sexta-feira, 3 de maio de 2019

Estudo descarta chegada de humanos às Américas pelo Estreito de Bering

Pesquisa aponta que rota só seria 'biologicamente viável' mais de 400 anos após chegada dos primeiros povos; hipótese é de caminho pela orla do Pacífico

Fábio de Castro, O Estado de S. Paulo
10 de agosto de 2016 | 19h55

A principal teoria para explicar como os humanos chegaram às Américas é inviável do ponto de vista biológico, de acordo com um novo estudo realizado por um grupo internacional de cientistas e publicado nesta quarta-feira, 10, na revista Nature.

Por muito tempo, a ciência considerou que a rota mais provável das populações que saíram da Sibéria e chegaram ao atual Alasca para se espalharem pelo continente americano, há pelo menos 13 mil anos, teria sido uma ponte terrestre que ligava a Ásia à América do Norte, onde hoje fica o Estreito de Bering. 
Migração
Com o baixo nível do mar na Era do Gelo, a Ásia e a América do Norte (áreas em cinza) eram ligadas por uma ponte terrestre. O estudo mostra que a travessia pelo corredor (seta vermelha) existente entre dois mantos de gelo intransponíveis (em branco) só se tornou viável há 12,6 mil anos. Mas a migração pode ter sido feita pelo litoral há mais de 14,7 mil anos (seta amarela). Foto: Mikkel Winther Pedersen
Com a última glaciação chegando ao fim, a retração de duas enormes geleiras que cobriam essa área teria formado um corredor - na região oeste do atual Canadá -, que teria permitido a passagem dos povos asiáticos, antes que a elevação do nível do mar deixasse o caminho submerso, formando o Mar de Bering.

O novo estudo, no entanto, aponta que o corredor entre as geleiras, formado há 15 mil anos, não poderia ter sido atravessado antes de 12,6 mil anos atrás, já que não era colonizado por plantas e animais, impossibilitando a longa viagem migratória. A conclusão da pesquisa é que esse não foi o caminho dos primeiros povos que chegaram à América, já que existem vestígios que confirmam a presença humana no continente há pelo menos 13 mil anos.

De acordo com os autores do estudo, coordenado por Eske Willerslev, da Universidade de Copenhague (Dinamarca), a hipótese mais plausível agora é que os povos da Ásia tenham migrado para a América viajando ao longo da costa do Oceano Pacífico - pela orla, ou por mar. Além dos pesquisadores dinamarqueses, o grupo inclui cientistas do Canadá, Reino Unido e Estados Unidos. 
"Embora o corredor físico já estivesse aberto há 13 mil anos, apenas vários séculos depois tornou-se possível usá-lo como passagem. Isso significa que os primeiros povos a entrar nas Américas devem ter tomado uma rota diferente. Eles simplesmente não poderiam passar pelo corredor, como foi alegado por muito tempo", declarou Willerslev.
Migração
Cientistas preparam a coleta dos testemunhos de gelo nos sedimentos sob um lago no Canadá, na região onde existiu o corredor por onde teriam passado os primeiros habitantes das Américas. Analisando o DNA encontrado, eles descobriram que só apareceram plantas e animais na região há 12,6 mil anos. Foto: Mikkel Winther Pedersen
"O que ninguém havia estudado até agora é quando o corredor se tornou biologicamente viável. Sem plantas e animais disponíveis, como eles poderiam ter sobrevivido à longa e difícil viagem por aquele caminho?", disse Willerslev. O cientista afirmou, no entanto, que a passagem pode ter sido usada mais tarde, em migrações mais recentes. 

Análise genética. Para descobrir que não existiam plantas ou animais no corredor por onde teria passado a onda migratória, os cientistas analisaram os sedimentos no fundo dos lagos Charlie e Spring, nas províncias de British Columbia e Alberta, no Canadá. As duas regiões são as últimas áreas do corredor a terem ficado livres do gelo que o bloqueava.

A partir dos sedimentos locais, os cientistas conseguiram reconstruir a história do ambiente local, analisando o DNA de animais e plantas que viveram ali no passado. A análise demonstrou que a paisagem só começou a ser colonizada por vegetação há 12,6 mil anos. Só a partir de então começaram a aparecer animais, incluindo bisões e mamutes, que foram essenciais na dieta dos caçadores que migraram para as Américas.
 
Com a hipótese da migração pelo corredor descartada, os cientistas acreditam que o caminho mais provável para os primeiros colonizadores das Américas tenha sido uma travessia ao longo da orla do Oceano Pacífico, caminhando pelas margens livres de gelo e expostas pelos baixos níveis do mar naquela época, ou por navegação costeira. 

A hipótese, no entanto, será de difícil confirmação, porque as linhas costeiras da América do Norte naquela época foram inundadas com a elevação do nível do mar, após o fim da última glaciação, deixando as evidências arqueológicas submersas.

https://ciencia.estadao.com.br/noticias/geral,estudo-descarta-chegada-de-humanos-as-americas-pelo-estreito-de-bering,10000068506

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