Formigas que defendem plantas recebem açúcar e proteína
15 de julho de 2019
Peter Moon | Agência FAPESP – Os biólogos Laura Carolina Leal
e Felipe Passos realizaram uma série de experimentos no sertão da
Bahia, uma região de vegetação de caatinga, para verificar a
interação das plantas que possuem nectários extraflorais e formigas.
Nectários extraflorais são fontes de açúcar (carboidrato) que as
plantas fornecem às formigas em troca do serviço de defesa da planta
contra herbívoros. São glândulas de néctar não relacionadas com o
processo de polinização da planta e visitadas frequentemente por
várias espécies de formigas.
“Diferentemente do que se pensava, descobrimos que o carboidrato é
apenas uma das formas de pagamento oferecido pelas plantas em troca
do serviço de defesa proporcionado pelas formigas. Outra forma de
pagamento são as proteínas que as formigas podem obter ao consumir
os artrópodes herbívoros que se encontram disponíveis nas plantas
que as formigas visitam”, disse Leal, professora do Instituto de
Ciências Ambientais, Químicas e Farmacêuticas da Universidade
Federal de São Paulo (Unifesp).
“Esta constatação vai contra a ideia de que o pagamento é só açúcar.
Mostra que aquilo que a formiga ganha do herbívoro também importa.
Em um ambiente onde alimentos ricos em proteína são mais escassos,
com menos artrópodes, verificamos que as formigas podem ser mais
agressivas, defendendo sua fonte de alimento e, por consequência, as
plantas”, disse à Agência FAPESP.
Resultados do estudo foram publicados no Biological Journal of the Linnean Society. O trabalho teve apoio
da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e
da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
O foco dos estudos de Leal e Passos gira em torno da investigação das
diversas formas de mutualismo que ocorrem na interação entre
insetos e plantas. “Mutualismo é a interação entre duas espécies com
benefícios dos dois lados. Se não for vantajoso para ambas as
espécies, mas só para uma delas, então é parasitismo”, disse.
“Diversos estudos mostraram que formigas nectarívoras expulsam
herbívoros e aumentam o sucesso reprodutivo de plantas com nectários
extraflorais. Quanto mais importante o néctar extrafloral para as
formigas, melhor deve ser para as plantas, uma vez que isso
aumentaria a agressividade das formigas ao interagir com herbívoros.
Decidimos investigar se o néctar seria mesmo o único pagamento que
as plantas fornecem às formigas, uma vez que consumir o próprio
herbívoro também pode ser uma vantagem para as formigas”, disse
Leal.
Leal e Passos verificaram a hipótese de que a frequência de forrageio
por espécies de formigas mais agressivas e a eficiência de defesa
de plantas por formigas seriam maiores quando a disponibilidade de
carboidratos ou de proteínas para formigas fosse baixa. Isso
aumentaria o valor relativo tanto do néctar extrafloral como dos
herbívoros para as formigas.
O estudo foi realizado no campus da Universidade Estadual de Feira de
Santana, na Bahia. A região tem clima semiárido, com temperatura
média anual de 25,2 °C e precipitação média anual de 848 milímetros.
A vegetação da caatinga é caracterizada por um mosaico de arbustos
espinhosos e florestas sazonalmente secas.
Em Feira de Santana, no início de 2017, os pesquisadores
estabeleceram para fins do estudo 19 parcelas de terreno de 16
metros quadrados cada uma, distantes entre elas ao menos 30 metros.
As parcelas continham a planta rasteira Turnera subulata, popularmente conhecida como boa-noite, chanana ou flor-do-guarujá. A densidade de T. subulata variou de cinco a 218 exemplares por parcela de estudo.
“Nas áreas estudadas, T. subulata era a principal espécie de
planta e a única que continha nectários extraflorais”, disse Leal.
Esta planta apresenta um par de nectários extraflorais inseridos no
pecíolo e na base das inflorescências. Esses nectários são
constantemente visitados por diferentes espécies de formigas que
podem defender a planta contra herbívoros.
“A importância relativa de qualquer recurso para animais pode ser
influenciada pela abundância desse recurso no hábitat, mas também pelo
número de indivíduos que compartilham esse recurso. Portanto, nosso
primeiro passo foi quantificar os ninhos de formigas que buscavam
alimento em nossas parcelas”, disse.
Para isso, os pesquisadores colocaram cinco iscas mistas de
carboidratos e proteínas (sardinha e mel) no solo em cada parcela.
Uma isca foi colocada no centro de cada parcela e as outras quatro
iscas posicionadas nos vértices, a 3 metros do centro. As iscas
permaneceram ativas entre as 7 e as 11 horas (pico de atividade das
formigas no local de estudo).
“Esperamos até que as formigas localizassem as iscas e as seguimos de
volta a seus ninhos, mesmo quando os ninhos estavam localizados
fora de nossas parcelas de estudo”, disse Leal.
Depois de quantificar os formigueiros, os pesquisadores estimaram a
abundância local de recursos de proteína e carboidratos para formigas
em cada uma das parcelas de estudo. Dado que T. subulata é uma herbácea que ocorre em hábitat aberto, é atendida principalmente por formigas que procuram alimento no solo.
“Registramos 312 ocorrências de 13 espécies de formigas nas plantas
do estudo, com a maioria das plantas sendo procuradas por duas ou
mais espécies simultaneamente”, disse Leal.
Entre as espécies de formigas, Camponotus blandus foi a mais frequente (42% das ocorrências), seguida de Dorymyrmex piramicus (25,6% das ocorrências). Para essas formigas, os artrópodes mortos do solo são a principal fonte de proteína.
Os pesquisadores utilizaram a biomassa de artrópodes em cada parcela
de estudo como aproximação para determinar a disponibilidade de
proteína para formigas que frequentam os nectários extraflorais
naquelas plantas em cada parcela. Para isso, instalaram cinco
armadilhas de queda em cada local de estudo: uma no centro e quatro
nos vértices de cada local de estudo.
“As armadilhas de queda permaneceram ativas por 24 horas. Filtramos o
conteúdo de cada armadilha e secamos no forno (a 60 °C) por 24
horas. Quanto menor a biomassa seca média dos artrópodes coletados
em cada local de estudo, menor a disponibilidade local de proteína
para formigas”, disse Leal.
Menos proteínas, mais agressividade
Para avaliar se a disponibilidade de carboidratos e de proteínas no
hábitat afeta a eficiência da defesa de formigas, os pesquisadores
observaram o comportamento das formigas que frequentam os nectários
extraflorais em relação a um herbívoro simulado.
“Simulamos a presença de um herbívoro na planta usando larvas do besouro-do-amendoim (Ulomoides dermestoides),
que leva este nome por ser um predador comum de sementes de
amendoim. Colocamos uma larva no ramo mais apical de cada planta
focal, na folha que ofereceu a melhor plataforma horizontal para o
inseto. Esperamos até a larva ser localizada pelas formigas”, disse
Leal.
Em cinco plantas de cada parcela, os biólogos registraram a
identidade das formigas presentes e sua eficiência na remoção de
herbívoros simulados da planta.
“Quando a larva foi localizada, observamos o comportamento das
formigas em direção à larva. Observamos se a larva foi removida da
planta, se as formigas pegaram a larva e a levaram para o solo, se a
larva foi lançada da planta pelas formigas ou se a larva foi
consumida no local onde foi encontrada”, disse Leal.
Segundo a pesquisadora, a probabilidade de interação da planta com
espécies de formigas mais agressivas não foi influenciada pelo
número de nectários extraflorais ativos ou pela biomassa de
artrópodes nas parcelas.
“No entanto, os herbívoros simulados foram removidos com maior
frequência em parcelas com menor biomassa de artrópodes. Isso sugere
que as formigas, independentemente da espécie, tornam-se mais
agressivas em relação a outros artrópodes em locais pobres em
proteínas. Consequentemente, esse aumento da agressividade
potencialmente aumenta a eficiência com que as plantas portadoras de
nectários extraflorais são defendidas contra herbívoros”, disse.
Ao contrário dos carboidratos, os recursos proteicos não são
renováveis e são distribuídos aleatoriamente no ambiente. Insetos
mortos, por exemplo, não têm padrão previsível de distribuição,
sendo encontrados em locais onde os insetos morreram. Uma vez
consumidos, esses insetos mortos não podem ser acessados por outras
espécies de formigas na comunidade.
“Isso nos leva a propor que as plantas portadoras de nectários
extraflorais seriam mais eficientemente defendidas em hábitats
pobres em proteínas, independentemente de quanto as plantas investem
na interação via secreção de néctar”, disse Leal.
Nesse cenário, até mesmo as plantas que secretam néctar extrafloral
de baixa qualidade podem ser defendidas de maneira eficaz contra
herbívoros pelas formigas, porque o comportamento das formigas em
direção aos herbívoros será impulsionado pela demanda de proteína, e
não de carboidratos.
O artigo Protein matters: ants remove herbivores
more frequently from extrafloral nectary-bearing plants when
habitats are protein poor (doi: https://doi.org/10.1093/biolinnean/blz033), de Felipe C. S. Passos e Laura C. Leal, está publicado em https://academic.oup.com/biolinnean/advance-article-abstract/doi/10.1093/biolinnean/blz033/5475306.
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