terça-feira, 30 de abril de 2019

O Animal de sangue azul que salva vidas

carazul topoO límulo (Limulus polyphemus) mais conhecido como caranguejo-ferradura, é um artrópode bastante estranho por diversas razões. Para começar, apesar do nome (caranguejo), esta espécie está filogeneticamente mais próxima das aranhas e escorpiõe.

que dos caranguejos (Crustacea) propriamente ditos. Ele ainda é considerado um “fóssil vivo”, uma vez que os primeiros límulos surgiram há 400 milhões de anos. Estes animais podem viver vários meses sem se alimentar e também podem regenerar partes do corpo perdidas, seguindo um mecanismo parecido com a regeneração das estrelas-do-mar.

Os cientistas afirmam que o fato de os Límulos terem evoluído tão pouco ao longo desses 400 milhões de anos, é uma das razões que faz deste um animal tão diferente dos demais. O mais interessante a respeito dele, é sem dúvida o sangue. O sangue destas criaturas é AZUL, por causa de uma alta concentração de hemocianina e não a hemoglobina encontrada no nosso sangue. A hemocianina é uma proteína do sangue com pigmento azulado pois em vez de ferro, possui cobre em seu princípio ativo, e ao reagir com o oxigênio, fica azul.

O sangue azul do caranguejo-ferradura já vem sendo estudado (e usado) desde 1964 quando descobriu-se que este componente tinha poderes endotóxicos bacterianos e que poderia ser usado na cura de várias doenças causadas por bactérias. O sangue possui uma substância química encontrada apenas nos amebócitos de suas células que pode detectar até mesmo leves vestígios de bactérias e prendê-las em coágulos de onde não conseguem se livrar. Qualquer solução contaminada por bactérias irá formar coágulos parecidos com gel se entrar em contato com o sangue os limúlos. Se não existe contaminação bacteriana, a coagulação não ocorre. É um teste simples, quase instantâneo conhecido como LAL (Limulus Amebocyte Lysate).
Como objetivo de aproveitar ao máximo o poder de detecção bacteriano do sangue azul dos límulos, as indústrias farmacêuticas fazem a extração do sangue da criatura e alguns procedimentos o deixam ideal para os testes LAL. Para obter o composto LAL, requer-se o sangue de ao menos 500.000 caranguejos ao ano, dos quais são extraídos ao redor de 100 mililitros perfurando o pericárdio de seu coração primitivo .
Durante o processo 15% dos caranguejos morrem, os demais são devolvidos à água.Um litro de sangue deste caranguejo tem um preço aproximado de 15.000 dólares.É devido à presença de cobre na hemocianina e não de ferro, que o sangue adquire a peculiar cor azul. Extrato aquoso de amebócitos do caranguejo é utilizado com frequência em testes para detectar as endotoxinas bacterianas.


Caranguejos-ferraduras, os símbolos da resistência

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2016, David F. Donavel - Como ocorre a 200 milhões de anos, o sutil aumento da temperatura no limo frio já e suficiente para os caranguejos-ferraduras (Limulus polyphemus) iniciarem sua longa migração em direção as praias da costa atlântica dos Estados Unidos, onde costumam desembarcar entre maio e junho. Eles repetem esse despertar da primavera desde os tempos em que os dinossauros perambulavam pelo planeta, quando os continentes ainda se afastavam um dos outros e os mamíferos ensaiavam os primeiros passos para ser tornarem os reis do mundo animal. Para os caranguejos, nos somos meros intrusos, talvez tão passageiros quanto diversas criaturas que tiveram uma existência breve no planeta.
Estudos científicos sugerem que apenas duas espécies seriam capazes de sobreviver ao holocausto nuclear – as baratas e o Limulus, o que prova a resistência desses caranguejos. O movimento rumo à praia, lento e inexorável, e disparado por um dos mais fortes impulsos: o sexo. Os caranguejos deixam a lama, que habita durante o inverno, para se acasalar nas baias rasas, aquecidas pelo sol, no litoral da região que aqueles instruções – os seres humanos – convencionaram chamar Estados Unidos. Os machos vêm na frente e aguardam. Uma ou duas semanas depois é que aparecem as fêmeas. Entregadoras de ovos, liberando um poderoso fenômeno, uma espécie de perfume, típico dos caranguejos-ferradura, com a função de acender os desejos dos machos.
Esses então, se engalfinham para literalmente agarrar as recém-chegadas. Os caranguejos-ferraduras machos são equipados com afiadas tenezes, como se chama seu primeiro par de pernas, com as quais seguram na carapaça das companheiras. Assim, preços, permitem que as fêmeas os reboquem para a beira do mar. Na praia, uma única fêmea deve depositar de 3000 a 4000 ovos, em tons de verde e marrom, cada qual com cerca de 3 milímetros de diâmetro. O macho fertiliza esses ovos imediatamente depois da postura. Então, o casal cobre o ninho com areia. A desova do Limulus parece ser cuidadosamente planejada para coincidir com a elevação do nível da água, típica nos mares da primavera. Dentro dos ovos, os embriões passam por quatro mudas de carapaça, enquanto se desenvolvem. Um mês depois de fecundada, o ovo se rompe e aparece uma larva, cavando a areia. O caranguejo-ferradura recém-nascido já emerge bastante parecido com seus pais. A única diferença é a falta de um parelho digestivo desenvolvido. Por isso, o Limulus passa os primeiros dias envolto no saco vitelino – a bolsa que, na maioria das outra espécies, armazena nutrientes apenas para a fase embrionária da vida.
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O calendário rígido da desova determina um espetacular fenômeno na costa dos Estados Unidos: a migração de pássaro das mais diversas regiões do planeta, que vem se juntar com as gaivotas locais> Apesar de os caranguejos-ferraduras serem encontrados em praticamente toda a costa atlântica América, a maioria de Limulus habita a Baia Delaware. Ali, em 1990, foram contados 1 240 700 caranguejos. Esse numero formidável atraia não somente cientistas e naturalistas , como pássaros famintos pelos ovos. Ou seja, se a população desses pássaros também declinará. Além disso, milhares de pequenos peixes são atraídos para a beira da água, a fim de participar do banquete. Esses pequeninos, por sua vez, atraem peixes maiores aos quais servem de alimento. São tantas as interdependências, que muitas espécies sofreriam, caso o caranguejo-ferradura desaparecesse.
A ignorância dessa complexa cadeia, no entanto, fez com que durante muito tempo as pessoas encarassem o Limulus com um baderneiro, responsável pelo afastamento dos turistas. É verdade que a aparência do caranguejo-ferradura costuma inspirar medo: sua carapaça escura lembra um capacete, arrastando-se com dois olhos sinistros, enquanto balança uma cauda formidável, também conhecida o ultimo segmento de abdome de um crustáceo. Os banhistas, em geral, imaginam que aquela cauda e capaz de ataques letais, quando na realidade os Limulus são absolutamente inofensivos. Eles podem fincar o telso em observadores mais ousados, mas preferem fugir dos seres humanos, sempre que possível.
De fato, o caranguejo-ferradura não se parece com outros caranguejos. Não exibe Atenas nem mandíbulas, possui muita garra e ainda por cima, tem um numero errado de pernas. Ele esta mais para uma das ultimas espécies remanescentes dos primitivos escopioes-marinhos, sendo muito mais aparentado com as aranhas e com os carrapatos do que com seus xarás. O detalhe anatômico que mais o aproxima das aranhas e o aparelho respiratório no caso, guelras, dobradas como as paginas de um livro, para aumentar a superfície destinada à troca de gazes. Essas guelras e as genitais se encontram na parte mediana do abdome, chamado opistossomo. Do lado oposto ao da cauda fica uma parte larga, o prossoma, por onde se estende a boca, entre cinco pares de pernas agitadas.

Milhares morriam para se transformar em fertilizantes

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O Limulus se alimenta de minhocas, moluscos e crustáceos que habitam a lama ou o solo submarino. Graças a receptores no ventre, que fazem às vezes de narizes, ele sente a presença da presa: agarra-a, quebrando-a em inúmeros pedacinhos com a ajuda de espinhos espalhados por suas pernas. Um par de garras, então, termina o serviço, levando a comida ate a boca destinada. A cauda, com seus movimentos, impedem que o caranguejo seja carregado pelo vaivém das ondas. A carapaça do Limuls, normalmente, é toda riscada por linhas que, por sua vez, refletem o processo de crescimento do animal. Afinal, e como se o limulus vivesse dentro de um esqueleto – no caso, exoesqueleto, porque esta do lado de fora – incapaz de crescer.
Assim, a única maneira que o caranguejo tem de ganhar tamanho e trocando sua carapaça. A nova carapaça, a principio, e macia e flexível, ficando toda enrugada cada vez que o caranguejo emerge da lama para a água. As linhas que se vêem na dura carapaça são justamente resquícios dessas rugas. Os machos atingem a maturidade aos 9 anos., ou seja, depois da décima quinta muda; as fêmeas, por sua vez, são consideradas adultas aos 10 anos, quando já passaram por dezesseis mudas. Os cientistas especularam que os caranguejos-ferraduras vivem cerca de cinco anos depois de alcançar a maturidade. Os nativos americanos ensinaram aos imigrantes europeus que esses caranguejos são excelentes fertilizantes. Os nativos alias, também comiam os músculos responsáveis pelos movimentos abdominais do animal.
Na década de 50, o Limulus passou a ser usado na fabricação de alimentos para porcos e galinhas. Foi em Cape Cod, no Estado Massachusetts, porem, que o caranguejo-ferradura ganhou a fama de peste. Os pescadores de mariscos perceberam sua predileção por essas pequenas criaturas. E assim lhes declararam uma guerra: os caranguejos começaram a ser mortos aos milhares. Apesar de o gosto por mariscos ser verdadeiro, o fato é que os Limulus existem a milhões de anos e nem por isso suas presas entraram em extinção. Ao contrario: ao se alimentarem de outros animais, os caranguejos ate criam um ambiente favorável à sobrevivência da maioria dos mariscos.
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Por ironia, justamente em Cape Cod, o lugar onde o Limulus ganhou seu status de fora-da-lei, foi descoberto o seu imenso valor para a Medicina. Nos últimos sessenta anos, os cientistas vêm usando o nervo ótico do caranguejo-ferradura, por ser grande e de fácil acesso, para desvendar os mecanismos da visão.
Em 1967, alias, o médico Keffer Hartline, da Universidade Keffer Hartline, da Universidade Rockfeller, ganhou o premio Nobel por seus estudos na área oftalmologia, com a contribuição inegável do Limulus. Mas a pesquisa de maior aplicação foi realizada nos anos 50 pelo medico Frederick Bang, na Universidade Johns Hopkins. Ao estudar a circulação sanguínea desses caranguejos, Bang notou que eles possuíam apenas um tipo de célula sanguínea, que coagula na presença de endotoxinas grudadas chamadas bactérias gram-negativas.
Endotoxinas são moléculas capazes de provocar febre e, às vezes, morte quando caem na circulação sanguínea de um organismo qualquer. Elas existem em toda parte: na nossa comida e na água, no nosso intestino, nas paredes celulares de bactérias gram-negativas e, ainda, na lama que o Limulus habita. Provavelmente, a reação de coagulação diante de uma endotoxina representa uma espécie de sistema imunológico primitivo, que ajudou os caranguejos-ferraduras a sobreviver todos esses milhões de anos. Um reagente, fabricando a partir do sangue do caranguejo, chamado LAL- de lisato de amebócito do Limulus-, tem se mostrado muito eficiente na identificação de endotoxinas. Para entender a importância, é preciso conhecer essa substancias. Uma endotoxina é uma molécula dura de se destruir.
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Os métodos convencionais de esterilização são incapazes de afastá-las, por exemplo, dos equipamentos médicos: quando bactérias gram-negativas são mortas, suas células se rompem e, com isso, são liberadas mais e mais endotoxinas. Por causa disso, as indústrias farmacêuticas e de instrumentos hospitalares – como seringas e cateteres – tem de testar constantemente toda a sua produção, vigiando a eventual existência de endotoxinas. Se elas estiverem presentes, o paciente pode piorar ou morrer ao receber o tratamento. Antes de se descobrir o LAL, extraído dos caranguejos-ferraduras, a Food and Drug Administration (FDA), a rigorosa agencia do governo americano encarregada de fiscalizar a produção de remédios e equipamentos médicos, só considerava eficiente, no controle do problema, o chamado teste do coelho: o roedor recebia uma injeção do produto a ser testado e tinha a temperatura monitorada durante três horas. Se nesse período o coelho começava a arder de febre, era sinal de que havia endotoxina, um coágulo se forma imediatamente.
O maior centro de produção de LAL, fundado em 1974, fica em Cape Cod: trata-se da ACC (Associadas de Cape Cod), localizada em um edifício baixo, a beira da estrada. A aparência do prédio parece modesta, mas é impressionante o que se vê no interior: inúmeras prateleiras onde se penduram as fêmeas de caranguejos-ferraduras, fontes do LAL. O pico de produção coincide com o período de acasalamento, quando são coletadas na praia cerca de 1000 fêmeas por dia. Caso o animal já tenha doado sangue naquela estação, será poupado ate o ano seguinte. Caranguejos doentes e feridos também são desenvolvidos à praia.
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O sangue é retirado na articulação do abdome, onde existe uma fina membrana, capaz de ser perfurada pela agulha. Cada fêmea doa cerca de 100 mililitros de sangue, que é derramado diretamente em uma solução salina. Como o sangue dos caranguejos é à base de cobre – diferente do sangue humano, cujos glóbulos vermelhos carregam moléculas de ferro -, ao entrar em contato com o ar ele se transforma: o liquido vermelho-escuro passa a ser azul-leitoso. O processo não causa danos aos caranguejos: eles recuperam o volume sanguíneo 24 horas depois da doação e, cerca de sessenta dias mais tarde, já estão com seu estoque completo de hemocianina, a molécula azulada transportadora de oxigênio.
O sangue colhido é centrifugado, para separar o plasma azul das células. Essas células são lavadas com água destilada. Ao atravessar suas paredes, o liquido arrebenta as membranas. O resultado é a mistura de membranas celulares com enzimas dissolvidas na água. É justamente dessa parte aquosa, separada por uma nova centrifugação que se extrai o LAL.
Até a pouco tempo, os cientistas jogavam fora os outros produtos do sangue do Limulus – ou seja, o plasma azul e os pedaços de membranas celulares. Mas estudos realizados por cientistas da ACC mostram que, na membrana da célula sanguínea do caranguejo-ferradura – antes, destinada ao lixo -, existe uma proteína capaz de bloquear a molécula de endotoxina, neutralizando-a. Essa proteína poderá ser usada para remover endotoxinas de soluções ou mesmo para evitar a more de pessoas com choque séptico, como se chama o envenenamento por endotoxinas. Os resultados das experiências com animais são promissores. Por isso, a proteína do Limulus começa a ser testada em hospitais americanos.
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O plasma do caranguejo-ferradura também poderá ser muito útil aos médicos. Recentemente, os pesquisadores da ACC isolaram outra proteína desse componente sanguíneo, capaz de reagir ao acido siálico, substancia que costuma aumentar terrivelmente no organismo de pessoas com câncer. Assim, a proteína devera ser aplicada para diagnosticar mais precocemente a doença. Graças a tantas descobertas para a Medicina moderna, o Limulus polyphemus finalmente passa a ser encarado com respeito pelos intrusos seres humanos, nas praias onde desova há milhões de anos. Sua historia, no entanto, serve como ponto de reflexão, a respeito de outras espécies ameaçadas de extinção por pura ignorância nossa.

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