Carbono negro encontrado no rio Amazonas revela queimadas recentes na floresta
20 de setembro de 2019
Elton Alisson | Agência FAPESP – Além dos rastros
de destruição na floresta, as queimadas na Amazônia deixam vestígios no
rio Amazonas e em seus afluentes. A queima incompleta da madeira das
árvores resulta na produção de um tipo de carbono – conhecido como
carbono negro – que chega às águas do Amazonas nas formas de carvão e
fuligem e é transportado para o oceano Atlântico como carbono orgânico
dissolvido.
Estudo internacional quantificou e caracterizou o carvão e a
fuligem produzidos pela queima incompleta de árvores que chegam às águas
do rio e são transportados para o Atlântico (foto: Wikimedia Commons)
Um grupo internacional de pesquisadores quantificou e caracterizou,
pela primeira vez, o carbono negro que flui pelo rio Amazonas. Os
resultados do estudo, publicado na revista Nature Communications,
mostraram que a maior parte desse material transferido para o oceano é
“jovem”, sugerindo que foi produzido por queimadas recentes na floresta.
“Constatamos por meio de análises de datação radiométrica [método que
usa o radioisótopo de ocorrência natural carbono-14 para determinar a
idade de materiais carbonáceos até cerca de 60 mil anos] e de composição
molecular que a maior proporção do carbono negro que encontramos no
Amazonas foi produzida nos últimos anos pela queima de árvores”, disse Jeffrey Edward Richey, professor da Universidade de Washington, dos Estados Unidos, e um dos autores do estudo.
Pesquisador visitante do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da
Universidade de São Paulo (Cena-USP), Richey realizou nos últimos cinco
anos um projeto apoiado pela FAPESP na modalidade São Paulo Excellence Chair (SPEC), com o objetivo de elucidar o papel da bacia do Amazonas no ciclo de carbono global.
Durante o projeto, os pesquisadores coletaram amostras de carbono
negro dissolvido no canal principal do rio Amazonas e em quatro
afluentes – os rios Negro, Madeira, Trombetas e Tapajós – em novembro de
2015, durante uma das estações mais secas na região.
Esse período foi escolhido para a realização do estudo porque o fluxo
de água estava baixo e a conectividade do rio Amazonas com sua várzea
ficou limitada. “Isso permitiu obter amostras apenas de água permanente e
identificar com maior acurácia as fontes de carbono negro na bacia
hidrográfica”, afirmou Richey.
Marcadores moleculares
A concentração e o conteúdo de carbono-14 nas amostras foram medidos
por meio de marcadores moleculares, como os ácidos policarboxílicos,
liberados pela oxidação de hidrocarbonetos policíclicos aromáticos do
carbono negro.
As medidas quantitativas dos marcadores foram combinadas com a
caracterização molecular das amostras usando técnicas de espectrometria
de massa de ultra-alta resolução.
Os resultados das análises revelaram que o carbono negro dissolvido
no rio Amazonas e seus afluentes e transportado para o oceano geralmente
é “jovem”, mas passa por um processo de envelhecimento à medida que
segue em direção ao mar.
As amostras coletadas mais longe do oceano Atlântico, como em Óbidos,
no Pará, são mais jovens. Já o material encontrado mais perto do oceano
tem idade mais antiga.
“Isso sugere que o envelhecimento do carbono negro pode ocorrer ao
longo do trajeto entre a terra, o rio e o oceano, e que componentes mais
reativos podem ser removidos durante o transporte desse material”,
disse Richey.
“O material mais recente poderia entrar em um processo de
mineralização até chegar ao oceano, o que causaria uma mudança de seu
perfil molecular, deixando-o com um sinal de que é mais velho. Mas ainda
há vários aspectos do armazenamento e transporte desse material da
terra para o rio e depois para o oceano que precisamos entender melhor”,
ponderou.
Por meio de um novo projeto, também apoiado pela FAPESP,
os pesquisadores pretendem fazer um número maior de medições para
comparar com as feitas em 2015. Dessa forma será possível identificar se
a produção de carbono negro “jovem” e, consequentemente, as queimadas
na floresta aumentaram nos últimos anos.
“Há uma grande preocupação com as queimadas recentes na Amazônia em
relação ao destino desse carbono gerado. Parte vai para a atmosfera, na
forma de dióxido de carbono, mas grande parte fica retida na terra ou na
água na forma de carbono negro”, disse Richey.
Maior fonte de matéria orgânica
De acordo com os pesquisadores, o rio Amazonas é responsável por um
quinto da descarga global de água doce no Atlântico e é a maior fonte
única de matéria orgânica terrestre no oceano, com uma exportação média
anual de 22 a 27 teragrama (27 milhões de toneladas) de carbono negro.
Por isso, é um sistema crucial para entender o transporte e o ciclismo
desse tipo de carbono, o mais estável da natureza.
Um componente abundante e lento no ciclo do carbono, o carbono negro
atua como um sumidouro de carbono da biosfera, ao remover o composto de
processos mais rápidos entre a atmosfera e a biosfera e sequestrá-lo em
reservatórios sedimentares.
O conhecimento sobre a origem, a dinâmica e o destino desse material é
fundamental para o desenvolvimento de modelos para prever as interações
entre as mudanças climáticas e o ciclo global do carbono, apontou
Richey.
“Nosso entendimento do papel do carbono negro no ciclo de carbono em
escala regional e global ainda é baixo devido, em grande parte, a
limitações sobre o processamento, a qualidade e o destino do carbono
negro dissolvido durante sua exportação dos rios para o oceano”, afirmou
o pesquisador.
“Precisamos saber, por exemplo, quanto tempo leva para o carbono
negro produzido pelas queimadas recentes na floresta chegar ao rio
Amazonas”, disse.
O artigo Marked isotopic variability within and between the Amazon River and marine dissolved black carbon pools (DOI:
10.1038/s41467-019-11543-9), de Alysha I. Coppola, Michael Seidel,
Nicholas D. Ward, Daniel Viviroli, Gabriela S. Nascimento, Negar
Haghipour, Brandi N. Revels, Samuel Abiven, Matthew W. Jones, Jeffrey E.
Richey, Timothy I. Eglinton, Thorsten Dittmar e Michael W. I. Schmidt,
pode ser lido na revista Nature Communications em www.nature.com/articles/s41467-019-11543-9.
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