Nova molécula interrompe ciclo de vida do parasita da malária
30 de agosto de 2019
Composto inibe enzima importante para o protozoário, interrompendo seu ciclo de vida no organismo humano e impedindo a transmissão para o mosquito vetor; descoberta publicada na Science teve
participação de pesquisadores financiados pela FAPESP (foto: CQMED)
André Julião | Agência FAPESP – Um grupo
internacional de pesquisadores comprovou que uma molécula denominada
TCMDC-135051 é capaz de inibir seletivamente uma proteína essencial para
o ciclo de vida do Plasmodium falciparum, uma das espécies causadoras da malária.
Os resultados do estudo, publicados nesta sexta-feira (30/8) na Science,
abrem caminho para o desenvolvimento de um novo fármaco contra a
doença, que tem 200 mil novos casos e mata quase meio milhão de pessoas
no mundo anualmente. Um dos obstáculos para a erradicação da malária,
atualmente, é o fato de o parasita ter adquirido resistência aos
medicamentos existentes.
Entre os autores estão integrantes do Centro de Química Medicinal (CQMED), sediado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), sob a coordenação do professor Paulo Arruda, e apoiado
pela FAPESP por meio do Programa Parceria para Inovação Tecnológica
(PITE). O grupo integra a rede do Structural Genomics Consortium (SGC) –
consórcio internacional de universidades, governos e indústrias
farmacêuticas para acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos. O
CQMED também é uma Unidade de Inovação da Empresa Brasileira de Pesquisa
e Inovação Industrial (Embrapii).
Sintetizada pela farmacêutica GSK, a molécula TCMDC-135051 mostrou ação específica sobre a proteína quinase PfCLK3 (sigla para cyclin-dependent–like kinase), sem afetar proteínas humanas.
“A inibição da PfCLK3 afeta o parasita em diferentes estágios
de desenvolvimento – tanto no que chamamos de fase assexuada, quando ele
se prolifera dentro da célula humana e provoca os sintomas, quanto na
fase sexuada, quando pode ser transmitido de volta para o inseto vetor e
completa seu ciclo, podendo infectar outros seres humanos”, disse Paulo Godoi, que realizou o trabalho durante pós-doutorado no CQMED.
Também participou do estudo Dev Sriranganadane,
que atualmente realiza estágio de pós-doutorado no mesmo centro. A
pesquisa foi coordenada por Andrew Tobin, da Universidade de Glasgow, na
Escócia.
“O grupo da Unicamp teve um papel essencial nesse projeto. Eles foram
capazes de responder se nossa droga poderia ter outros efeitos além de
inibir a PfCLK3. Sem essa informação, não poderíamos ter prosseguido com o estudo”, disse Tobin à Agência FAPESP.
Como os parasitas do gênero Plasmodium estão se tornando cada
vez mais resistentes às drogas antimaláricas existentes, há uma
preocupação crescente em encontrar novos compostos com potencial para
serem transformados em fármacos.
“Esse inibidor da PfCLK3 é bastante promissor, pois é capaz de eliminar o parasita em todas as fases do seu ciclo de vida”, disse Godoi.
A PfCLK3 controla a atividade e a produção de outras proteínas
importantes para a manutenção da vida do parasita. Ao bloquear sua
atividade, a molécula mata o P. falciparum e não só previne a transmissão como pode tratar a doença em humanos.
A TCMDC-135051 foi selecionada entre 24.619 moléculas que poderiam ter efeito sobre a PfCLK3 e foi a que mostrou maior especificidade sobre a proteína do parasita.
O estudo sugere ainda que a molécula tem ação sobre outras espécies de Plasmodium. Segundo Godoi, o composto foi testado in vitro contra as enzimas CLK3 das espécies P. vivax e P. berghei e em cultura de células de P. knowlesi (similar a P. vivax) e P. berghei, mostando atividade para as duas espécies.
"Foi também feito um teste em camundongos infectados com P. berghei. O resultado in vivo mostrou eliminação do parasita na corrente sanguínea após cinco dias de infecção", disse.
Contribuição brasileira
Para ser considerada segura, uma molécula candidata a se tornar um
fármaco não pode interferir com proteínas humanas. Tanto parasitas do
gênero Plasmodium quanto seres humanos possuem enzimas do tipo quinase. A quinase humana mais semelhante à proteína PfCLK3 de Plasmodium
é a PRPF4B. Assim, para comprovar que a molécula TCMDC-135051 é segura,
Tobin entrou em contato com o grupo do CQMED, um dos poucos que estudam
a função da PRPF4B humana.
“Colocamos a PRPF4B para interagir com concentrações diferentes da
nova molécula. E até a mais alta delas não foi capaz de inibir a enzima
humana”, disse Godoi.
Para garantir que a molécula seria segura para um futuro medicamento,
os pesquisadores precisavam provar que ela não afetaria a atividade de
proteínas importantes para a funcionamento do organismo humano.
“Nós decidimos apostar em uma proteína pouco estudada e agora
colhemos o fruto: tornar possível esse estudo com grande potencial para
um novo medicamento”, disse Rafael Couñago, coordenador científico do
CQMED.
Para se tornar um fármaco, porém, o inibidor ainda precisa passar por
novos testes. “Precisamos melhorar ainda mais a segurança da molécula
e, então, ela estará pronta para testes em humanos. Essa etapa deve
levar de três a cinco anos”, disse Tobin.
O artigo Validation of the protein kinase PfCLK3 as a multistage cross-species malarial drug target
(doi: 10.1126/science.aau1682), de Mahmood M. Alam, Ana
Sanchez-Azqueta, Omar Janha, Erika L. Flannery, Amit Mahindra, Kopano
Mapesa, Aditya B. Char, Dev Sriranganadane, Nicolas M. B. Brancucci,
Yevgeniya Antonova-Koch, Kathryn Crouch, Nelson Victor Simwela, Scott B.
Millar, Jude Akinwale, Deborah Mitcheson, Lev Solyakov, Kate Dudek,
Carolyn Jones, Cleofé Zapatero, Christian Doerig, Davis C. Nwakanma,
Maria Jesús Vázquez, Gonzalo Colmenarejo, Maria Jose
Lafuente-Monasterio, Maria Luisa Leon, Paulo H. C. Godoi, Jon M. Elkins,
Andrew P. Waters, Andrew G. Jamieson, Elena Fernández Álvaro, Lisa C.
Ranford-Cartwright, Matthias Marti, Elizabeth A. Winzeler, Francisco
Javier Gamo e Andrew B. Tobin, pode ser lido em: https://science.sciencemag.org/content/365/6456/eaau1682.
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