O cavalo e a humanidade: Como os equinos ajudaram na construção da história
Ele
já serviu de correio e meio de transporte. Ajudou a erguer e a afundar
exércitos. Hoje virou esporte de luxo. Saiba como, carregando o homem em
seu lombo, o cavalo ajudou a construir civilizações
Marcus Cabra - 07/07/2019
A
mitologia grega tem na imagem do centauro - metade homem, metade cavalo
- um ser forte, inteligente e perigoso. Não era para menos. Deve ter
sido aterrorizante para os gregos antigos, que nunca tinham visto uma
pessoa montada naquele animal, enfrentar um bando de cavaleiros com arco
e flecha invadindo seu território, saqueando riquezas e fugindo
velozes. A figura do centauro provavelmente foi inspirada nos povos
nômades da Ásia central, que começaram a atacar os assentamentos
agrícolas no século 2 a.C. A destreza, a coordenação e a rapidez dos
cavaleiros surpreenderam aquelas comunidades. Como era possível dominar
um cavalo assim? Na verdade, o processo de domesticação foi demorado e
não se sabe exatamente quando o homem começou a montar. Mas é certo que,
a partir do momento em que isso aconteceu, surgiu uma nova forma de
organização. Os cavalos passaram a ajudar na agricultura, a servir como
meio de transporte e como armas de guerra, mudando a balança de poder
entre as civilizações até a primeira metade do século 20 - quando as
máquinas começaram a ser usadas nas batalhas. "Por meio do manejo do
cavalo, o homem das estepes atingiu uma organização socioeconômica de
grande sucesso. [...] Pastoreando os cavalos, os nômades administraram
melhor os recursos disponíveis e evitaram as correrias desenfreadas que,
frequentemente, terminavam com suas barrigas vazias", diz o pesquisador
Bjarke Rink em Desvendando o Enigma do Centauro.
O cavalo existe
há 55 milhões de anos. O gênero mais antigo de que se tem notícia é o
Eohippus, que tinha a altura de um pônei e dedos nas patas. Há cerca de 3
milhões de anos surgiu a espécie Equus, ancestral do cavalo atual.
Dotada de cascos, ela se espalhou por vários continentes. Uma das mais
importantes características do cavalo - e que permitiu o sucesso de seu
relacionamento com o homem - é que ele precisa de um líder. Sua
capacidade, e mesmo vontade, de transferir lealdade determinou o
reconhecimento do humano no lugar de outro equino como guia. E lá se
foram juntos, homem e cavalo, rumo ao desenvolvimento das sociedades.
Entre
as comunidades nômades que domesticaram o animal, os hunos se destacam.
Eles podiam passar dias seguidos montados num cavalo. Até dormiam nas
costas do animal, que servia de alimento, tração e transporte. O rei
Átila devastou cidades inteiras, no século 5, com sua cavalaria.
Aos poucos, os demais povos aprenderam as habilidades equestres dos nômades. Ao conviver com o homem sedentário, o cavalo passou a ter outro papel, mais atrelado à vida econômica. As primeiras academias de equitação foram criadas na Idade Média, baseadas em técnicas violentas de conduta.
Aos poucos, os demais povos aprenderam as habilidades equestres dos nômades. Ao conviver com o homem sedentário, o cavalo passou a ter outro papel, mais atrelado à vida econômica. As primeiras academias de equitação foram criadas na Idade Média, baseadas em técnicas violentas de conduta.
Invenções
"Todos
os inventos europeus para economizar tempo foram inspirados no cavalo e
na equitação, que acabaria lhe dando o domínio do mundo", escreveu
Bjarke Rink. A nobreza do noroeste europeu foi responsável pela difusão
do uso do cavalo numa rede de comunicação que depois se tranformaria nos
correios. Até as calças foram inventadas para a equitação e depois
adaptadas para o uso cotidiano. Nas cidades, os cavalos distribuíam
todos os produtos agrícolas e manufaturados e ainda ofereciam locomoção
para as viagens.
Quando a era das grandes navegações chegou, lá estavam eles. Para os nativos da América, os cavalos devem ter parecido monstros cruéis - o animal estava extinto na região. Os espanhóis tiraram vantagem disso e ajudaram a espalhar boatos de que os equinos eram bestas mágicas. Hernán Cortéz, que comandou a conquista do que é hoje o México, disse: "Próximo a Deus, devemos nossa vitória aos cavalos".
No Renascimento, Federico Grisone descobriu o que seria uma glória para a equitação clássica - e um alívio para os cavalos. Suas buscas em textos sobre os equinos renderam a descoberta do mais antigo texto sobre cavalaria, o Manual da Equitação, escrito pelo general grego Xenofonte, em 400 a.C. A obra, que tinha ficado desaparecida por 1 800 anos, oferece uma abordagem mais branda para o adestramento, sugerindo paciência e racionalidade no tratamento dos animais.
Os séculos 18 e 19 foram marcados por batalhas ferozes. O poder equestre de uma nação era decisivo. Montado, o guerreiro ficava maior, mais rápido e forte. "O papel mais importante de um cavalo numa batalha era fazer parte da cavalaria de frente. Essa operação, com centenas de milhares de cavalos emparelhados atacando o inimigo, era uma das mais apavorantes e temidas ações da história militar. Mil cavalos se movendo a 50 km/h é muito intimidador - além de fazer a terra tremer de verdade", afirma Louis DiMarco, autor de War Horse - The History of the Military Horse and Rider ("Cavalo de guerra, a história do cavalo militar e do cavaleiro",). A derrota de Napoleão em Waterloo (1815) foi um verdadeiro enfrentamento equestre. O general foi para o exílio e seu cavalo, Marengo, acabou incorporado às tropas britânicas.
Quando a era das grandes navegações chegou, lá estavam eles. Para os nativos da América, os cavalos devem ter parecido monstros cruéis - o animal estava extinto na região. Os espanhóis tiraram vantagem disso e ajudaram a espalhar boatos de que os equinos eram bestas mágicas. Hernán Cortéz, que comandou a conquista do que é hoje o México, disse: "Próximo a Deus, devemos nossa vitória aos cavalos".
No Renascimento, Federico Grisone descobriu o que seria uma glória para a equitação clássica - e um alívio para os cavalos. Suas buscas em textos sobre os equinos renderam a descoberta do mais antigo texto sobre cavalaria, o Manual da Equitação, escrito pelo general grego Xenofonte, em 400 a.C. A obra, que tinha ficado desaparecida por 1 800 anos, oferece uma abordagem mais branda para o adestramento, sugerindo paciência e racionalidade no tratamento dos animais.
Os séculos 18 e 19 foram marcados por batalhas ferozes. O poder equestre de uma nação era decisivo. Montado, o guerreiro ficava maior, mais rápido e forte. "O papel mais importante de um cavalo numa batalha era fazer parte da cavalaria de frente. Essa operação, com centenas de milhares de cavalos emparelhados atacando o inimigo, era uma das mais apavorantes e temidas ações da história militar. Mil cavalos se movendo a 50 km/h é muito intimidador - além de fazer a terra tremer de verdade", afirma Louis DiMarco, autor de War Horse - The History of the Military Horse and Rider ("Cavalo de guerra, a história do cavalo militar e do cavaleiro",). A derrota de Napoleão em Waterloo (1815) foi um verdadeiro enfrentamento equestre. O general foi para o exílio e seu cavalo, Marengo, acabou incorporado às tropas britânicas.
Nos
séculos 19 e início do 20, o mundo estava bem diferente. Mas, cada vez
mais, o homem dependia do cavalo. As cidades modernas estavam cheias
deles. Nos anos 1800, já havia congestionamentos nas ruas de Londres. A
Revolução Industrial não poupou os animais. "No século 19, o ‘horse
power’ fazia sozinho o que a energia elétrica, o petróleo e o biodiesel
somados fariam no século 20", diz Rink. Em 1870, cerca de 300 patentes
foram registradas nos Estados Unidos para maquinários que utilizavam
cavalos. "Alguns usos eram bem exóticos. Por exemplo, em Nova York,
existiam ferry-boats movidos a cavalos que giravam as rodas", afirma
Clay McShane, autor de The Horse in the City: Living Machines in the
Nineteenth Century ("O cavalo na cidade: máquinas vivas no século 19").
Em 1900, 130 mil cavalos trabalhavam em Manhattan (mais de dez vezes o
número de táxis nas ruas da metrópole, hoje).
O excesso de estrume, urina e carcaças causava sérios problemas. "No pico do uso, Nova York tinha um cavalo para cada 26 pessoas. Se fosse a São Paulo atual, seriam necessários 428 mil cavalos para a cidade funcionar", diz Clay McShane.
Logo que os carros chegaram, era difícil acreditar que o animal seria substituído. Mesmo nos anos 1940. "Ninguém imaginava que tantos avanços tecnológicos em energia e transporte pudessem torná-lo dispensável", afirma Rink. Mas foi o que aconteceu. Hoje os cavalos estão praticamente restritos às zonas rurais e centros esportivos. No entanto, cresce seu uso em tratamentos terapêuticos e como ferramenta educacional para treinar liderança, por exemplo. O fato é que o cavalo já provou seu valor na Terra. E ainda faz isso, todos os dias.
O excesso de estrume, urina e carcaças causava sérios problemas. "No pico do uso, Nova York tinha um cavalo para cada 26 pessoas. Se fosse a São Paulo atual, seriam necessários 428 mil cavalos para a cidade funcionar", diz Clay McShane.
Logo que os carros chegaram, era difícil acreditar que o animal seria substituído. Mesmo nos anos 1940. "Ninguém imaginava que tantos avanços tecnológicos em energia e transporte pudessem torná-lo dispensável", afirma Rink. Mas foi o que aconteceu. Hoje os cavalos estão praticamente restritos às zonas rurais e centros esportivos. No entanto, cresce seu uso em tratamentos terapêuticos e como ferramenta educacional para treinar liderança, por exemplo. O fato é que o cavalo já provou seu valor na Terra. E ainda faz isso, todos os dias.
Jogos equestres
Os
esportes com cavalos são quase tão antigos quanto sua domesticação. A
corrida foi a primeira competição equestre de que se tem notícia, em 644
a.C., na 31ª Olimpíada de Atenas. O poeta grego Homero descreveu na
Ilíada as regras para esse jogo, dizendo que o primeiro prêmio seria uma
mulher "versada nas prendas domésticas". Depois vieram o polo (de
origem oriental), as justas, que imitavam guerras com equipes de
laçadores, e o enduro, que simulava as grandes cavalgadas realizadas
pelos mensageiros. Até hoje, no Afeganistão, se pratica um jogo criado
pelos súditos de Átila, rei dos hunos. No Buz Kashi, 300 cavaleiros
tentam agarrar um bezerro. O salto derivou da caça às raposas e foi
oficializado como uma competição de obstáculos de altura em 1865, na
Irlanda. Muitos reis praticaram esportes com cavalos e por muitos anos
essas competições foram "assuntos da nobreza". Ainda hoje pode-se dizer
que os esportes equestres exigem uma boa condição financeira. É custoso
adquirir e manter um cavalo. Alguns garanhões reprodutores ou campeões
mundiais podem valer dezenas de milhões de dólares.
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