Descoberta de pesquisadores brasileiros e
norte-americanos pode mudar a classificação de duas espécies, que
parecem estar mais próximas das águas-vivas do que se pensava (Pachycerianthus magnus; foto: Sérgio Stampar)
Anêmona-de-tubo tem o maior genoma mitocondrial entre os animais
13 de maio de 2019
André Julião | Agência FAPESP – Com apenas 15 centímetros de comprimento, a anêmona-de-tubo Isarachnanthus nocturnus
é a espécie animal com o maior genoma mitocondrial já observado.
Foram
sequenciados, ao todo, 80.923 pares de base – os blocos que compõem o
DNA. Nos humanos, o genoma encontrado na mitocôndria, organela
responsável por gerar energia para a célula, é composto por 17 mil pares
de base.
Os dados são de um artigo publicado recentemente na revista Scientific Reports.
A pesquisa foi coordenada por Sérgio Nascimento Stampar,
professor da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), em Assis. Contou com apoio da FAPESP por meio do
projeto “Evolução e diversidade de Ceriantharia (Cnidaria)”, na modalidade Auxílio Regular, e do programa SPRINT, em convênio com a Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte, nos Estados Unidos.
Como explicou o pesquisador, o genoma mitocondrial é mais simples do
que o nuclear, cujo sequenciamento nessa anêmona-de-tubo ainda não foi
feito. O DNA nuclear humano, por exemplo, é composto por 3 bilhões de
pares de base.
Outra descoberta divulgada no artigo é que a I. nocturnus e a Pachycerianthus magnus
(77.828 pares de base), outra espécie estudada pelo grupo de Assis, têm
genomas lineares como o das águas-vivas (Medusozoa), e não circulares
como o de outras espécies do seu grupo (Anthozoa) e o da maioria dos
animais.
A Isarachnanthus nocturnus é encontrada da costa da Patagônia, na Argentina, até os Estados Unidos, enquanto a Pachycerianthus magnus vive nos mares que circundam a ilha de Taiwan, na Ásia. Ambas habitam águas com no máximo 15 metros de profundidade.
“O tamanho do genoma mitocondrial da I. nocturnus chega a ser
quase cinco vezes maior do que o humano.
Temos a tendência de achar que
somos mais complexos molecularmente, mas na verdade o nosso genoma foi
mais ‘filtrado’ ao longo da evolução. Provavelmente, manter esse genoma
gigante é muito mais custoso em termos de gasto energético”, explicou
Stampar.
Mais surpreendente do que o tamanho do genoma das duas espécies de
anêmona, no entanto, foram o formato e as sequências de genes
encontrados.
Por serem espécies próximas, esperava-se uma sequência parecida de
genes. A americana, no entanto, tem cinco cromossomos, enquanto a
taiwanesa tem oito, com genes totalmente diferentes entre si. Uma
variação antes vista apenas em águas-vivas, esponjas e alguns
crustáceos.
“O DNA mitocondrial humano é mais parecido com o de um peixe ósseo na
organização do que o dessas duas anêmonas-de-tubo entre si”, disse
Stampar.
Litoral paulista e mar da China Meridional
Para chegar aos resultados, os pesquisadores capturaram animais em
São Sebastião, no litoral de São Paulo, e no mar da China Meridional,
onde fica a ilha de Taiwan. O genoma mitocondrial foi sequenciado a
partir de pequenos pedaços dos tentáculos dos animais.
Os genomas das duas espécies disponíveis em bancos de dados até então
eram incompletos, pela grande dificuldade de sequenciá-los. Após a
conclusão do trabalho, os pesquisadores disponibilizaram os genomas no GenBank, banco de dados genéticos mantido pelo National Institutes of Health (NIH), dos Estados Unidos.
Outra dificuldade para fazer o sequenciamento foi o fato de esses
animais serem extremamente difíceis de coletar, por conta de seu
comportamento fugidio. Basta qualquer possível ameaça para que se
escondam dentro do tubo que os diferencia das anêmonas regulares,
tornando impossível a captura.
“É preciso cavar em volta, às vezes até um metro de profundidade, e
tampar a parte do tubo que fica por baixo da areia. Isso tudo debaixo
d’água, carregando equipamento de mergulho. Se não fazemos desse jeito,
ele se esconde na parte soterrada do tubo, o que impossibilita a
coleta”, disse o pesquisador. Graças ao apoio do programa SPRINT da
FAPESP, Stampar e Marymegan Daly, sua colega de pesquisa na Ohio State
University, estabeleceram parceria com Adam Reitzel e seu pós-doutorando
na época, Jason Macrander, da Universidade da Carolina do Norte, em
Charlotte, Estados Unidos. Atualmente, Macrander é professor no Florida
Southern College.
Reitzel e Macrander sãos especializados em técnicas de bioinformática
para filtragem de dados genômicos, ou seja, transformar milhões de
pequenas sequências obtidas no sequenciamento em uma só. Dessa forma,
eles conseguiram montar o genoma mitocondrial completo das duas
espécies.
“É uma técnica em que são sequenciados pedaços do genoma, que vão se
ligando até formarem um círculo. O problema é que isso só funciona com
genomas circulares. Como nunca surgia a peça para fechar esse círculo,
nos demos conta de que só podia ser um genoma linear como o das
águas-vivas”, disse Stampar.
A descoberta abre espaço para uma eventual reclassificação das
espécies dentro dos Cnidários (águas-vivas, anêmonas, medusas e corais).
Aparentemente, as anêmonas-de-tubo estudadas formam um grupo à parte,
independente dos corais e outras anêmonas, e contam com alguma
similaridade com as águas-vivas.
Porém, ainda são necessários mais dados para uma conclusão
definitiva, que pode vir com o sequenciamento do genoma nuclear das
espécies, algo que o grupo de Stampar pretende realizar até o fim deste
ano.
O artigo Linear Mitochondrial Genome in Anthozoa (Cnidaria): A Case Study in Ceriantharia
(doi: 10.1038/s41598-019-42621-z), de Sérgio N. Stampar, Michael B.
Broe, Jason Macrander, Adam M. Reitzel, Mercer R. Brugler e Marymegan
Daly, pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-019-42621-z.
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