Pesquisadores brasileiros desenvolvem modelo sobre a origem da água na Terra
25/02/2014
Por Elton Alisson, de Chicheley, Inglaterra
Agência FAPESP – Pesquisadores da Universidade Estadual
Paulista (Unesp), campus de Guaratinguetá, em colaboração com colegas da
Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR) e do Instituto de
Astrobiologia da agência espacial norte-americana (Nasa), desenvolveram
um modelo mais preciso para determinar a origem da água e da vida na
Terra.
Resultados do estudo foram apresentados no encontro científico
UK-Brazil-Chile Frontiers of Science, realizado no Reino Unido pela Royal Society, FAPESP e pelas academias Brasileira
Realizado no âmbito do projeto de pesquisa
“Dinâmica orbital de pequenos objetos”, apoiado pela FAPESP, o modelo foi descrito em um artigo publicado no
The Astrophysical Journal, da Sociedade Americana de Astronomia, e apresentado nesta segunda-feira (24/02) no
UK-Brazil-Chile Frontiers of Science.
Organizado pela Roya
l Society, do Reino Unido, em conjunto com a
FAPESP e as Academias Brasileira e Chilena de Ciências, o evento ocorre
até quarta-feira (26/02) em uma propriedade da Royal Society em
Chicheley, vilarejo do condado de Buckinghamshire, no sul da Inglaterra.
E tem como objetivo fomentar a colaboração científica e
interdisciplinar entre jovens pesquisadores brasileiros, chilenos e do
Reino Unido em áreas de fronteira do conhecimento.
“Desenvolvemos um modelo em que analisamos todas as possíveis fontes
espaciais de água e estipulamos qual seria a provável contribuição de
cada uma delas na quantidade total de água existente hoje na Terra”,
disse à
Agência FAPESP Othon Cabo Winter, pesquisador do Grupo de
Dinâmica Orbital & Planetologia da Unesp de Guaratinguetá e
coordenador do estudo.
De acordo com Winter, até recentemente se acreditava que os cometas,
ao colidir com a Terra durante a formação do Sistema Solar, haviam
trazido a maior parte da água existente hoje no planeta.
Simulações computacionais da quantidade de água que esses objetos
celestes compostos de gelo podem ter fornecido para a Terra – baseadas
em medições da quantidade de deutério (o hidrogênio mais pesado) da água
deles – revelaram, no entanto, que os cometas não foram as maiores
fontes. E que eles não poderiam ter contribuído com uma fração tão
significativa de água para o planeta como se estimava, explicou Winter.
“Pelas simulações, a contribuição dos cometas no fornecimento de água
para a Terra seria de, no máximo, 30%”, disse o pesquisador. “Mais do
que isso é pouco provável”, afirmou Winter.
No início dos anos 2000, segundo o pesquisador, foram publicados
estudos internacionais que sugeriram que, além dos cometas, outros
objetos planetesimais (que deram origem aos planetas), como asteroides
carbonáceos – o tipo mais abundante de asteroides no Sistema Solar –,
também poderiam ter água e fornecê-la para a Terra por meio da interação
com planetas e embriões planetários durante a formação do Sistema
Solar.
A hipótese foi confirmada nos últimos anos por observações de
asteroides feitas a partir da Terra e de meteoritos (pedaços de
asteroides) que entraram na atmosfera terrestre.
Outras possíveis fontes de água da Terra, também propostas nos
últimos anos, são grãos de silicato (poeira) da nebulosa solar (nuvem de
gás e poeira do cosmos relacionada diretamente com a origem do Sistema
Solar), que encapsularam moléculas de água durante o estágio inicial de
formação do Sistema Solar.
Essa “nova” fonte, no entanto, ainda não tinha sido validada e
incluída nos modelos de distribuição de água por meio de corpos celestes
primordiais, como os asteroides e os cometas.
“Incluímos esses grãos de silicato da nebulosa solar, com os cometas e
asteroides, no modelo que desenvolvemos e avaliamos qual a contribuição
de cada uma dessas fontes para a quantidade de água que chegou à
Terra”, detalhou Winter.
Simulações computacionais
Segundo Winter, a água de cada uma dessas possíveis fontes para a
Terra possui uma quantidade diferente de deutério – que pode ser
utilizado como um indicador de origem da água.
O pesquisador e seus colaboradores conseguiram estimar a contribuição
de cada um desses objetos celestes com base nesse “certificado de
origem” da água encontrada na Terra, por meio de simulações
computacionais. Além disso, conseguiram determinar qual o volume de água
que cada uma dessas fontes forneceu e em que momento fizeram isso
durante a formação do planeta terrestre, uma vez que a contribuição de
cada uma delas foi feita em períodos diferentes.
“A maior parte veio dos asteroides, que deram uma contribuição de
mais de 50%. Uma pequena parcela veio da nebulosa solar, com 20% de
participação, e os 30% restantes dos cometas”, detalhou Winter.
Os resultados das simulações feitas pelos pesquisadores também
indicaram que grandes planetas, com grandes quantidades de água, como a
Terra, podem ter sido formados entre 0,5 e 1,5 unidade astronômica –
entre 75 milhões e 225 milhões de quilômetros de distância do Sol.
“Essa faixa de distância do Sol, que nós chamamos de ‘zona
habitável’, permite ter água no estado líquido”, disse Winter. “Fora
dessa região é muito frio e a água ficaria congelada. Já mais próximo do
Sol é muito quente e a água seria vaporizada”, explicou.
As simulações também sugeriram que o modelo desenvolvido parece mais
eficiente para determinar a quantidade e o momento da entrega de água
para a Terra por esses corpos planetários do que modelos que indicam que
a água foi transferida meramente por meio de meras colisões entre
corpos celestes em início de formação (protoplanetários), afirmou
Winter.
“As informações parciais da possível contribuição de cada uma dessas
fontes já existiam. Mas, até então, não tinham sido reunidas em um único
modelo e não havia sido determinado quando e quanto contribuíram para a
formação da massa de água na Terra”, disse.
Importância de corpos menores
Winter destacou em sua palestra na Inglaterra a importância da
exploração de corpos menores, como asteroides e cometas, pelas missões
espaciais. A última missão espacial para a exploração de asteroides,
realizada pela agência espacial japonesa (Jaxa, na sigla em inglês) com a
sonda Hayabusa para tirar amostras do asteroide Itokawa, resultou em
diversos artigos em revistas como a
Science e a
Nature.
O país oriental planeja lançar este ano a sonda espacial Hayabusa-2,
para extrair amostras do subsolo do asteroide “1999JU3” em 2018 e
trazê-las para a Terra em 2020.
Por sua vez a agência espacial europeia (ESA) mantém no espaço a
sonda Rosetta, que deve ser o primeiro objeto a pousar em um cometa, o
67P/Churyumov-Gerasimenko. E a Nasa também pretende realizar uma missão
para captura de asteroide próximo da Terra.
Já o Brasil pretende desenvolver e lançar em 2017 a sonda espacial
Áster, para orbitar em 2019 um asteroide triplo, o 2001-SN263, formado
por um objeto central, com 2,8 quilômetros de diâmetro, e outros dois
menores com 1,1 quilômetro e 400 metros de diâmetro.
“Nunca foi realizada uma missão para um sistema de asteroides desse
tipo”, disse Winter. “Todas as missões foram feitas para observar um
único asteroide”, afirmou.
Ao explorar asteroides e cometas, em missões como essas, é possível
explicar melhor as condições de formação da Terra e a aparição da vida
no planeta, explicou o pesquisador.
“Como são corpos celestes primordiais, os cometas e os
asteroides preservam informações sobre como era o Sistema Solar durante
seu estágio de formação”, disse Winter.
Um dos desafios para disponibilizar esses preciosos materiais
geológicos para estudos científicos, contudo, é não apenas coletar, mas
realizar uma curadoria cuidadosa das amostras, assegurando a gravação e o
arquivamento de diversas informações relacionados a cada uma das
espécimes, tais como as circunstâncias nas quais foram coletadas e os
resultados de análises, destacou Caroline Smith, curadora da coleção de
meteoritos do Museu de História Natural de Londres, na palestra que
proferiu após Winter.
De acordo com Smith, os meteoritos começaram a ser estudados
cientificamente no final do século XVIII por cientistas como o físico
alemão Ernest Chladni (1756-1827).
O Museu Britânico começou a sua coleção de meteoritos 50 anos após ser fundado, em 1753, contou Smith.
Desde então, com as amostras colhidas por missões realizadas por
agências espaciais de diversos países, as coleções de instituições, como
a do Museu de História Natural de Londres, têm se expandido muito
rapidamente.
“Em 1961 havia, aproximadamente, 2.100 meteoritos conhecidos, dos
quais 40% possuíam o registro do momento e do lugar onde caíram”, disse
Smith. “Em contrapartida, hoje, há 48 mil meteoritos conhecidos e apenas
2,4% têm o registro da queda”, contou Smith.
O número cada vez maior de amostras de meteoritos coletadas e os
estudos científicos realizados a partir deles têm imposto grandes
desafios às equipes de curadoria desses objetos dos museus, avaliou a
pesquisadora.
“Alguns dos nossos atuais dilemas é manter o acesso à coleção e, ao
mesmo tempo, preservar os meteoritos para as futuras gerações”, afirmou.
O artigo
A compound model for the origin of Earths’s water (doi:10.1088/0004-637X/767/1/54), de Winter e outros, pode ser lido no
The Astrophysical Journal em
iopscience.iop.org/0004-637X/767/1/54/article.