Pesquisadores identificam genes associados à longevidade de papagaio-verdadeiro
Mutações genéticas ao longo do processo evolutivo permitiriam a essas aves viver até 80 anos
Papagaios
têm muito mais do que uma plumagem colorida. Como os seres humanos,
possuem cérebros grandes em relação ao tamanho do corpo, com alta
densidade de neurônios. Isso lhes permite vocalizar sílabas e articular
palavras mais complexas, além de desenvolver várias habilidades
cognitivas. Também chamam atenção pela longevidade: podem viver décadas.
Há muito essas características intrigam os pesquisadores. Suas bases
genéticas, no entanto, nunca haviam sido identificadas. Essa questão
agora parece ter sido esclarecida por uma equipe de pesquisadores
brasileiros e norte-americanos coordenada pelo neurobiólogo brasileiro
Cláudio Vianna de Mello, professor da Universidade de Saúde e Ciência do
Oregon, nos Estados Unidos. Em um estudo publicado nesta quinta-feira
(06/12), na revista Current Biology, o grupo descreve o
sequenciamento completo do genoma do papagaio-verdadeiro, uma das aves
mais famosas da América Latina, e a identificação de genes que podem
estar associados à sua vida longa, além de modificações em regiões
regulatórias de genes que controlam o desenvolvimento do cérebro e a
capacidade cognitiva desses animais.
O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva)
exibe um colorido contrastante único. As fêmeas adultas ostentam uma
plumagem vermelho-alaranjado com um fino anel externo avermelhado na
íris. Nos machos, de bico negro, esse detalhe é amarelo-alaranjado. Com
cerca de 35 centímetros de comprimento e peso médio de 400 gramas,
vivem, em média, 60 anos — mas alguns alcançam até oito décadas de vida.
“Esses animais apresentam uma longevidade única”, explica Mello.
“Levando em conta o seu tamanho, era para viverem aproximadamente 20
anos.” Isso porque a expectativa média de vida das aves, e dos animais,
em geral, está associada às dimensões de cada espécie. Quanto maior o
animal, mais ele vive. Isso, porém, não se aplica aos papagaios, que
podem viver até três vezes mais do que se esperaria baseado em seu
tamanho.
Para
investigar as origens da resistência e longevidade desses papagaios, a
equipe de Mello sequenciou o seu genoma, comparando-o, em seguida, com
os de outras 30 espécies de aves disponíveis em bancos de dados
genômicos. “A ideia era verificar diferenças e semelhanças entre o
genoma dos papagaios-verdadeiros e o de outras aves longevas, como a
araracanga [Ara macao], que vive, em média, entre 40 e 60 anos,
ou cuja longevidade correspondesse ao esperado baseado no tamanho”,
esclarece Mello, que coordenou uma equipe de pesquisadores de diversas
instituições de pesquisa, entre elas as universidades federais do Rio de
Janeiro (UFRJ) e do Pará (UFPA), e o Laboratório Nacional de Computação
Científica (LLCC). Os pesquisadores identificaram características
genômicas únicas dos papagaios e de outras aves longevas, incluindo
modificações em pelo menos 300 genes potencialmente capazes de
influenciar os mecanismos de longevidade desses animais.
Um deles é o gene TERT,
que codifica uma proteína que faz parte de uma enzima chamada
telomerase, que protege os telômeros. De modo semelhante ao plástico na
ponta dos cadarços, essas estruturas recobrem as extremidades dos
cromossomos, os pacotes de DNA enovelado. Mello explica que a função da
telomerase é impedir que os cromossomos se deteriorem durante o processo
de divisão celular. “Há algum tempo a redução no tamanho dos telômeros é
interpretada como um indicador do processo de envelhecimento celular,
um sinal de degradação biológica”, explica. “No entanto, nossas
observações sugerem que o TERT, ao longo do processo evolutivo,
sofreu mutações que alteraram sua atividade, de modo que a telomerase,
nesses papagaios, seria mais ativa, retardando o processo de
envelhecimento celular. Isso contribuiria para a manutenção de sua
longevidade.”
A
equipe coordenada por Mello também identificou mutações em genes
associados a mecanismos de reparo no DNA, controle de proliferação
celular, proteção a estresse oxidativo do sistema imune, entre outros,
os quais podem ter um papel na manutenção da longevidade aumentada. No
estudo, eles destacam, ainda, a identificação de regiões de DNA
divergentes do padrão encontrado em outras aves longevas, nas regiões
regulatórias de genes envolvidos no desenvolvimento do cérebro e em
aspectos da função cerebral, e que podem estar associados ao aumento do
cérebro e da capacidade cognitiva dos papagaios.
Artigo científico
WIRTHLIN, M. et al. Parrot genomes and the evolution of heightened longevity and cognition. Current Biology. v. 28, p. 1–8, dez. 2018.
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