A origem dos pássaros
Grupo que representa mais de 60% das espécies de aves teria surgido há 47 milhões de anos na Austrália
A ordem dos Passeriformes, os pássaros ou passarinhos, grupo
que representa mais de 60% das espécies atuais de aves, teria surgido
por volta de 47 milhões de anos atrás na região do Pacífico Sul, nos
arredores da Austrália e da Nova Zelândia.
Dali essas pequenas aves, que
hoje incluem exemplares famosos por seu canto melodioso, como os
canários, ou onipresentes no globo, como os pardais, espalharam-se pelos
demais continentes. As conclusões fazem parte de um estudo
internacional coordenado por pesquisadores da Universidade Estadual da
Louisiana (LSU), dos Estados Unidos, com a participação de colegas de 10
países, inclusive o Brasil. O trabalho resultou em um artigo, publicado
em 1º de abril na revista científica PNAS.
A equipe analisou o material genético de 221 exemplares de pássaros,
que representam todas as 137 famílias que compõem essa ordem, além de 13
registros fósseis de pássaros e de aves de ordens aparentadas. Assim
reconstruiu a história evolutiva e montou uma árvore genealógica desse
grupo de seres alados. O estudo também identificou uma nova família de
pássaros, a dos Hyliidae, da África, e confirmou o status taxonômico de outras seis famílias.
Os resultados do trabalho confirmam outros estudos que também
situaram o lugar de origem dos pássaros no hemisfério Sul, geralmente
nas cercanias da Austrália ou na América do Sul.
Mas sinalizam que essa
ordem teria surgido mais recentemente, por meio de processos evolutivos
mais complexos, ainda não devidamente compreendidos, do que defende a
visão mais convencional da ornitologia. “Nossos dados indicam que os
pássaros surgiram 35 milhões de anos depois do que afirma a estimativa
prevalente nos últimos 15 anos”, comenta o biólogo evolucionista Carl
Oliveros, da LSU, principal autor do estudo.
O trabalho também sinaliza
que os aumentos na taxa de diversificação desse grupo de aves em sua
história evolutiva não estão ligados a mudanças na temperatura global ou
à colonização de novas terras. “Esse resultado foi surpreendente e
indica que outros processos ainda não conhecidos influenciaram o
processo de diversificação dos pássaros”, comenta o ornitólogo
brasileiro Alexandre Aleixo, hoje curador do Museu de História Natural
da Finlândia, ligado à Universidade de Helsinque, um dos autores do
trabalho. Até o início de 2019, Aleixo era pesquisador do Museu Paraense
Emílio Goeldi, em Belém.
Historicamente, grandes mudanças geológicas têm sido apontadas como
um fator determinante para a criação de condições ambientais propícias
para o surgimento dos pássaros. No caso dessa ordem das aves, a
alteração comumente citada teria se dado há cerca de 82 milhões de anos.
Por volta dessa época, a Nova Zelândia se separou do que ainda restava
do antigo supercontinente austral Gondwana, que chegou a reunir América
do Sul, África, Índia, Oceania e Antártida.
Segundo essa linha de
raciocínio, os pássaros, aves delicadas e de menor porte do que seus
parentes mais distantes, teriam evoluído e adquirido novas formas nesse
pedaço de terra isolado do Pacífico, desprovido de mamíferos terrestres
predadores e com poucos répteis. Há, no entanto, uma parte truncada
nessa narrativa.
O registro paleontológico nunca amparou essa estimativa
cronológica. Fósseis de pássaros são raros, sua preservação é difícil, e
os mais antigos remontam a cerca de 50 milhões de anos.
Em um esforço de conciliação de dados genéticos, paleontológicos e de
biogeografia (estudo da distribuição das espécies no planeta), o novo
artigo chega a uma síntese evolutiva que aponta para uma origem mais
recente dos pássaros. “Nosso artigo é o mais completo sobre os
Passeriformes.
Acho que não resta muita margem de discussão sobre o
tema”, avalia Luís Fábio Silveira, curador da seção de ornitologia do
Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (MZ-USP), um dos autores
do estudo. “Para calibrar os resultados temporais obtidos com as
análises de DNA, nas quais encontramos mais de 4 mil regiões genômicas
ultraconservadas entre as famílias de pássaros, levamos em conta apenas
fósseis que claramente eram de aves dessa ordem ou de ordens próximas.”
Silveira enviou amostras de cerca de 20 pássaros brasileiros para o
trabalho, como o saíra-sete-cores (Tangara seledon), típico da Mata Atlântica.
O trabalho ratifica a divisão hoje mais aceita entre os
Passeriformes. A família mais antiga da ordem seria a dos
Acanthisittidae, as corruíras neozelandesas, aves endêmicas daquele país
que vivem em regiões altas. Essa família, às vezes também classificada
como uma subordem, teria surgido apenas 3 milhões de anos antes das
outras duas subordens mais antigas de pássaros, ambas originadas há 44
milhões de anos: a dos Tyranni, que inclui bem-te-vis, arapongas e
uirapurus entre suas mais de mil espécies, a maior atualmente encontrada
na América do Sul; e a dos Passeri, com cerca de 4 mil espécies, bem
distribuídas pelo globo, como os sabiás e os pintassilgos. Desses três
grupos ancestrais descendem todas as mais de 6 mil espécies de pássaros
espalhadas pelo planeta.
As primeiras aves, como o registro fóssil e numerosos trabalhos
científicos atestam modernamente, formavam uma das linhagens de
dinossauros, há mais de 150 milhões de anos. Como esses dinossauros com
penas deram origem, algumas dezenas de milhões de anos mais tarde, aos
graciosos pássaros encontrados na natureza, ainda é um processo
evolutivo não muito bem compreendido. “Queremos fazer com ornitologistas
de todo o mundo estudos ainda mais refinados das relações das aves ao
nível de espécie e de gênero como parte do nosso projeto OpenWings”,
comenta o ornitólogo Brant Faircloth, da LSU, coordenador do esforço
internacional que resultou no paper da PNAS.
Projeto
Sistemática, taxonomia e biogeografia de aves neotropicais: Os Cracidae como modelo (nº 07/56378-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisador responsável Luís Fábio Silveira (MZ-USP); Investimento R$ 86.928,28.
Artigo científico
OLIVEROS, C. H. et al. Earth history and the passerine superradiation. PNAS. 1º abr. 2019.
OLIVEROS, C. H. et al. Earth history and the passerine superradiation. PNAS. 1º abr. 2019.
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