Tecnologia ajuda a traçar expansão dos idiomas indo-europeus e a preservar línguas indígenas
06 de dezembro de 2018
André Julião | Agência FAPESP – Unir dados
genéticos e de linguística para atingir uma estimativa mais precisa da
expansão dos idiomas indo-europeus pela Europa. O grupo do pesquisador
Paul Heggarty, do Instituto Max Planck da Ciência da História Humana,
conseguiu esse feito cruzando por meio de computação amostras de DNA de
populações antigas a dados dos idiomas atuais.
O resultado foi uma nova estimativa para o começo da expansão das línguas indo-europeias, estimado agora em 8,2 mil anos atrás.
“Há duas principais hipóteses, que propõem linhas do tempo diferentes
[para a expansão dos primeiros falantes da língua que deu origem aos
idiomas indo-europeus]. Uma de que teria ocorrido cerca de 6 mil anos
atrás, outra de 8,5 mil ou mais. Nossa análise mostrou que em torno de
8,2 mil anos é a melhor estimativa possível agora, e que 6 mil anos
atrás seria um pouco recente demais”, disse Heggarty em palestra no dia
28 de novembro no Frontiers of Science Symposium FAPESP Max Planck, organizado pelo Instituto Max Planck e pela FAPESP.
Apesar do uso da computação para cruzar extensos bancos de dados, o
pesquisador enfatizou a importância do trabalho que precisa ser feito
para obter os melhores dados linguísticos, para só então poder cruzá-los
com dados genéticos que comparam o perfil genético das populações
atuais com o das pré-históricas.
“A análise computacional se baseia primeiramente em linguística,
treinar pessoas trabalhando nessas línguas para entendê-las junto com os
dados sobre elas. E então é preciso converter esses dados em um formato
que a análise computacional possa usar. Você não pode apenas começar
com os computadores, tem que começar com a linguística”, disse Heggarty à
Agência FAPESP.
A base no trabalho de campo é o que conduz as pesquisas de outra linguista. Filomena Sandalo,
professora do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade
Estadual de Campinas (IEL-Unicamp), é responsável pelo Projeto Temático “Fronteiras e Assimetrias em Fonologia e Morfologia”
e está elaborando uma base de dados on-line que armazena narrativas e
arquivos sonoros com anotações morfológicas e sintáticas das línguas
indígenas do Brasil, disponível no endereço: http://www.tycho.iel.unicamp.br.
Sandalo apresentou o trabalho feito com o povo Pirahã do Amazonas, em
que usou metodologias da psicologia experimental para verificar a
teoria do linguista Daniel Everett segundo a qual a língua desse povo
não teria recursividade indireta.
“Everett diz que a língua dos Pirahã não tem recursos para fazer
frases subordinadas, relativas, qualquer tipo de subordinação. Então,
não seria, segundo esta hipótese, possível dizer, por exemplo: a xícara
está em cima do pires que está em cima da mesa. Nosso experimento mostra
que isso é tão possível quanto no português”, disse Sandalo.
“Eles têm uma partícula que marca coordenação, enquanto nós marcamos a
subordinação por uma partícula. Na coordenação eles empregam ‘piai’,
equivalente ao ‘também’ do português. Esta partícula não ocorreu ao
pedirmos frases subordinadas. Em pirahã, a construção coordenada seria
‘xícara em cima pires também em cima mesa’. Na subordinada não ocorre
partícula alguma. Há, portanto, um contraste. É só uma outra forma de
falar, mas a capacidade cognitiva é a mesma que a nossa, o que não é
surpreendente”, disse a pesquisadora (leia mais em: http://revistapesquisa.fapesp.br/2018/11/19/pela-sobrevivencia-das-linguas-indigenas/).
Genes, línguas e carbono 14
Heggarty explicou que para estudar a expansão de uma cultura por meio
das línguas faladas atualmente é preciso reconstruir uma árvore de
descendência dessas e trabalhar com as estruturas que mostram quais são
mais próximas uma da outra.
“As diferenças entre as línguas aumentam ao longo do tempo, então
pode-se usar os níveis de diferença [entre elas] para pensar no tempo
pelos quais elas divergem e então inferir a pré-história”, disse.
Essas informações então podem ser agregadas a outras relativas a
amostras de DNA de restos humanos antigos e de artefatos encontrados em
sítios arqueológicos.
“Pode-se ver, nesse cruzamento, que as pessoas de um lugar migraram
para outro, porque elas falam línguas aparentadas mesmo vivendo a 2 mil
quilômetros de distância. E pelo DNA antigo, vê-se um perfil genético
particular que se move de uma parte do mundo para outra”, disse o
pesquisador.
No entanto, o DNA não explica tudo. Basta pensar que as línguas são
espalhadas por meio da dominação cultural, não necessariamente genética.
“Falantes de línguas indo-europeias têm perfis genéticos bem
diferentes. No mundo moderno há vários casos em que línguas se espalham e
são aprendidas. Uma das línguas mais faladas hoje na Índia, por
exemplo, é o inglês. E geneticamente esse povo não é europeu, mas eles
falam a língua”, disse Heggarty.
“Na América do Sul é o mesmo. O Brasil tem todo um conjunto diferente
de origens étnicas, mas a língua oficial é o português. Então, línguas
podem se espalhar culturalmente”, disse.
Britânico vivendo na Alemanha, Heggarty se coloca como um exemplo
vivo desse processo. “Meu sobrenome é celta, mas eu falo uma língua
germânica. Isso porque, três gerações atrás, meus bisavós pararam de
falar irlandês e começaram a falar inglês. Eu sou um caso de desencontro
entre minha linhagem germânica de linguagem, que é o inglês, e minha
linhagem linguística celta.”
Mais informações: https://soundcomparisons.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.