É
mesmo inacreditável que, após 160 anos do lançamento do livro “A Origem
das Espécies por Meio da Seleção Natural” de Charles Darwin (1859),
ainda existam aqueles que rejeitam a evolução biológica. Mas a não
aceitação de grandes ideias, no entanto, não foi privilégio de Darwin, e
não foi incomum no passado quando as ciências naturais ainda
estabeleciam suas bases teóricas sem grandes aparatos tecnológicos. Na
segunda metade do século 19, rejeitaram os estudos de Huxley sobre as
afinidades reptilianas das aves e sua origem a partir de um ramo dos
dinossauros. O fato de que os continentes estiveram unidos no passado,
publicado em 1915 por Alfred Wegener, experimentou décadas de rejeição. E
tantos outros…
Fenômenos naturais, como o da evolução biológica e
o do movimento dos continentes, não são perceptíveis porque são
insuportavelmente lentos e ultrapassam os limites de várias vidas.
Algumas vezes excedem, até mesmo, o tempo de existência de toda a
humanidade para serem percebidos. Quem, por exemplo, percebe que a
América do Sul se afastou da África cerca de um metro e meio no decorrer
dos últimos 50 anos?
Mas
por outro lado, sabemos que algumas espécies de aves estão mudando a
coloração de suas penas, que cardumes de salmão estão migrando mais
cedo, e que ratos estão se tornando imunes a venenos. É a Terra em
movimento e a vida em evolução! Mas, quem liga?
O fato é que se
não os vemos acontecendo, preferimos duvidar. É como não aceitar a
passagem do tempo porque não percebemos o ponteiro das horas em
movimento. Mas espere alguns minutos e verá a mudança. Aguarde alguns
milhões de anos e entenderá que os continentes mudaram de posição e a
evolução transformou as espécies.
A revelação nas rochas
Desde
a época de Darwin os naturalistas aprenderam a olhar para as rochas,
onde fatias de tempo ficaram preservadas. Nelas, a evolução biológica é
definitivamente percebida porque, através dos fósseis, podemos
acompanhar as mudanças na anatomia de animais e plantas ao longo de um
imenso intervalo. É o que a paleontologia nos mostra em rochas da
América do Norte nos últimos 50 milhões de anos. Em rochas acumuladas
durante esse longo intervalo, quando o clima mudou gradativamente de
quente e úmido para frio e seco, vemos em uma longa série de fósseis a
transformação gradual de pequenos cavalos com quatro dedos nas patas,
que viviam em florestas, para enormes animais que ainda hoje galopam nos
campos apoiados em um único dedo de cada pata.
Série transicional parcial em cavalos fósseis nos últimos 50 milhões de anos.
Na
Ásia, a seleção natural empurrou para as águas os descendentes de
pequenos mamíferos quadrúpedes que gostavam de coletar peixes em rios e
lagos há 55 milhões de anos. Fósseis de ao menos uma dúzia de cetáceos
mostram a transição gradual até a origem das baleias e dos golfinhos
atuais. Patas traseiras se tornaram vestigiais ou sumiram, e patas
dianteiras foram transformadas em grandes nadadeiras. As narinas
deixaram gradativamente a ponta do focinho em direção ao topo da cabeça,
atrás dos olhos.
No Brasil, uma série de fósseis recém-descoberta
mostra pequeninos dinossauros caçadores de lagartos e insetos
gradativamente mudando a dentição para se alimentar de vegetais, e seus
pescoços e caudas dobrando de tamanho. Eles são as raízes dos
dinossauros saurópodes, os imensos pescoçudos, os maiores animais que já
habitaram os continentes.
Dinossauros triássicos descobertos no Brasil (destacados).
Transição para os grandes saurópodes em todo o mundo.
A
união, no passado distante, dos continentes que hoje conhecemos também é
notável, por exemplo, no perfeito encaixe entre a América do Sul e
África, bem como nos fósseis encontrados nas rochas de um lado e de
outro do Atlântico. Austrália e Antártica também se encaixam
perfeitamente. Repare também como o litoral noroeste da África se
acomoda à costa leste da América do Norte. E o que dizer da Índia que
deixou a Antártica próxima ao Polo Sul 100 milhões de anos atrás, e
atravessou o Oceano Índico até a grande colisão que ainda hoje levanta a
Cordilheira do Himalaia?
Encaixes perfeitos atestam a união dos continentes milhões de anos no passado.
A
geologia e a biologia avançaram e, por isso, hoje percebemos que a
Terra e a vida sempre estiveram em evolução. O tempo é fundamental, e a
ciência é a maior conquista da cultura humana.
Cegueira espiritual
Mas,
diferente da corriqueira falta de acesso ao conhecimento, o
entendimento de fenômenos naturais enfrenta também uma dificuldade de
outra natureza, em especial entre grupos religiosos. Para alguns, fatos
como a evolução biológica e o movimento dos continentes são abomináveis,
quando não os próprios cientistas.
“Mexeu com a idade da Terra e com a criação de Adão e Eva, mexeu com Deus!”
O
criacionismo nasceu da rejeição à ciência, da falta de entendimento dos
textos bíblicos e na busca por explicações dos fenômenos naturais.
Usando, em especial, os dois primeiros capítulos do livro de Gênesis, e
versículos no velho e novo testamentos, criacionistas tentam explicar o
que nem mesmo era a intenção de Moisés, de outros profetas e dos
apóstolos.
O fato é que a maioria dos cristãos vive apavorada com
as promessas de terríveis castigos determinados àqueles que
“desobedecerem à palavra de Deus”. Como desconhecem o sentido das
metáforas, preferem não arriscar, e entendem as escrituras ao pé da
letra: “Deus criou tudo, incluindo Adão e Eva, nos sete primeiros
dias.”. Para a idade da Terra, seguem as genealogias descritas na bíblia
e interpretadas pelo arcebispo James Usher: “A Terra foi criada no dia
23 de outubro de 4004 a.C., e completará em 2019 6.023 anos de idade.”.
Já os grandes dinossauros e todas as outras criaturas extintas morreram e
foram soterrados no dilúvio. Sobre a organização estratigráfica dos
fósseis, isto é, seu empilhamento lógico e ordenado nas sucessivas
camadas de rochas; e os grandes eventos de explosão de diversidade
seguidos à terríveis extinções em massa, preferem não comentar. E por aí
vão.
Para a origem do homem moderno, a ideia que mais os
preocupa, a evolução parece ter atuado com sarcasmo. Não temos para quem
olhar ainda vivos à nossa volta. Dezenas de nossos ancestrais imediatos
desapareceram até suas mais antigas raízes humanas fincadas há sete
milhões de anos na África. Cerca de 1,8 milhão de anos atrás, meia dúzia
de hominídeos viviam na África. Seria mais simples acreditar no
parentesco entre as espécies e nas ideias da teoria da evolução
biológica. O que restou está anatomicamente mais distante de nós. Por
isso olhamos para o chimpanzé com desconfiança. Separados em linhagens
distintas por sete milhões de anos, acumulamos diferenças na morfologia e
nos hábitos que repelem alguns a aceitar nosso parentesco.
Mas
temos os fósseis. A série de transições observadas na anatomia craniana,
axial e dos membros na intrincada árvore humana, desde que
Sahelanthropus tchadensis deu
seus primeiros passos na savana como um primata bípede sete milhões de
anos atrás, é reveladora. Mudanças alimentares estão registradas nas
variações anatômicas observadas nos dentes e nas mandíbulas. A transição
das árvores para o chão é nítida nas modificações radicais dos membros e
da cintura. O volume cerebral cresceu à medida que evidências indicam o
crescimento na complexidade social, na busca sofisticada por alimento,
no domínio do fogo e na comunicação por meio de símbolos. É impossível
rejeitar a evolução, bem como a imensa idade da Terra.
O
trabalho dos cientistas é brilhante, pois buscam a verdade de forma
honesta e aberta. Já os criacionistas se perderam dos propósitos
originais de Deus e da bíblia, tornando-se piores que Tomé, pois cegados
pela infâmia em que se meteram, negando a evolução, nem mesmo podem ver
para crer.
Fonte: https://ciencia.estadao.com.br/blogs/dinossauros/fosseis-transicionais-evolucao-biologica-e-a-infamia-do-criacionismo/?fbclid=IwAR1tgdFUSbf4McLlD2SXYEe0LKKBEGd1K4Q5-Vz_ZIL7G-ed1ksHfxBJ-bM em 15 de maio.
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