Mudança climática pode alterar relações simbióticas entre microrganismos e árvores
24 de maio de 2019
Elton Alisson | Agência FAPESP – No solo das
florestas, algumas espécies de fungos e de bactérias se associam a
raízes de árvores para crescerem juntas, de modo a obterem benefícios
mútuos. Os microrganismos auxiliam as plantas a absorver água e
nutrientes do solo, a sequestrar carbono e a resistir aos efeitos das
mudanças climáticas. Em troca, recebem carboidratos essenciais para seu
desenvolvimento, produzidos pelas plantas durante a fotossíntese.
Uma colaboração de mais de 200 cientistas de diversos países,
incluindo 13 de diferentes regiões do Brasil, mapeou a distribuição
global dessas associações entre organismos de espécies diferentes
(simbioses), fundamentais para o funcionamento dos ecossistemas
florestais. Com base nesse mapeamento foi possível identificar fatores
que determinam onde diferentes tipos de simbioses podem surgir e estimar
os impactos das mudanças climáticas nessas relações simbióticas e,
consequentemente, no crescimento das árvores nas florestas.
Mapeamento feito por consórcio internacional
revela como estão distribuídas no globo essas associações entre espécies
fundamentais para os ecossistemas florestais. Estudo foi destaque na
capa da Nature
Se as emissões de dióxido de carbono (CO2) continuarem inalteradas
até 2070, pode ocorrer uma redução de 10% nas espécies de árvores que se
associam a um tipo de fungo encontrado principalmente em regiões mais
frias do planeta, estimaram os pesquisadores.
O trabalho, destacado na capa da revista Nature, contou com a participação de Carlos Joly e de Simone Aparecida Vieira,
ambos professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e
membros da coordenação do Programa de Pesquisas em Caracterização,
Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA-FAPESP).
“Já se sabia que a associação entre microrganismos e raízes é
fundamental para alguns grupos de árvores conseguirem se estabelecer em
regiões em que o solo é muito pobre e os nutrientes são liberados
lentamente pela decomposição de matéria orgânica. O mapeamento permite
entender como essas relações estão distribuídas no planeta e os fatores
que as definem”, disse Vieira à Agência FAPESP.
Os pesquisadores se concentraram em mapear três dos tipos mais comuns
de simbioses: fungos micorrízicos arbusculares, fungos ectomicorrízicos
e bactérias fixadoras de nitrogênios. Cada uma dessas interações
engloba milhares de espécies de fungos ou bactérias, que formam
parcerias únicas com diferentes espécies de árvores.
Há 30 anos, o botânico inglês David Read, professor da University of
Sheffield, da Inglaterra, e pioneiro nas pesquisas sobre simbioses,
desenhou mapas de lugares no mundo onde achava que poderiam ser
encontrados diferentes fungos simbióticos, com base nos nutrientes que
exploram para permitir o crescimento das plantas.
Os fungos ectomicorrízicos, por exemplo, obtêm nitrogênio para as
árvores diretamente de matéria orgânica, como folhas em decomposição.
Por isso, Read propôs que esses microrganismos seriam mais bem-sucedidos
em florestas com climas sazonais, mais frios e secos, onde a
decomposição em razão da temperatura e umidade é mais lenta e a
serrapilheira – camada de restos de plantas – é abundante.
Os fungos micorrízicos arbusculares, por sua vez, seriam dominantes
nas florestas tropicais, nas quais o crescimento das árvores é limitado
pelo fósforo do solo e nos quais os climas sazonais quentes e úmidos
aumentam a decomposição.
Mais recentemente, um estudo feito por outro grupo de pesquisadores
estimou que as bactérias fixadoras de nitrogênio seriam mais abundantes
em biomas áridos, com solos alcalinos e altas temperaturas máximas.
Essas hipóteses puderam ser testadas, agora, com a coleta de dados de
um grande número de árvores, em diversas partes do planeta, reunidos
pela Global Forest Biodiversity Initiative (GFBI) – um consórcio internacional de cientistas florestais.
O consórcio é integrado, além de Joly e Vieira, por Pedro Henrique Santin Brancalion e Ricardo Gomes César, ambos da Universidade de São Paulo (USP), Gabriel Dalla Colletta,
da Unicamp, Daniel Piotto, da Universidade Federal do Sul da Bahia
(UFSB), André Luis de Gasper, da Universidade Regional de Blumenau
(FURB), Jorcely Barroso e Marcos Silveira, da Universidade Federal do
Acre (UFAC), Iêda Amaral e Maria Teresa Piedade, do Instituto Nacional
de Pesquisas da Amazônia (Inpa), Beatriz Schwantes Marimon, da
Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat), e Alexandre Fadigas de Souza, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
Nos últimos anos, os pesquisadores ligados ao GFBI fizeram
inventários de mais de 1,1 milhão de parcelas permanentes de florestas,
que abrangem 28 mil espécies de árvores, de mais de 70 países, situadas
em todos os continentes, à exceção da Antártida.
Os inventários reúnem informações, como a composição do solo, a
topografia, a temperatura e a evolução do carbono fixado nessas parcelas
permanentes de florestas ao longo de grandes períodos de tempo.
“As parcelas inventariadas por pesquisadores ligados ao BIOTA-FAPESP
estão situadas na Mata Atlântica e incluem regiões do litoral norte do
Estado de São Paulo, como Caraguatatuba, Picinguaba, Cunha e Santa
Virgínia, e Carlos Botelho e Ilha do Cardoso, no litoral sul”, disse
Joly. “Também inventariamos um conjunto expressivo de parcelas na
Amazônia por meio de projetos em colaboração com outros grupos."
A partir desse conjunto de inventários, os pesquisadores conseguiram
estimar a localização de 31 milhões de árvores espalhadas pelo mundo,
assim como os fungos ou as bactérias simbióticos associadas a elas. Por
meio de um programa de computador (algoritmo), foi possível determinar
como diferentes variáveis relacionadas ao clima, química do solo,
vegetação e topografia influenciam a prevalência de cada simbiose.
Os resultados das análises sugeriram que variáveis climáticas
associadas à decomposição da matéria orgânica, como a temperatura e a
umidade, são os principais fatores que influenciam as simbioses de
fungos micorrízicos arbusculares e ectomicorrízicos. Já as simbioses de
bactérias fixadoras de nitrogênio são provavelmente limitadas pela
temperatura e acidez do solo.
“Qualquer mudança que possa ocorrer no clima no hemisfério norte pode
deslocar os fungos ectomicorrízicos para outras regiões e ocorrer a
perda ou uma diminuição muito grande da densidade dessas relações
simbióticas”, disse Vieira.
“Isso pode afetar a ciclagem de nutrientes e, principalmente, a
fixação de carbono, que depende dessa associação simbiótica para que a
vegetação das florestas possa absorver nutrientes pouco disponíveis ou
que não estão na forma de que necessitam”, afirmou.
Efeito das mudanças climáticas
A fim de estimar a vulnerabilidade dos padrões globais de simbiose às
mudanças climáticas, os pesquisadores usaram o mapeamento para prever
como poderiam mudar até 2070, se as emissões de dióxido de carbono
continuarem inalteradas.
As projeções indicaram uma redução de 10% dos fungos ectomicorrízicos
e, consequentemente, da abundância de árvores associadas a esses fungos
– que correspondem a 60% das árvores.
Os pesquisadores alertam que essa perda poderia levar a mais CO2 na
atmosfera, porque esses fungos tendem a aumentar a quantidade de carbono
armazenado no solo.
“O CO2 limita a fotossíntese e, em princípio, seu aumento na
atmosfera pode ter efeito fertilizante. As espécies de plantas que
crescem mais rápido talvez consigam aproveitar melhor esse aumento da
disponibilidade de CO2 na atmosfera do que aquelas que crescem mais
lentamente. Dessa forma, poderíamos ter uma seleção de espécies. Mas
ainda não há resposta para essa pergunta”, disse Joly.
Outra pergunta que os pesquisadores têm buscado responder é qual
seria o impacto da interação do aumento da disponibilidade de CO2 na
atmosfera com a elevação da temperatura do planeta no desenvolvimento
das plantas. Com o aumento da temperatura as plantas terão que gastar
mais recursos com a respiração, que aumentará mais do que a taxa de
fotossíntese. O saldo desse balanço no crescimento da vegetação ainda
não está claro, afirmam os pesquisadores.
“Essas questões, que dizem respeito às florestas tropicais, ainda
estão em aberto. O monitoramento contínuo de parcelas permanentes de
florestas vai nos ajudar a respondê-las”, disse Joly.
O artigo Climatic controls of decomposition drive the global biogeography of forest-tree symbioses
(DOI: 10.1038/s41586-019-1128-0), de B. S. Steidinger, T. W. Crowther,
J. Liang, M. E. Van Nuland, G. D. A. Werner, P. B. Reich, G. Nabuurs, S.
de-Miguel, M. Zhou, N. Picard, B. Herault, X. Zhao, C. Zhang, D. Routh,
GFBI consortium e K. G. Peay, pode ser lido na revista Nature em www.nature.com/articles/s41586-019-1128-0.
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