A encruzilhada da tabela periódica
Ao completar 150 anos, o diagrama que reúne os elementos químicos por semelhança enfrenta dificuldades para continuar crescendo
Em 1869, um professor da Universidade de São Petersburgo, o
russo Dmitri Mendeleev (1834-1907), concebeu um diagrama em que ordenava
cerca de 60 elementos químicos então conhecidos em função de sua
respectiva massa. Essa foi a primeira versão do que viria a ser
conhecida como a moderna tabela periódica, hoje composta de 118
elementos, dispostos em 18 grupos (colunas) e 7 períodos (linhas).
Atualmente, os elementos são organizados de forma crescente em razão de
seu número atômico – a quantidade de prótons em seu núcleo – e os de um
mesmo grupo apresentam propriedades similares. Em seu sesquicentenário,
essa ferramenta ainda é indispensável para explicar (e prever)
interações químicas e inferir características dos elementos, como
reatividade, densidade e disposição dos elétrons em torno do núcleo
atômico, onde, além dos prótons, ficam os nêutrons. “Hoje a tabela
periódica pode ser considerada a enciclopédia mais concisa que existe.
Quem sabe usá-la encontra muitas informações em uma única folha de
papel”, diz Carlos Alberto Filgueiras, químico e historiador da ciência
da Universidade Federal de Minais Gerais (UFMG). “Não existe nada igual
em outra área do conhecimento.”
A partir dos anos 1940, não foram expedições de campo que fizeram a tabela periódica crescer de tamanho, mas experimentos conduzidos em aceleradores de partículas. Faz 80 anos que a ciência não descobre um elemento desconhecido na natureza – o último foi o frâncio (Fr), de número 87, há exatos 80 anos. Desde então, os cerca de 30 novos membros agregados à tabela foram primeiramente produzidos por meio de reações nucleares, embora alguns, como o plutônio, acabaram também sendo encontrados na natureza depois de terem sido fabricados artificialmente em instalações da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia. O Brasil não está no seleto clube de países com equipamentos capazes de gerar novos elementos. As dificuldades de fabricá-los – cada vez mais pesados, ou seja, com mais prótons em seu núcleo atômico, e de meia-vida (decaimento radioativo) fugaz, de frações de segundo – levam alguns cientistas a indagar até que ponto será possível expandir a tabela e acomodar elementos de comportamento distinto.
Um dos pesquisadores que se questionam sobre isso tem predicados especiais. O físico nuclear Yuri Oganessian, 85 anos, do Instituto Unificado de Pesquisa Nuclear (JINR), em Dubna, distante cerca de 120 quilômetros de Moscou, é a segunda pessoa viva cujo nome foi usado como inspiração para denominar um elemento. Na atual versão da tabela periódica, o elemento mais pesado, que figura em seu canto inferior direito, é o oganessônio (Og), de número atômico 118. Há 60 anos, o russo se dedica a produzir novos elementos superpesados, aqueles com número atômico superior ao 92 do urânio (U), os chamados transurânicos, tendo participado da descoberta de cerca de uma dezena de elementos.
A partir dos anos 1940, não foram expedições de campo que fizeram a tabela periódica crescer de tamanho, mas experimentos conduzidos em aceleradores de partículas. Faz 80 anos que a ciência não descobre um elemento desconhecido na natureza – o último foi o frâncio (Fr), de número 87, há exatos 80 anos. Desde então, os cerca de 30 novos membros agregados à tabela foram primeiramente produzidos por meio de reações nucleares, embora alguns, como o plutônio, acabaram também sendo encontrados na natureza depois de terem sido fabricados artificialmente em instalações da Europa, dos Estados Unidos e da Ásia. O Brasil não está no seleto clube de países com equipamentos capazes de gerar novos elementos. As dificuldades de fabricá-los – cada vez mais pesados, ou seja, com mais prótons em seu núcleo atômico, e de meia-vida (decaimento radioativo) fugaz, de frações de segundo – levam alguns cientistas a indagar até que ponto será possível expandir a tabela e acomodar elementos de comportamento distinto.
Um dos pesquisadores que se questionam sobre isso tem predicados especiais. O físico nuclear Yuri Oganessian, 85 anos, do Instituto Unificado de Pesquisa Nuclear (JINR), em Dubna, distante cerca de 120 quilômetros de Moscou, é a segunda pessoa viva cujo nome foi usado como inspiração para denominar um elemento. Na atual versão da tabela periódica, o elemento mais pesado, que figura em seu canto inferior direito, é o oganessônio (Og), de número atômico 118. Há 60 anos, o russo se dedica a produzir novos elementos superpesados, aqueles com número atômico superior ao 92 do urânio (U), os chamados transurânicos, tendo participado da descoberta de cerca de uma dezena de elementos.
O oganessônio foi produzido apenas como um punhado de átomos num
experimento conduzido em 2006 no acelerador de partículas do Laboratório
Flerov do JINR. Foi obtido por meio de colisões, em condições
especiais, que promoveram a fusão de átomos do elemento 20, o cálcio, e
do 98, o califórnio. Devido ao pequeno número de átomos produzidos e sua
meia-vida muito curta, ainda hoje, os pesquisadores não conseguiram
analisar as propriedades químicas do oganessônio. Caso ele corresponda
ao que se espera da sua posição na tabela periódica (grupo 18), ele é um
gás nobre, como o hélio, com baixa reatividade. Por ora, no entanto,
pouco se sabe sobre suas propriedades.
“Será que o elemento 118 se parece com um gás nobre? Frequentemente a
resposta dada a isso é não”, disse Oganessian durante um encontro de
cientistas de renome para celebrar os 150 anos do trabalho de Mendeleev,
realizado em Paris no final de janeiro pela Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). “Acho que o
elemento 118 provavelmente ainda vai se mostrar um integrante do 18º
grupo da tabela. Na transição do 118 para o 119, espero ver mudanças,
que provavelmente serão observadas, mas ainda de forma fraca.” Esse
otimismo, porém, não vai muito além. “Acho que, nos elementos 120, 121
ou 123, a diferença entre os grupos será bastante menor ou desaparecerá
completamente”, afirma Oganessian. “A partir desse ponto, a tabela
periódica teria de mudar?”
A pergunta do russo leva a outra questão. Se até agora tudo o que se
viu em química respeita as regras da tabela periódica, que razão há para
se suspeitar que seu diagrama pode se tornar obsoleto em razão de novas
descobertas? O fantasma assombrando a tabela tem nome e sobrenome:
Albert Einstein e sua teoria da relatividade especial. Oganessian
explica que, quanto mais massa tem um núcleo atômico (onde ficam os
prótons, com carga elétrica positiva), mais ele atrai os elétrons, de
carga negativa, situados na primeira camada formada por essas partículas
que orbitam o núcleo. Esses elétrons passam então a se movimentar mais
rápido e, no caso dos núcleos de elementos superpesados, aproximam-se
muito da velocidade da luz. Esse cenário leva os elétrons, que, em
condições normais, têm massa 1.800 vezes menor que a do próton, a se
tornarem mais pesados. Assim, acabam alterando a massa final do átomo e
desorganizando o esquema das órbitas dos elétrons, um dos parâmetros
explicados pela atual tabela periódica.
A produção de elementos superpesados que duram mais tempo é um desafio da pesquisa em física nuclear
Antes mesmo de o problema ser observado em experimentos, alguns
teóricos já se ocupam em construir uma tabela periódica relativística.
Nela, a relatividade de Einstein também passa a ter um papel relevante
na descrição do átomo, antes compreendido apenas pelas forças
eletromagnéticas e nucleares, que são explicadas pela mecânica quântica.
No entanto, poucos cientistas se atrevem a fazer afirmações categóricas
sobre o que poderá ser visto nos aceleradores de partículas.
Simular matematicamente um núcleo atômico de um elemento superpesado,
com mais de 100 prótons e quase 200 nêutrons, é ainda tarefa
impossível. Não há poder computacional disponível para isso, e a
abordagem estatística não é confiável para descrição de certas
propriedades. “Precisamos então usar instrumentos matemáticos que
permitam tratar um problema ‘não muito erradamente’, e a descrição que
obtivermos será evidentemente uma aproximação”, explica Alinka
Lépine-Szily, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo
(IF-USP).
Desde 2008, a física da USP faz parte da Comissão de Física Nuclear
da União Internacional de Física Pura e Aplicada (Iupap). O grupo que
arbitra as reivindicações de descobertas de novos elementos produzidos
em laboratório, denominado Joint Working Party (JWP), é escolhido pelas
direções da Iupap e da União Internacional de Química Pura e Aplicada
(Iupac). Os experimentos muitas vezes geram evidências indiretas da
existência de um novo elemento superpesado, como a emissão de radiação
alfa, em vez de um registro direto da produção de átomos. Uma vez que o
JWP reconheça a descoberta, o pleito segue para a Iupac, a quem cabe
incluir o elemento na versão oficial da tabela periódica.
Por ora em compasso de espera, a expansão da tabela pode vir do
domínio de novas técnicas de fusão nuclear capazes de gerar variantes
(isótopos) de elementos superpesados que sejam mais estáveis. Todos os
isótopos de um elemento apresentam a mesma quantidade de prótons (têm,
portanto, o mesmo número atômico), mas diferem no número de nêutrons em
seu núcleo. Nos elementos naturais leves, o número de prótons é igual ao
de nêutrons. Nos mais pesados, há mais nêutrons que prótons, tendência
que cresce conforme aumenta o peso do átomo. Para os superpesados,
cálculos teóricos preveem a existência de núcleos mais estáveis,
denominados “ilhas de estabilidade”. Esses elementos seriam mais
duradouros do que os que têm sido produzidos em aceleradores de
partículas até agora. “Alguns desses isótopos poderiam ter meia-vida de
horas ou dias ou, segundo os mais otimistas, até milhões de anos”,
comenta Lépine-Szily. “O problema é que talvez os experimentos hoje
capazes de criar elementos superpesados ainda não consigam agregar
nêutrons em quantidade suficiente para chegar à ilha de estabilidade.”
Há, no entanto, progressos relativos nesse sentido. Apesar de o tempo
de decaimento radioativo decrescer com o aumento da quantidade de
prótons no núcleo, parece ter sido observada uma mudança de
comportamento nos últimos elementos agregados à tabela periódica. Em
colaboração com os laboratórios nacionais norte-americanos de Oak Ridge e
do Lawrence Livermore, o grupo de Oganessian criou isótopos
superpesados dos elementos de número 115, 116 e 117 com tempo de
decaimento radioativo que se mantém em torno de dezenas de
milissegundos. Na parceria com o Flerov, os norte-americanos fornecem os
alvos de metais radioativos, como berquélio (Bk), o elemento 97, que,
no laboratório russo, são bombardeados por feixes intensos de átomos
leves de um dos isótopos do cálcio. O último elemento produzido assim
foi o tennesso (TS), de número atômico 117, em 2010.
A colaboração russo-americana é a favorita na corrida pela produção
de elementos dentro da “ilha de estabilidade”, mas há laboratórios
competitivos no Japão, como o Instituto Riken, e na Alemanha, como o
GSI. Até o meio do ano, Oganessian e seus colegas de Dubna deverão
contar com um novo centro, a Fábrica de Elementos Superpesados, para
procurar elementos desse tipo, que custou US$ 60 milhões. Os novos
aceleradores de partículas serão capazes de operar com feixes de íons
muito mais intensos. Dois experimentos com 50 dias de duração devem ser
feitos ainda em 2019.
Mesmo que a física nuclear não consiga produzir o oganessônio com a
mesma facilidade com que fabrica o plutônio, há muita pesquisa a ser
feita com uma quantidade mínima de átomos desses elementos superpesados.
“A técnica atual disponível nos arranjos experimentais e o conhecimento
acumulado sobre propriedades dos elementos permitem que se estude a
interação particular de um único átomo ou íon de elementos superpesados
com vários outros elementos”, afirma, em entrevista por e-mail à Pesquisa FAPESP,
Jadambaa Khuyagbaatar, do grupo de química de elementos superpesados do
GSI. “O campo de pesquisa em elementos pesados não se ocupa apenas de
sintetizar novos elementos. Investigamos as propriedades de muitos
núcleos pesados e superpesados e tentamos encontrar soluções para
problemas fundamentais da ciência.”
O patriarca do lítio
José Bonifácio de Andrada e Silva encontrou o mineral usado na descoberta desse elemento Terceiro elemento mais leve da tabela, o lítio foi identificado em um minério descrito por José Bonifácio de Andrada e Silva (1763-1838), conhecido como o Patriarca da Independência por
sua articulação no movimento de 1822 ao lado de dom Pedro I. Famoso pela atuação política, esse paulista de Santos foi também um respeitado mineralogista. Em 1800, publicou descrições da petalita e do espodumênio, dois minerais que descobrira em uma expedição à ilha sueca de Utö. O lítio em si foi purificado pela primeira vez, a partir da petalita, em 1817 pelo sueco Johan August Arfwedson, seu “descobridor”.
“José Bonifácio foi o primeiro cientista brasileiro de renome internacional”, diz Carlos Alberto Filgueiras, químico e historiador da UFMG. “Viveu no Brasil até os 19 anos, quando foi para Portugal. Circulou pela Europa até os 56 anos e teve uma carreira científica de êxito, com passagens pela Alemanha, Suécia, Dinamarca e Itália.” Ele morreu em 1838, três décadas antes da publicação da tabela periódica. Porém transmitiu sua paixão pela química a dom Pedro II, de quem foi tutor entre 1831 e 1836.
Um dos registros mais antigos a mencionar no Brasil a tabela de Mendeleev foi deixado pelo próprio imperador. “Era um pedaço de papel amassado sujo, rasgado, escrito por dom Pedro II, que o datou como de 1879, só 10 anos depois da publicação da tabela periódica”, conta Filgueiras, que estudou o documento, mantido na Fundação Maria Luisa e Oscar Americano, em São Paulo.