Brasileiros encontram evidências de que ancestral do homem saiu da África 500 mil anos antes
A descoberta traz mais uma peça ao grande quebra-cabeça temporal e espacial que é a reconstituição dos primeiros passos dos hominídeos pelo mundo.
Por Elida Oliveira, G1
Em
uma montanha da Jordânia, no Vale do Zarqa, um grupo de pesquisadores
brasileiros e italianos encontraram evidências que podem trazer um novo
entendimento sobre a dispersão dos primeiros hominídeos pelo mundo:
lascas de pedras, provavelmente vindas da fabricação de instrumentos,
indicam que o gênero homo saiu da África 500 mil anos antes do que era
conhecido, há 2,4 milhões de anos. E não foi o homo erectus que levantou
e saiu andando por aí – nesta época, ele nem havia surgido. A hipótese
apresentada pelos pesquisadores (que ainda precisa de complementação já
que não foram encontrados fósseis) é que o primeiro homo a explorar o
planeta foi o habilis.
As evidências estão em um artigo científico
publicado neste sábado (6) no periódico Quaternary Science Reviews. Os
pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro, da
Universidade Federal do Paraná (UFPR), da Universidade de São Paulo
(USP), com o Instituto Italiano de Paleontologia Humana, a Universidade
Estadual do Oregon (EUA) e do Goethe-University, Frankfurt Isotope &
Element Research Center (Fierce) assinam a publicação. O trabalho foi
financiado majoritariamente pela Fapesp e pela Wenner-Gren Foundation
for Anthropological Research, de Nova York.
A descoberta traz
mais uma peça ao grande quebra-cabeça temporal e espacial que é a
reconstituição dos primeiros passos dos hominídeos pelo mundo,
ancestrais do homem moderno.
Os primeiros hominídeos
Os
detalhes da descoberta foram apresentados pelos pesquisadores
brasileiros em São Paulo nesta quinta-feira (4), em uma sala de
conferência da USP. Com uma vareta na mão e um mapa repleto setas, o
professor sênior do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP Walter
Neves explicou o avanço do gênero homo durante a evolução.
Sabe-se
que os primeiros hominídeos surgiram há 7 milhões de anos e, 5 milhões
de anos depois, surgiu o gênero homo. O homo habilis teria aparecido na
África há 2,5 milhões de anos e fabricava ferramentas de pedra lascada,
chamada Olduvaiense (foram vestígios deste tipo de ferramenta que foram
encontrados na Jordânia).
Em um corte temporal, Neves coloca
outras peças do quebra-cabeça, com evidências da presença de homos pelo
mundo: cinco crânios de tamanhos variados achados na jazida
paleoantropológica de Dmanisi, na República da Geórgia (alguns parecidos
com o homo habilis, outros com o homo erectus, mas todos supostamente
vivendo na mesma época devido às características em que foram achados e à
datação dos materiais, que remete à 1,8 milhão de anos); e o fóssil de
um homo muito pequeno, que ganhou o nome de floresiensis e o apelido de
‘Hobit’, encontrado na Ilha das Flores, na Indonésia, com datação de 90
mil a 20 mil anos atrás. A ciência entendia que o homo floresiensis
havia sido uma adaptação do erectus devido à baixa oferta de comida na
ilha -- mas esta adaptação era um pouco forçada, já que o tamanho do
crânio deste fóssil era de 350 cm³, menor que o de um chimpanzé, que tem
450 cm³.
Avanço do gênero homo pelo mundo
Com
a nova descoberta das lascas de pedra, a história pode ser recontada. A
hipótese apresentada pelo grupo de pesquisadores brasileiros e
italianos é de que o homo habilis saiu da África há 1,9 milhão de anos,
chegou ao Cáucaso (região da Jordânia) há 1,8 milhão de anos e se
espalhou. Isso explicaria os tamanhos variados de homos convivendo
juntos na jazida paleoantropológica de Dmanisi e explicaria o tamanho do
'Hobit', que seria a evolução do habilis, menor que o erectus.
“Na
pré-historia, quando não se tem osso, tem pedra. Artefatos
profundamente angulares são provas de um lascamento intencional. A
ocorrência de formas nestes objetos é evidência de intencionalidade”,
diz Fabio Parenti, do departamento de Antropologia da Universidade
Federal do Paraná (UFPR).
Escavação
As primeiras peças
foram encontradas em 1996. Na época, o trabalho não prosseguiu. Em 2013,
o trabalho foi retomado e durou até 2015.
O pesquisador Astolfo
Araújo, do Museu de Arqueologia e Etnologia da USP, explica que a
montanha foi ‘cortada’ por tratores para que agricultores pudessem
trabalhar a terra, o que permitiu que uma camada mais antiga de solo
ficasse mais fácil de ser escavada.
“Só temos acesso à
estratigrafia por causa dos terraços construídos no começo dos anos
1970. Usamos um maquinário pesado para limpar o cascalho que continua
caindo e ter acesso aos artefatos. Raspando centenas de metros, com
martelinhos, colher de pedreiro, encontramos as peças. Cada peça foi
encontrada individualmente, o que foi imprescindível para entender qual o
posicionamento das peças e a interpretação que daríamos a elas”,
explica Araújo.
Mas,
como pedaços de pedra aparentemente sem importância paleontológica se
transformam em peças capazes de recontar a história da humanidade?
Araújo
diz que são as características da pedra: as lascas se unem, mostrando
que saíram de uma mesma peça original. Elas são angulares, o que não
apareceria em uma pedra que não foi alterada e geralmente se deteriora
em formas mais arredondadas.
“As lascas se unem, mostrando um
evento de ‘lascamento’: enquanto um hominídio fazia uma ferramenta, saiu
uma lasca, depois outra. Elas estavam a 20 cm de distância. Isso não
poderia acontecer se o material tivesse apenas caído da vertente
[montanha]”, diz.
“Com as nossas descobertas na Jordânia e com
essa precisão de datação, demonstramos que, na verdade, o homem não
deixou a África por volta de 1,9 milhão de anos, mas sim há 2,4 milhões
de anos. Retrocedemos em 500 mil anos a saída da África. E isso impõe
uma pergunta muito simples: se saiu há 2,4 milhões de anos, e não há 1,9
milhão, quem foi esse primeiro hominídeo a deixar a África? No modelo
tradicional seria o homo erectus. Agora, não. Fica claro que o primeiro
hominídeo que deixou a África foi o homo habilis, porque há 2,4 milhões,
2,5 milhões de anos o único hominídeo que tinha na África era o homo
habilis”, diz Neves.
Ou, ao menos, assim as evidências apontam – até que novas escavações tragam mais peças para a história da humanidade.
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