se tiver lido o capítulo 02!!!! Não coloque os bois na frente da carroça!
E
ai? Leu? Bom, muito bom. Vamos continuar então: para começar, é preciso
que você pegue uma máquina do tempo emprestado com algum amigo seu e
então viaje para a Grécia Antiga.
Provavelmente você irá conversar com um filósofo bem famoso que andava
pelas ruas e vielas ladrilhadas e por vezes esburacadas: ”Ἀριστοτέλης.” Ou melhor dizendo: Aristóteles.
Aristóteles (384 a.C. – 322 a.C.) foi considerado o fundador da Zoologia. Ao escrever o livro Historia animalium, ele imaginou uma
forma de organizar os organismos em formato de uma “escada hierárquica
rumo a perfeição”, indo dos vegetais até o ser humano.
A partir dele, você verá lapsos temporais sobre toda a história por trás da sistemática e ainda terá a oportunidade de conhecer todos aqueles que contribuíram para “tentar” sanar as dúvidas circundantes da diversidade biológica.
O “A, B, C” do suíço
Em 1551, o naturalista suíço Conrad Gesner (1516 – 1565) publicou um livro de mesmo nome (Historia animalium),
no qual já tinha feito algo bem parecido com que Linnaeus faria
posteriormente 200 anos depois: com as informações (dados) dos
organismos em mãos, Gesner conferia “certas denominações binominais”, organizando as espécies em forma alfabética e colocando-os bem próximos, julgando assim terem algum grau de parentesco.
O juiz sueco e as regras do jogo
Posteriormente, as obras Systema Naturae e o Species Plantarum deixaram Carolus Linnaeus (1707-1778), um zoólogo, botânico e médico sueco bem “famosinho” na comunidade científica, conferindo-lhe o título de “pai da taxonomia moderna.” As regras primordiais da nomenclatura em si (e que fundamentou os códigos internacionais de nomenclatura das espécies) partiram de suas ideias. Pense em um cara danado!
O Homem-Rocha
Pra dizer que não foi citado, Charles Lyell (1797 – 1875) (um geólogo que se tornou um grande companheiro de Darwin e o influenciou em muitos dos seus estudos sobre a evolução), também teve “dedo grande” nas contribuições sobre a diversidade biológica. Com sua obra Principles of Geology, trouxe à tona a ideia do uniformitarianismo (alterações graduais da superfície terrestre por eventos naturais, como os elementos ligados ao processo de intemperismo). A ideia do escocês “bateu de frente” com o catastrofismo (um hit de sucesso da época), que colocava ações divinas em eventos catastróficos. Darwin com toda a certeza daria “um tiro no pé” se tivesse seguido as ideias catastróficas. Sabe aquela frase “quem avisa amigo é?” Bom, foi mais ou menos isso.
“Fixo” uma pinóia!!!
A partir do final do século XVIII e início do século XIX, particularmente com Jean-Baptiste de Lamarck (1744-1829), começa aparecer claramente o conceito de que as espécies poderiam não ser entidades fixas, questionando pressupostos platônicos e aristotélicos quanto à ontologia das espécies.
“Los Barbudos” da Evolução por Seleção Natural
E falando no “barbudo britânico”, o naturalista inglês Charles Robert Darwin (1809 – 1882) deu uma significativa contribuição com suas ideias e estudos sobre a compreensão da evolução, ao lado de Alfred Wallace (1823 – 1913),
outro barbudo, porém geógrafo – só tem barbudo aqui!), mudaram os
“pinos de boliche” da sistemática, apresentando argumentos sólidos e
amplos sobre as espécies e suas características biológicas, anatômicas,
biogeográficas (dentre outras), assim como o mecanismo promotor dessas
mudanças: a seleção natural.
Nem é preciso falar que a obra A Origem das Espécies (1859) é o que de mais representa esse marco da ciência, mudando ao longo do tempo a cabeça de muita gente (alguns ainda permanecem incrédulos e irredutíveis). A Linnean Society, a sociedade na qual onde os dois apresentaram suas ideias, virou uma grande bagunça intelectual! Muitos
a aceitaram de imediato, outros não reconheceram de prontidão a
revolução científica quando se viu uma. Mas o xeque-mate para a evolução
(a descendência com modificação ao longo do tempo perpetuada pelos organismos, por meio da seleção natural) já tinha sido previsto pelos dois barbudos.
Aquela falta de sorte…
Só faltou os britânicos terem conhecido o Gregor Mendel (1822 – 1884)!!!!
Só isso, pra colocar a cereja do bolo. Naquele tempo, Darwin não
conseguiu de fato apresentar ideias consistentes de como funcionava a
herediariedade dos indivíduos dentro das populações. Somente anos depois
os estudos de hereditariedade descritos e organizados por Mendel deram o suporte necessário para a teoria da Evolução e… opa… mas esse não é nosso assunto principal aqui. Vamos focar, please?
O grito de “Eureka!”
Ernst Haeckel (1834 – 1919) determinou, dentre muitos, a construção de “árvores filogenéticas” para representar o compartilhamento de similaridades entre as espécies, estabeleceu os alicerces do pensamento evolutivo na morfologia e foi aquele que criou muitos termos dos termos utilizados, como por exemplo “filogenia.” Ele também ajudou a popularizar as ideias de Darwin.
Era hora de unir as forças
A partir de 1936, o grupo científico dos Power Rangers (paleontólogos, geneticistas, naturalistas e outros figurões) agregaram e condensaram as ideias evolutivas concebidas por Charles Darwin e os estudos sobre as leis da hereditariedade propostas por Mendel, criando assim o megazord denominado “Teoria Sintética da Evolução” ou “síntese da teoria evolutiva” (e lembre-se: não é “teoria neodarwinista”, como muitos chamam…ai, ai, ai!).
Ela postula que cada população apresenta um determinado conjunto gênico, que pode ser alterado de acordo com fatores evolutivos. O conjunto gênico de uma população é o conjunto de todos os genes presentes nessa população. Assim, quanto maior for o conjunto gênico da população, maior será a variabilidade genética. Em síntese, é nesse sentido.
O que aconteceu aqui foi unir o útil ao agradável: a conciliação entre as ideias darwinianas e mendelianas agregou conhecimentos e suportes suficientes para dar ênfase a uma explicação coerente de como de fato a seleção natural acontecia na natureza (geneticamente falando) e entre as populações de espécies.
Ué…e depois???
Mas, depois daí tudo estagnou. A sistemática não evoluiu e estava com sérios perigos de sumir completamente. “E agora quem poderá me defender?” pensou a sistemática. Então, na década de 60, apareceu o chapolim colorado – e entomólogo alemão – Willi Hennig (1913 –1976) – o salvador da pátria. Agora sim!
Ele criou uma nova escola da sistemática (cladística ou sistemática filogenética) através da sua principal obra Phylogenetic Systematics.
E, a partir dele, o mundo da sistemática e a forma como organizamos os organismos vivos nunca mais foi o mesmo.
“A morte estava perto. O sangramento continuava. O tubarão-branco, em sua fuga, diminua cada vez mais o ritmo. Sua visão falhava e ficava embaçada, já não distinguia o que via a sua frente – e nem o que vinha por trás. Com uma mordida letal, a orca cravou os dentes próximo à nadadeira pélvica do tubarão e o puxou para baixo. As águas se agitaram. Um tingido vermelho-rubro se destacou quase que imediatamente naquela parte do oceano. O grande branco nunca mais foi visto.”
Referências:
- AMORIM, D. S. Fundamentos de sistemática filogenética. Ribeirão Preto: Holos, 2002. 156p.
- CAMPOS, A. M. Coleção pensamento e vida: Darwin e a evolução do Darwinismo. vol. 2. São Paulo: Editora Escala, 2011. 207 p.
- CARVALHO, L. S.; FIGUEIREDO, D. Princípios de sistemática filogenética. Teresina: EDUFPI/UAPI, 2012. 110 p.
- DARWIN, C. R. “A origem das espécies”: a origem das espécies por meio da seleção natural ou a preservação das raças favorecidas na luta pela vida. 1. ed. São Paulo, Editora Martin Claret, 2014. 573 p.
- SMITH, D. Phylogenetic systematics. Journey into Phylogenetic Systematics. Disponível em: < http://www.ucmp.berkeley.edu/clad/clad4.html>. Acesso em: 15 dez. 2018.
Foto de capa: tubarão-branco (Carcharodon carcharias Linnaeus) sob ataque de uma orca (Orcinus orca).
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