segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Pesquisadores identificam genes associados à longevidade de papagaio-verdadeiro

Mutações genéticas ao longo do processo evolutivo permitiriam a essas aves viver até 80 anos
Papagaio-verdadeiro em ninho no Pantanal, no Mato Grosso do Sul
Glaucia Seixas
Papagaios têm muito mais do que uma plumagem colorida. Como os seres humanos, possuem cérebros grandes em relação ao tamanho do corpo, com alta densidade de neurônios. Isso lhes permite vocalizar sílabas e articular palavras mais complexas, além de desenvolver várias habilidades cognitivas. Também chamam atenção pela longevidade: podem viver décadas. Há muito essas características intrigam os pesquisadores. Suas bases genéticas, no entanto, nunca haviam sido identificadas. Essa questão agora parece ter sido esclarecida por uma equipe de pesquisadores brasileiros e norte-americanos coordenada pelo neurobiólogo brasileiro Cláudio Vianna de Mello, professor da Universidade de Saúde e Ciência do Oregon, nos Estados Unidos. Em um estudo publicado nesta quinta-feira (06/12), na revista Current Biology, o grupo descreve o sequenciamento completo do genoma do papagaio-verdadeiro, uma das aves mais famosas da América Latina, e a identificação de genes que podem estar associados à sua vida longa, além de modificações em regiões regulatórias de genes que controlam o desenvolvimento do cérebro e a capacidade cognitiva desses animais.

O papagaio-verdadeiro (Amazona aestiva) exibe um colorido contrastante único. As fêmeas adultas ostentam uma plumagem vermelho-alaranjado com um fino anel externo avermelhado na íris. Nos machos, de bico negro, esse detalhe é amarelo-alaranjado. Com cerca de 35 centímetros de comprimento e peso médio de 400 gramas, vivem, em média, 60 anos — mas alguns alcançam até oito décadas de vida. “Esses animais apresentam uma longevidade única”, explica Mello. “Levando em conta o seu tamanho, era para viverem aproximadamente 20 anos.” Isso porque a expectativa média de vida das aves, e dos animais, em geral, está associada às dimensões de cada espécie. Quanto maior o animal, mais ele vive. Isso, porém, não se aplica aos papagaios, que podem viver até três vezes mais do que se esperaria baseado em seu tamanho.
Casal de papagaio-verdadeiro no Cerrado do Mato Grosso do Sul. Glaucia Seixas

Para investigar as origens da resistência e longevidade desses papagaios, a equipe de Mello sequenciou o seu genoma, comparando-o, em seguida, com os de outras 30 espécies de aves disponíveis em bancos de dados genômicos. “A ideia era verificar diferenças e semelhanças entre o genoma dos papagaios-verdadeiros e o de outras aves longevas, como a araracanga [Ara macao], que vive, em média, entre 40 e 60 anos, ou cuja longevidade correspondesse ao esperado baseado no tamanho”, esclarece Mello, que coordenou uma equipe de pesquisadores de diversas instituições de pesquisa, entre elas as universidades federais do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Pará (UFPA), e o Laboratório Nacional de Computação Científica (LLCC). Os pesquisadores identificaram características genômicas únicas dos papagaios e de outras aves longevas, incluindo modificações em pelo menos 300 genes potencialmente capazes de influenciar os mecanismos de longevidade desses animais.

Um deles é o gene TERT, que codifica uma proteína que faz parte de uma enzima chamada telomerase, que protege os telômeros. De modo semelhante ao plástico na ponta dos cadarços, essas estruturas recobrem as extremidades dos cromossomos, os pacotes de DNA enovelado. Mello explica que a função da telomerase é impedir que os cromossomos se deteriorem durante o processo de divisão celular. “Há algum tempo a redução no tamanho dos telômeros é interpretada como um indicador do processo de envelhecimento celular, um sinal de degradação biológica”, explica. “No entanto, nossas observações sugerem que o TERT, ao longo do processo evolutivo, sofreu mutações que alteraram sua atividade, de modo que a telomerase, nesses papagaios, seria mais ativa, retardando o processo de envelhecimento celular. Isso contribuiria para a manutenção de sua longevidade.”
Os machos adultos ostentam um fino anel externo amarelo-alaranjado na íris, além do bico negroGlaucia Seixas

A equipe coordenada por Mello também identificou mutações em genes associados a mecanismos de reparo no DNA, controle de proliferação celular, proteção a estresse oxidativo do sistema imune, entre outros, os quais podem ter um papel na manutenção da longevidade aumentada. No estudo, eles destacam, ainda, a identificação de regiões de DNA divergentes do padrão encontrado em outras aves longevas, nas regiões regulatórias de genes envolvidos no desenvolvimento do cérebro e em aspectos da função cerebral, e que podem estar associados ao aumento do cérebro e da capacidade cognitiva dos papagaios.

Artigo científico
 
WIRTHLIN, M. et al. Parrot genomes and the evolution of heightened longevity and cognition. Current Biology. v. 28, p. 1–8, dez. 2018.

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