Descoberto o primeiro inseto sul-americano que emite luz azul
18 de setembro de 2019
André Julião | Agência FAPESP – Pesquisadores
brasileiros descobriram em uma reserva da Mata Atlântica uma larva de
mosquito capaz de emitir luz azul – algo inédito na América do Sul.
Embora diferentes insetos e fungos bioluminescentes sejam conhecidos no
continente, todos emitem luz nas cores verde, amarelo ou vermelho. A
nova espécie, nomeada Neoceroplatus betaryiensis, foi descrita na revista Scientific Reports.
Larva de mosquito encontrada no município
paulista de Iporanga tem propriedades bioluminescentes somente
observadas em espécies da América do Norte, Ásia e Nova Zelândia; estudo
abre caminho para novas aplicações biotecnológicas (foto: Henrique Domingos / IPBio)
“Essa larva foi encontrada durante uma coleta de cogumelos
bioluminescentes e chamou a atenção por emitir luz azul. Fungos e
vagalumes não emitem essa cor de luz, então só podia ser um novo
organismo”, disse à Agência FAPESP Cassius Stevani, professor do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) e coordenador do trabalho.
A pesquisa integra o Projeto Temático “Quimiexcitação eletrônica em sistemas biológicos: bioluminescência e 'foto'química no escuro”, coordenado por Etelvino José Henriques Bechara, professor do IQ-USP.
Segundo Stevani, espécies emissoras de luz azul só haviam sido
identificadas na América do Norte, Nova Zelândia e Ásia. A larva
bioluminescente foi encontrada na Reserva Betary, área particular de
Mata Atlântica localizada no município de Iporanga e vizinha ao Parque
Estadual Turístico do Alto Ribeira (Petar), no sul do Estado de São
Paulo.
Participaram da expedição de coleta o biólogo Isaias Santos e o norte-americano Grant Johnson, bolsista
de treinamento técnico da FAPESP. Ambos trabalham no Instituto de
Pesquisas da Biodiversidade (IPBio), organização que administra a
Reserva Betary e realiza atividades de turismo, educação ambiental e
pesquisa na propriedade, que abriga boa parte das espécies de cogumelos
bioluminescentes do mundo.
A descrição do novo inseto bioluminescente foi realizada pela entomóloga Rafaela Falaschi, que atualmente realiza estágio de pós-doutorado na Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). O nome N. betaryiensis foi escolhido em referência à reserva Betary.
Diferenças no padrão de luz
De acordo com Stevani, os indivíduos adultos da espécie não emitem
luz, apenas as larvas, que vivem escondidas em troncos e são dotadas de
três lanternas – uma na cauda e outras duas próximas aos olhos.
Dentre os exemplares coletados, porém, os pesquisadores encontraram
um que emitia luz de vários pontos ao longo do corpo. A larva foi
levada ao laboratório, tornou-se uma pupa (também bioluminescente), mas,
em vez de dar origem a um mosquito como seria esperado, dela saiu uma
vespa.
Os pesquisadores concluíram que a vespa também pertence a uma nova
espécie da família Ichneumonidae, conhecida por depositar os ovos dentro
de larvas de outros insetos, que acabam gerando vespas adultas. Ainda
não se sabe, porém, se o padrão diferente de luz observado na larva
ocorreu devido à infecção causada pela vespa, se corresponde a uma
espécie nova de mosquito ou se estaria relacionado com o dimorfismo
sexual da N. betaryiensis, ou seja, com características morfológicas que diferenciam fêmeas e machos.
Novo sistema
Além da importância para o conhecimento da biodiversidade, a
descoberta da espécie emissora de luz azul – bastante rara entre esses
organismos – traz a possibilidade de se desvendar um novo sistema de
bioluminescência, que poderia dar origem a novas aplicações analíticas
ou biotecnológicas, como marcação de células ou genes específicos em
estudos biológicos ou biossensores de poluição, por exemplo.
Como todo ser bioluminescente, a nova espécie gera luz a partir da
reação de um substrato – a luciferina – e uma enzima que a catalisa – a
luciferase. Para realizar a separação dos dois compostos, os
pesquisadores fazem um extrato dos animais e o separam em duas porções.
Uma continua conservada em gelo, com todas as enzimas preservadas
(luciferase), enquanto a outra é aquecida, de forma que as enzimas sejam
eliminadas e só fique o substrato (luciferina).
Para começar a caracterizar o sistema bioluminescente da N. betaryiensis, os pesquisadores do grupo de Vadim Viviani,
professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em Sorocaba,
usaram como ferramenta a luciferina e a luciferase purificadas em seu
laboratório a partir de outra espécie com capacidade de emitir luz azul,
a Orfelia fultoni, que vive nos Montes Apalaches, nos Estados Unidos e Canadá.
“Graças ao fato de termos a luciferase e a luciferina da O. fultoni
já purificadas em nosso laboratório, conseguimos realizar as reações
cruzadas com a nova espécie. Em todas as combinações houve emissão de
luz. Além disso, mostramos que a larva do mosquito também tem uma
proteína que estoca luciferina, chamada anteriormente de SBF (sigla para
Substrate Binding Fraction), assim como a O. fultoni.
Portanto, ambas as espécies compartilham do mesmo sistema bioquímico”,
disse Viviani, que lidera o grupo de pesquisa Bioluminescência e
Biofotônica, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq).
Próximos passos
Em 2000, Viviani e os pesquisadores Thérèse Wilson e J. Woodland
Hastings realizaram a primeira caracterização do sistema bioluminescente
de O. fultoni, durante seu pós-doutorado na Harvard University.
Desde então, o pesquisador vem realizando a caracterização bioquímica da
luciferina e da luciferase desses mosquitos.
Viviani coordena o Projeto Temático “Bioluminescência de Artrópodes”, financiado pela FAPESP. Recentemente, seu grupo descobriu uma espécie do gênero Neoditomyia
em cavernas do parque Intervales, no sul do Estado de São Paulo, que
também possui luciferina e a sua proteína de ligação (SBF), mas não
emite luz. Quando seu substrato foi misturado com a luciferase de O. fultoni, assim como da nova espécie, no entanto, gerou luz azul (leia mais em: agencia.fapesp.br/28840).
Também do ponto de vista genético, análises mostraram que a nova espécie é próxima da Neoditomyia e de O. fultoni.
Baseados no conhecimento existente sobre as outras espécies, os
pesquisadores planejam agora isolar e investigar a luciferase e a
luciferina da N. betaryiensis, mais rara e não tão facilmente encontrada como a espécie norte-americana.
“Já dispomos da luciferase e da luciferina da O. fultoni norte-americana e da espécie Neoditomyia
de Intervales purificadas e parcialmente caracterizadas em nosso
laboratório na UFSCar, o que propiciou a realização deste estudo inicial
e facilitará também o isolamento da luciferina e a clonagem da
luciferase de Neoceroplatus no futuro”, disse Viviani.
Uma vez isoladas, as substâncias serão clonadas e sua estrutura
determinada. A da luciferase, pelo grupo da UFSCar, e a da luciferina,
pelo de Stevani no IQ-USP.
“Já temos a fórmula molecular da luciferina. Sabemos quantos átomos
de carbono, hidrogênio, nitrogênio, oxigênio, enxofre e outros elementos
ela tem. Mas não sabemos como esses átomos estão ligados. Precisamos
fazer experimentos como de ressonância magnética nuclear para elucidar a
estrutura, o que espero que aconteça em breve”, disse Stevani, que
coordenou um projeto de pesquisa sobre cogumelos bioluminescentes financiado pela FAPESP (leia mais em: revistapesquisa.fapesp.br/2018/12/05/brilho-construido).
O artigo Neoceroplatus betaryiensis nov. sp. (Diptera: Keroplatidae) is the first record of a bioluminescent fungus-gnat in South America
(doi: 10.1038/s41598-019-47753-w), de Rafaela L. Falaschi, Danilo T .
Amaral, Isaias Santos, Adão H. R. Domingos, Grant A. Johnson, Ana G. S.
Martins, Imran B. Viroomal, Sérgio L. Pompéia, Jeremy D. Mirza, Anderson
G. Oliveira, Etelvino J. H. Bechara, Vadim R. Viviani e Cassius V.
Stevani, pode ser lido em: www.nature.com/articles/s41598-019-47753-w.
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