Os dinossauros estão vivos!
1. Início de Conversa
Um dos aspectos mais interessantes no estudo dos vertebrados é o de que, de maneira geral, é um estudo sobre nós mesmos. Muitas das características morfológicas e comportamentais dos demais vertebrados nos são familiares e intuitivamente compreensíveis (e talvez por isso sejam tão comuns como animais de estimação ou tão presentes em manifestações artísticas), porque com todos eles compartilhamos uma história, um arcabouço evolutivo, de quase 3 bilhões de anos, se considerarmos que a vida tenha surgido há 3,5 bilhões de anos e que as primeiras linhagens de vertebrados tenham se divergido há mais de 0,5 bilhão de anos. E claro, essa sensação de “proximidade” e de “próprio” tende a aumentar conforme analisamos táxons cada vez menos inclusivos (i.e., mais restritivos) dos quais fazemos parte. Em determinado ponto, conforme se reduz a abrangência temporal, percebe-se que o estudo da evolução humana se imiscui à dos demais primatas.
Essas noções de continuidade e pertinência (atrelada a teorias simples dos conjuntos) muitas vezes não são abordadas em ambiente escolar tão enfaticamente quanto deveriam. Os motivos para isso podem incluir o excesso de subjetividade que permeia alguns estudos evolutivos, ou mesmo a trivialidade com a qual são tratadas as tantas homologias que temos com os demais vertebrados, ou as dificuldades em reconhecer e interpretar essas mesmas homologias.
Muitas vezes, até os especialistas titubeiam ao comparar determinadas estruturas, dado o grau de discrepância morfológica entre alguns táxons atuais, como a existente entre os cetáceos e os demais mamíferos.
Como auxílios indisputáveis nesses estudos vêm os dados paleontológicos, que muitas vezes preenchem um grande intervalo entre as linhagens remanescentes. A pesquisa paleontológica é muito explorada pela mídia e tende a despertar grande interesse no estudante; contudo, essa mesma mídia gera muita informação que diverge do conhecimento de referência. O professor, na sala de aula, tem uma oportunidade ímpar de selecionar criteriosamente os conhecimentos a serem assimilados por seus alunos, e o mesmo se aplica nessa situação.
O grande interesse suscitado por temas como “dinossauros”, “tigres-dentes-de-sabre”, “evolução humana” e “tectônica de placas” tem de ser aproveitado de qualquer maneira, e o estudo dos vertebrados é um dos melhores momentos para isso.
É válido relembrar o aluno constantemente de quão valiosa foi a aquisição do esqueleto ósseo pelos osteíctes (grupo no qual se incluem todos os vertebrados terrestres) adultos. Os principais componentes do osso são uma matriz de colágeno e fosfato de cálcio, Ca3(PO4)2; no caso dos grandes condrictes, também há deposição, ainda que acelular, de carbonato de cálcio no esqueleto cartilaginoso (um processo que não pode ser considerado como ossificação). A rigidez dessa estrutura elaborada lhes confere uma estrutura corpórea bastante adequada à fossilização, e altamente suscetível à ação da seleção natural, devido ao seu elevado valor adaptativo: não só como proteção e sustentação, mas como alavancas e pontos de ancoragem de músculos; tudo isso permitiu uma força de mordida (na extremidade distal) superior a 10 kN nos terópodes (Erickson et al., 1996) e superior a 1 kN em hienídeos e tilacoleonídeos (Wroe et al., 2005).
Esse rico registro fossilífero deve ser salientado durante uma abordagem evolutiva dos grupos animais, na qual alguns fósseis-chave (como Ichthyostega para os Tetrapoda, Archaeopteryx para as Aves e Dimetrodon para os Mammalia) devem ser usados para a compreensão do surgimento dos diversos grupos. Em vez de tratar os grupos como meras compilações de características, o ideal seria tratá-los num contexto temporal e espacial, com ênfase em um cenário maior. O próprio cenário brasileiro pode ser explorado com esse intuito, seja através de visitas a sítios e parques paleontológicos (tal qual o Parque do Varvito, em Itu, SP) ou a museus de história natural (como o Museu de Zoologia da USP ou o Museu de História Natural de Taubaté). O aluno deve adquirir a noção de que a paleontologia é um ramo ativo de pesquisas no Brasil, rompendo com o senso comum de que apenas é feita no exterior.
Um dos maiores obstáculos a essa postura evolutiva no ensino de vertebrados nos livros didáticos é a contraditória desvinculação dos conceitos evolutivos (que costumam ser ensinados à parte e isoladamente), quando estes deveriam ser o eixo estruturador em todos os estudos de biodiversidade, inclusive o dos vertebrados. Assim, de acordo com a Figura 5.1, o professor poderia recorrer a alguns táxons fósseis que ilustrassem, de forma instigante, uma parte representativa da fauna de vertebrados extinta - uma parte que explicasse, resumidamente, a existência da fauna atual. Se o aluno chegar ao ponto de compreender o impacto que os processos acelerados de mudança ambiental desencadeados atualmente podem causar em toda a biota, tanto melhor: nesse momento, estará sendo desenvolvida uma ponte entre a Zoologia, a Evolução e a Ecologia.
Clicando sobre os botões do quadro abaixo, você conhecerá uma amostra da diversidade de animais fósseis (todos já extintos) tidos como importantes na evolução dos vertebrados (sem proporção de escala), com preferência à fauna brasileira.
1.1 Como iniciar o estudo do Subfilo Vertebrata
Normalmente, inicia-se o estudo dos vertebrados apresentando-se as características comuns a todos eles, e depois se abordando as tradicionais classes, uma a uma, através da compilação de características, sendo algumas bastante questionáveis; quando sobra algum tempo, dá-se um ou outro exemplo de animal integrante. Entretanto, essa não é a forma como o próprio conhecimento foi desenvolvido: o que cativou e incitou o homem a estudar os vertebrados foi a vontade de entender a diversidade estonteante de animais ao seu redor. Da mesma forma, o professor pode apresentar primeiramente a diversidade de formas, e, atuando como mediador, solicitar aos alunos que ali tentem reconhecer e organizar padrões.
Com esse intuito, a aula inicial pode exibir formas atuais e fósseis de alguns vertebrados (como as acima apresentadas), mesmo que sejam apenas imagens, mas idealmente daqueles que amostrassem sucintamente a plasticidade morfológica criada em meio bilhão de anos. Uma sugestão seria o uso de dez ou onze animais: uma feiticeira, um placoderme, um peixe-escorpião, uma piramboia, um sapo pipídeo, um tatu, um jabuti, um pterossauro, um gavial (Figura 5.2), um tricerátopo e uma diátrima, por exemplo. Ao fim da atividade, todos esses animais devem ser reconhecidos como craniados, sendo que a maioria (da lista acima, os últimos nove) seria de vertebrados, todos descendentes de um ancestral comum, único e exclusivo.
Figura
5.2 Gavial, crocodiliano que apresenta um grande estreitamento lateral
em seu focinho, sendo uma espécie vivente na atualidade.
Fonte: Thinkstock
As aulas seguintes poderiam focar-se em grupos menores. O planejamento depende do tempo disponível, mas deveriam ser tratados apenas grupos naturais, para não romper o eixo estruturador do curso. Assim, seguindo a mesma estratégia proposta acima, poderiam ser contemplados os seguintes grupos apresentados no próximo subtópico.
EM BREVE TEM MAIS!!! ....
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