Brasil pode se beneficiar com melhora na gestão de resíduos sólidos
02 de setembro de 2019
Reaproveitar materiais de eletrônicos
descartados e usar os detritos da agroindústria para gerar energia são
exemplos de economia circular destacados durante seminário que integra a
programação do Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação, na Alesp (foto: Felipe Maeda / Agência FAPESP)
André Julião | Agência FAPESP – Minerais nobres,
como o cobre, estão entre os materiais que podem ser retirados de
eletrônicos descartados e reutilizados em novos celulares e
computadores. Já o resíduo orgânico doméstico e o proveniente da
agroindústria podem dar origem tanto a adubo natural como ao biogás e ao
biometano e ser usados diretamente como combustível ou queimados para
geração de energia elétrica.
Essa chamada economia circular, no entanto, depende de uma gestão
adequada dos resíduos sólidos. Para isso, universidades, governos e
empresas precisam trabalhar de forma integrada, criando tecnologias e
políticas públicas adequadas.
A análise é de especialistas presentes no seminário “Ciência e a
Gestão de Resíduos Sólidos”, ocorrido no dia 26 de agosto como parte do
Ciclo ILP-FAPESP de Ciência e Inovação. Os eventos da série ocorrem uma
vez ao mês na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e são
resultado de uma parceria entre o Instituto do Legislativo Paulista
(ILP) e a FAPESP.
Um dos campos mais promissores para a geração de energia a partir de
resíduos é a agroindústria. Responsável por mais de 20% do Produto
Interno Bruto (PIB) nacional, o setor também gera em grandes quantidades
elementos que podem ser reaproveitados, como estrume de animais,
bagaço, vinhaça e torta de filtro da cana-de-açúcar (subprodutos da
indústria sucroalcooleira), entre outros.
“Só na produção de cana-de-açúcar, são gerados hoje 200 milhões de
toneladas de resíduos sólidos por ano. Alguns têm uma destinação. O
bagaço, por exemplo, nem pode ser considerado resíduo: é queimado para
gerar energia elétrica para as próprias usinas, tornando-as
autossuficientes”, disse Bruna de Souza Moraes, pesquisadora do Núcleo
Interdisciplinar de Planejamento Energético da Universidade Estadual de
Campinas (Nipe-Unicamp).
A professora apresentou ainda outros exemplos no Brasil e no exterior
de geração de energia a partir de resíduos da agroindústria, como o da
cidade de Entre Rios do Oeste, no Paraná, que gera biometano com
resíduos da criação de porcos. Depois dos dejetos serem colocados em um
biodigestor, o gás gerado corre por uma rede de gasodutos e é queimado
em uma minicentral termelétrica, movimentando um gerador e levando
energia para a rede da cidade.
Quando se trata de eletroeletrônicos, o que hoje é um passivo
ambiental também pode ser transformado em recursos. O lixo eletrônico
tem grandes quantidades de metais que podem ser totalmente reutilizados,
desde que sejam realizadas técnicas adequadas para a sua recuperação.
“Não é trivial fazer a reciclagem de eletroeletrônicos, que usam
materiais cada vez mais raros na natureza. Então, o caminho natural é
fazer essa recuperação”, disse Jorge Alberto Soares Tenório, professor da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP).
O pesquisador lembrou que a produção de eletroeletrônicos consome
hoje, por exemplo, 30% do cobre e mais de 80% do índio, metal usado em
telas de smartphones, produzidos no mundo. As chamadas terras-raras,
também usadas nesses equipamentos, existem hoje em apenas um país, a
China.
“Se não recuperarmos esses minerais, eles vão se perder. A ideia,
portanto, é realizar processos para criar uma economia circular para
produzir esses bens que temos em mãos, como celulares, TVs e demais
eletroeletrônicos”, disse Tenório, que em seu laboratório consegue
recuperar atualmente até 10 diferentes materiais por meio de técnicas
mecânicas, térmicas ou químicas.
Gestão
Um passo fundamental para que os resíduos possam ter uma destinação
adequada foi a promulgação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, em
2010.
“Hoje, quem atua nessa área tem um norte, um direcionamento do que
fazer inclusive em termos de pesquisa, tanto em nível de ciência quanto
de tecnologia. Então, a Política Nacional de Resíduos Sólidos é um marco
para quem estuda esse tema”, disse Valdir Schalch, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP).
O pesquisador lembrou que 60% dos municípios brasileiros ainda têm
lixões, nos quais os resíduos são despejados a céu aberto sem nenhum
tratamento. O fim dos lixões era uma meta estabelecida para 2014, que
acabou sendo estendida para 2021.
Na gestão dos resíduos sólidos, a parte mais onerosa para as
prefeituras é a coleta, correspondente a 70% dos custos. Como estima-se
que o Brasil gaste cerca de R$ 21 bilhões por ano com a gestão de
resíduos, mais de R$ 14 bilhões iriam só para a coleta.
Com esse problema em vista, a RedeResíduo desenvolve, com auxílio
do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), um sistema
inteligente que avisa, em um determinado perímetro, quais lixeiras estão
cheias e quais estão vazias. Com esses dados, é possível traçar uma
rota e evitar deslocamentos desnecessários, otimizando a coleta e
gerando uma economia em torno de 30%.
“Estamos convivendo com algumas tendências mundiais de escassez de
matéria-prima e recursos, ao mesmo tempo em que os custos de gestão
ambiental são bem maiores. Se não inovarmos, vamos chegar ao mesmo
lugar. E hoje esse local é o aterro sanitário, rios e mares poluídos
cheios de plástico. O que vai fazer a diferença é tecnologia e
inovação”, disse Francisco Luiz Biazini Filho, sócio da empresa.
Participaram ainda do evento Vinícius Schurgelies, diretor-presidente
do Instituto do Legislativo Paulista (ILP); o professor Fernando
Menezes de Almeida, diretor administrativo da FAPESP, e o ex-deputado
estadual Roberto Massafera (PSDB).
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