Elevação do Rio Grande pode ter sido uma ilha vulcânica
17 de abril de 2019
Elton Alisson | Agência FAPESP – Há 80
milhões de anos, erupções de lava vulcânica geradas pela separação das
placas tectônicas da África e da América do Sul – iniciada há 120
milhões de anos – deram origem a uma ilha como a Islândia. Essa ilha
vulcânica, que teria o tamanho do País de Gales, foi habitada por
dinossauros e era composta por um cânion, floresta e praia.
Há 40 milhões de anos o platô da ilha começou a submergir até chegar à
posição em que se encontra hoje, a 3 mil metros de profundidade, no
Atlântico Sul, e a 1,5 mil quilômetros a leste da costa brasileira, na
altura do Rio de Janeiro.
Essa hipótese da história evolutiva dessa porção continental submersa
no oceano Atlântico, conhecida como Elevação do Rio Grande, foi
reforçada por descobertas feitas por pesquisadores brasileiros e
ingleses durante um cruzeiro na região, realizado entre o fim de outubro
e o início de novembro.
Realizada com o navio de pesquisa oceanográfica Discovery, da realeza britânica, a expedição fez parte de um projeto apoiado pela FAPESP
e integrado por pesquisadores do Instituto Oceanográfico da
Universidade de São Paulo (IO-USP) e da University of Southampton, na
Inglaterra.
O objetivo do projeto é entender os processos que controlam a
formação, a distribuição e a preservação de crostas de ferromanganês –
depósitos minerais ricos em metais críticos para a indústria eletrônica e
para produção de novas tecnologias. Entre eles estão o cobalto,
essencial em baterias recarregáveis para os veículos elétricos, e o
telúrio, fundamental para a produção de células solares para geração de
energia solar de alta eficiência.
“Nosso objetivo é estudar como essas crostas de ferromanganês se
formaram dos pontos de vista biológico, geológico, paleoceanográfico e
paleoclimático”, disse Luigi Jovane, professor do IO-USP e um dos pesquisadores principais do projeto, à Agência FAPESP.
Cada vez mais escassos na superfície terrestre, alguns desses
elementos são altamente concentrados em depósitos no fundo do mar, em
nódulos e crostas de ferromanganês. Os maiores níveis de telúrio, por
exemplo, são encontrados em crostas de ferromanganês incrustadas em
montanhas submersas.
De olho nessas reservas, países como Inglaterra, Rússia, Noruega,
França, China, Alemanha, Japão e Coreia do Sul, entre outros, têm se
preparado para iniciar a mineração do fundo do mar. A atividade,
contudo, deverá ter impactos ambientais e só poderá ser considerada uma
opção viável se for sustentável.
“Ao identificar os processos que resultam em depósitos de alta
qualidade, pretendemos desenvolver um modelo preditivo para sua
ocorrência e estudar alternativas para minimizar os impactos ambientais
da exploração mineral”, disse Jovane.
A fim de compreender melhor os processos que controlam a formação e
composição desses depósitos minerais oceânicos, os pesquisadores
realizaram três cruzeiros em pequenas bacias de águas profundas na costa
do norte da África e do Brasil.
O primeiro cruzeiro foi realizado em outubro de 2016 em planícies
abissais ao longo da Ilha da Madeira, no Atlântico Norte, com o navio de
pesquisa oceanográfico inglês RRS James Cook. Já o segundo cruzeiro
ocorreu em fevereiro de 2018, na Elevação do Rio Grande, com o navio
oceanográfico Alpha Crucis, adquirido pela FAPESP para o IO-USP em 2012.
O terceiro cruzeiro, na mesma região e feito com o navio Discovery,
partiu do Porto de Santos em 20 de outubro, com uma equipe de 10
pesquisadores brasileiros e 10 ingleses, retornando 18 dias depois, no
dia 8 de novembro.
“Nesse terceiro cruzeiro, voltamos para áreas que tínhamos estudado
no segundo cruzeiro, em fevereiro, que não são abrangidas pelo programa
de estudos de crostas cobaltíferas na Elevação do Rio Grande do Serviço
Geológico do Brasil [CPRM]”, disse Jovane.
Em 2014, o Brasil obteve da Autoridade Internacional do Leito Marinho
(ISA, na sigla em inglês) – organismo ligado à Organização das Nações
Unidas (ONU) responsável por regular atividades que envolvam o fundo dos
oceanos em águas internacionais – o direito de estudar o potencial
mineral de 150 lotes na Elevação do Rio Grande nos próximos 15 anos e
apresentar os resultados para a ISA.
“Tentamos não sobrepor nossas áreas de estudo às do CPRM [Companhia
de Pesquisa de Recursos Minerais] e entender os processos que atuaram na
Elevação do Rio Grande que fizeram com que apresente as morfologias que
observamos”, disse Jovane.
Veículos autônomos e robóticos
Para mapear o leito oceânico da Elevação do Rio Grande, os
pesquisadores usaram sonares, que permitiram mapear o fundo do mar com
resolução suficiente para visualizar rochas com algumas dezenas de
centímetros de diâmetro.
Com base nos mapas gerados pelas ondas sonoras de alta frequência
foram definidos cinco locais de maior interesse para um veículo autônomo
submarino, o Autosub6000, registrar imagens em preto e branco.
Uma vez mapeada a área com os sonares e o Autosub6000, foi enviado um
veículo submarino robótico operado remotamente, o HyBIS. Este veículo
fica ligado ao navio e tem câmeras e refletores para registrar imagens
em vídeo do leito do mar, além de um braço mecânico articulável para
coletar amostras.
Por meio dessas tecnologias foi possível visualizar na área central
da Elevação um planalto raso com 800 metros de profundidade, dividido
por uma fenda profunda, com 1.400 metros de profundidade, que separa a
porção continental em duas partes.
Chamada de Grande Fenda, a fissura tem 24 quilômetros de largura e
vales profundos com encostas verticais – como um cânion – com até 600
metros de altura, feitos de rochas basálticas.
Nas rochas basálticas da parede do cânion foi possível observar
grandes áreas de crostas finas de ferromanganês bastante erodidas.
“Constatamos que em muitas regiões da Elevação as crostas e os subsolos
onde se formaram estão erodindo. Mas não sabemos ainda por que isso
ocorre”, disse Jovane.
Já a quase 1 quilômetro de distância da borda da Grande Fenda, os
pesquisadores encontraram um número expressivo de pedaços de crosta de
ferromanganês negro sobre arenito calcário – o que pode ser a evidência
de que a área foi uma praia.
As bordas do planalto da Grande Fenda, por sua vez, são compostas por
campos de pedregulho de basalto. Esse tipo de rocha só pode ser formado
em áreas onde há energia muito alta, como leitos de rios que correm
rapidamente ou na costa do mar, onde ondas podem colidir com os
penhascos, desalojar pedações de rocha e rolá-los ao redor até formarem
pedras lisas e redondas.
“Isso é uma evidência de que a Elevação do Rio Grande submergiu. A
lava vulcânica das erupções geradas pela separação das placas tectônicas
da África e da América do Sul transformou-se em falésias e as ondas
quebraram e rasgaram os penhascos da Grande Fenda”, estimou Bramley
Murton, professor da University of Southampton e cientista-chefe da
expedição.
Os pesquisadores também observaram no fundo das encostas, abaixo da
lava basáltica, um leito de argila vermelha. Uma das hipóteses é a de
que esse depósito de argila fundiu-se no topo de um segundo fluxo de
lava, abaixo do primeiro.
Os geólogos reconhecem esse tipo de lama como o topo de um fluxo de
lava que foi desgastado por condições subtropicais e úmidas, oxidando a
lava e transformando seu conteúdo de ferro em vermelho e transformando a
rocha em minerais de argila. “É o que chamamos de paleossolo”, disse
Jovane.
Uma das hipóteses é a de que, quando as erupções de lavas vulcânicas
deram origem à Elevação do Rio Grande, o sol e a chuva corroeram o topo
dela e a transformaram em solo. Milhares de anos depois, os vulcões
irromperam novamente e enterraram a paisagem em outro fluxo de lava
incandescente e tudo foi incinerado.
Enquanto esfriava, a lava se contraiu formando a Grande Fenda vista
hoje. Esse processo foi, provavelmente, seguido por ciclos adicionais
de intemperismo, formação do solo, crescimento de plantas, pastoreio de
animais, erupções de lava e incineração, estimou Murton.
“Encontrar evidências de que a Elevação do Rio Grande, que está
situada em águas profundas, um dia esteve em terra firme foi algo
totalmente inesperado”, avaliou o pesquisador.
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