quarta-feira, 27 de novembro de 2019

Impacto das Mudanças Climáticas na saúde da população

Em texto, docente da Unesp também analisa propostas feitas ao país por grupo de cientistas

25/11/2019 por: Karina Pavão Patrício
Karina Pavão Patrício é docente do Departamento de Saúde Pública e tem experiência na área de Saúde Coletiva, com ênfase em Saúde Ambiental


As mudanças climáticas são apontadas, desde 2009, como a maior ameaça a saúde pública da humanidade, mas a resposta a ela pode ser a maior oportunidade de saúde global do século 21. Para que o mundo atinja as metas climáticas da Organização das Nações Unidas e proteja a saúde das próximas gerações o cenário energético terá que mudar de forma drástica e rápida, somente com um corte anual de no mínimo 7,4% nas emissões fósseis de CO2 entre 2019 e 2050 limitará o aquecimento global à meta de 1,5 °C, considerada a mais ambiciosa.

Para discutirmos este tema foi realizado, no dia 18 de Novembro, no Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP, o lançamento oficial do relatório Lancet Countdown 2019.  

Este documento apresenta achados e recomendações para o cenário brasileiro, com base no relatório global Lancet Countdown 2019. As recomendações políticas apontadas pelo documento, que analisou dados dos impactos das mudanças climáticas na saúde dos brasileiros, focaram em quatro áreas: vulnerabilidade a doenças transmitidas por mosquitos, carvão, poluição do ar e emissões dos setores da saúde. Além de apresentar dados recentes, foram discutidas as consequências de adiarmos as ações de mitigação e as vantagens de uma resposta adequada.

Os dados
 
O Brasil já ocupa a 7ª posição mundial na emissão de GEE (Gases do Efeito Estufa), tendo um importante papel na mitigação das mudanças climáticas. Dados nacionais brasileiros indicam que os eventos extremos relacionados ao clima contribuem com uma significativa carga de doença entre os brasileiros, sendo mais afetados as crianças e os idosos, impondo uma carga elevada sobre os sistemas da saúde
Longas secas, chuvas excessivas e incêndios não controlados estão agravando os efeitos sobre a saúde. O crescimento contínuo da dengue pode tornar-se incontrolável em breve - a incidência triplicou desde 2014. Lamentavelmente, o desmatamento de florestas, como vimos na acontecer intensamente na Amazônia, está aumentando novamente, assim como o uso de carvão. Não é a hora de retroceder, ao contrário, as políticas publicas devem ser mais rígidas no sentido do Brasil emitir menos GEE.
Segundo o relatório, as crianças são as que mais sofrerão com o aumento de doenças infecciosas, como a dengue, e terão dificuldade de respirar um ar puro. Os estudos relatam extensos danos à saúde causados pelas mudanças climáticas e apontam consequências para toda a vida de crianças nascidas hoje. À medida que as temperaturas se elevam, os bebês são mais vulneráveis aos males da desnutrição e aumento nos preços dos alimentos.
Além disso, as crianças são as que mais sofrerão com o aumento de doenças infecciosas, com um aumento de 11% na capacidade de um tipo de mosquito transmitir dengue no Brasil, como resultado das mudanças climáticas. Exposição a incêndios florestais e o impacto da poluição do ar também são alguns dos pontos citados pelo documento. Durante a adolescência, essas crianças sofrerão com os níveis perigosos de poluição atmosférica ao ar livre, que contribuíram para 24 mil mortes prematuras só em 2016. Os eventos climáticos extremos também se intensificarão na idade adulta de pessoas nascidas hoje; no Brasil, desde 2001, 1,6 milhão de pessoas foram expostas a incêndios florestais.
Para fazer frente a este cenário, o relatório Lancet countdown 2019 faz as seguintes recomendações:

Recomendação 1
 
Melhorar a vigilância e o tratamento da dengue e outras doenças transmitidas por mosquitos. Oferecer acesso universal ao saneamento básico, à água potável, à gestão de resíduos e à educação para controlar a transmissão do vetor. O relatório global Lancet Countdown 2019 monitora a capacidade vetorial (CV) destes mosquitos para transmitir a dengue. No Brasil, a partir da década de 1950, a CV para transmitir a dengue aumentou 5,4% para o Aedes aegypt e 11,2% para o Aedes albopictus, respectivamente. O numero de casos de dengue no Brasil desde 2014 aumentou três vezes mais.

Recomendação 2
 
Suprimir rapidamente a geração de energia oriunda da queima do carvão. O uso de carvão no Brasil triplicou ao longo dos últimos 40 anos. Torna-se essencial investir em energia limpa e tem incentivos do governo para isto, mas no Brasil os investimentos diminuíram, desfavorecendo os que querem utilizar.

Recomendação 3
 
Reafirmar o compromisso nacional para atingir um desmatamento ilegal zero até 2030 e juntamente com restauração do ambiente da floresta e redução substancial da 92 queima de biomassa. O desmatamento na Amazônia está atingido um ponto crítico, em torno de 20 a 25%, após o qual sofrerá uma transição para ecossistemas não-florestais no leste, no sul e no centro da Amazônia. De agosto de 2018 a agosto de 2019, o INPE relatou 17.050 km² de 213 desmatamento na Amazônia – uma área semelhante às Ilhas Fiji.

Recomendação 4
 
Desenvolver uma versão brasileira do Índice de Qualidade do Ar. A poluição do ar é uma importante causa de mortalidade prematura no Brasil, tendo o relatório global Lancet Countdown 2019 indicado que a poluição do ar ambiental (PM2.5) a partir das atividades humanas resultou em quase 24.000 mortes prematuras em todo Brasil em 2016.1 A principal causa destas mortes prematuras é devido a emissões PM2.5 das casas, seguidas pela indústria e pela agricultura
As queimadas e a presença de PM2.5 foram associadas a um aumento na ocorrência do baixo peso ao nascer, diminuição da função respiratória nas crianças, e taxas mais elevadas de hospitalização por doenças respiratórias nas comunidades da Amazônia brasileira

Recomendação 5
 
Implantar uma unidade de desenvolvimento sustentável para o Sistema Único de Saúde (SUS) e o setor privado de saúde e alinhá-la com a implementação dos princípios da Organização Mundial da Saúde (OMS) para uma política de contratos públicos ecológicos para reduzir a poluição do setor da atenção à saúde e reduzir os custos associados. Alinhado a isto, o tema da prestação de atendimento à saúde de maneira sustentável e com baixa emissão deve ser integrado ao currículo da formação e da educação continuada de profissionais de saúde.

O relatório global Lancet Countdown 2019 estima que, em 2016, o Setor de Atenção à Saúde brasileiro produziu aproximadamente 46 milhões de toneladas de CO2, quase o dobro das 25 milhões de toneladas produzidas em 2007.
Neste caminho, o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Botucatu criou, em 2013, a Unidade Especial de Saúde Sustentável, a fim de adotar praticas mais sustentáveis, reduzir emissão de GEE e capacitar os profissionais para mudanças de hábitos mais sustentáveis e conscientes no trabalho. Assim como na FMB, temos a Comissão de ética Ambiental que está implantado atualmente um programa de coleta seletiva destinando todo material reciclável, que deverá ser separado corretamente, para a cooperativa de catadores local.

Sobre o Lancet Countdown

Lancet Countdown: Tracking Progress on Health and Climate Change é uma colaboração internacional de pesquisa, dedicada a acompanhar a resposta do mundo às mudanças climáticas e os benefícios para a saúde que emergem dessa transição. O Lancet Countdown reúne 35 instituições acadêmicas líderes e agências da ONU para rastrear indicadores anuais de progresso, capacitando profissionais de saúde e apoiando formuladores de políticas para acelerar as respostas as mudanças climáticas.

O documento assinado pelo Lancet Countdown também teve a co-assinatura da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) e a Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ).
Os co-autores nacionais são Mathias Bressel, Sandra Hacon, Carlos Nobre, Daniel Knupp, Daniel Soranz, Paulo Saldiva, Laura dos Santos Boeira e Karina Pavão Patrício, com revisão internacional de Nick Watts, Alice McGushin e Jessica Beagley.

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