segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O que são e como funcionam as vacinas

Pesquisador da USP fala sobre os mecanismos de ação e a segurança das vacinas; tema do próximo USP Talks, dia 28 de agosto. Evento é gratuito e aberto ao público, no auditório do MASP

23 Agosto 2018 | 07h00
Vacina contra a febre amarela. Foto: Rafael Arbex/Estadão

Vacina de vírus inativado. Vacina com partículas virais. Vacina de DNA. Sabe o que tudo isso significa? O pesquisador Luís Carlos Ferreira, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) explica na entrevista abaixo o que são as vacinas, seus diferentes tipos, como elas funcionam, e as questões de segurança e eficácia relacionadas a elas.

Responsável pelo Laboratório de Desenvolvimento de Vacinas da USP, ele será um dos palestrantes do próximo USP Talks, dia 28 de agosto, ao lado da epidemiologista Carla Domingues, coordenadora do Programa Nacional de Imunizações do Ministério da Saúde, que falará sobre a volta do sarampo e os riscos associados à queda nos índices de vacinação de várias outras doenças no Brasil.
Mais detalhes sobre o evento no link: https://goo.gl/3yyPmC. O evento é gratuito e aberto ao público.

Como funcionam as vacinas, de uma forma geral? 

Luís Carlos Ferreira: As vacinas têm por finalidade simular uma doença infecciosa, só que de forma segura, sem causar a doença nem efeitos colaterais graves. Uma vez aplicada, a vacina desencadeia uma série de reações imunológicas, que levam a um estado de proteção (imunidade protetora) contra a doença para a qual a vacina foi desenvolvida. Essa proteção tem como principais características a longevidade e a especificidade. Para a maioria das vacinas atualmente disponíveis a imunidade protetora é atribuída à produção de anticorpos que reconhecem o patógeno (agente causador de doença) e o impedem de se multiplicar e causar a doença no indivíduo vacinado.

Existem diferentes tipos de vacinas? Quais são, e quais as diferenças essenciais entre eles?

LCF: Atualmente existem mais de 60 vacinas desenvolvidas e aprovadas para uso em seres humanos. Vinte e oito (28) delas estão disponíveis para a população brasileira. Quanto à composição, as vacinas são classificadas em três grandes grupos. As de primeira geração incluem vacinas que contêm na sua formulação microrganismos inteiros vivos, mortos ou atenuados (ou seja, incapazes de causar doença). As vacinas de segunda geração contêm na sua formulação frações ou fragmentos de patógenos, como proteínas e açúcares, muitas vezes produzidas por microrganismos diferentes daqueles que causam a doença.  Por fim, existem as vacinas de terceira geração, que utilizam apenas a informação genética do patógeno (são as chamadas vacinas genéticas). Todas as vacinas atualmente disponíveis são de primeira ou segunda geração.

As vacinas são seguras? Por que algumas pessoas têm reações adversas a elas — podendo até levar à morte em alguns casos?

LCF: Para a grande maioria da população as vacinas em uso são seguras e não causam reações adversas graves. Em geral, reações locais são muito brandas ou imperceptíveis; mas, em alguns indivíduos, reações podem ser notadas (febre, inflamação local, mal estar, irritação na pele, etc). Em um número ainda menor de pessoas, reações mais graves, como alergias, infecções locais ou sintomas semelhantes à doença para qual a vacina foi desenvolvida podem ser notados (em geral menos de um para cada 100.000 pessoas vacinadas). Registros de mortes associadas às vacinas são ainda mais baixos e, quando bem analisados, constata-se que a causa da morte não foi relacionada à vacina, mas a outro evento.

Como a segurança das vacinas se compara a dos medicamentos, de uma forma geral?

LCF: Assim como qualquer medicamento, vacinas devem ser utilizadas segundo prescrições e orientações médicas. As vacinas devem ser aplicadas na idade correta, em quantidade correta e em número de doses correto para que funcionem e não causem efeitos colaterais indesejáveis. Antes de ser liberada para uso em seres humanos, cada vacina passa por uma série de testes clínicos que avaliam a sua segurança e a eficácia em seres humanos. Esses testes clínicos levam anos para serem concluídos. Qualquer vacina que mostre uma incidência maior de efeitos colaterais indesejáveis ou confira uma baixa proteção imunológica à doença para a qual foi desenvolvida é reprovada e não é comercializada.

Seria possível, com mais pesquisas, produzir uma vacina 100% segura (sem risco de efeitos colaterais)?

LCF: À medida que as tecnologias de desenvolvimento e produção se aprimoram, as vacinas se tornam mais seguras e eficazes para uso em humanos. Uma vacina desenvolvida hoje é, em geral, mais segura do que vacinas desenvolvidas no passado. No entanto, assim como qualquer medicamento, há um risco (muito baixo) de que certas pessoas desenvolvam reações colaterais. Existe também o risco de pessoas vacinadas não desenvolverem a proteção imunológica que se espera delas. No entanto, esses casos são muito limitados e não impactam o benefício que as vacinas trazem para uma população, caso a maioria das pessoas seja vacinada corretamente.

Quais são as doenças consideradas prioritárias para o desenvolvimento de novas vacinas nesse momento? E em que pé está esse desenvolvimento?

LCF: Hoje temos cerca de 60 vacinas que se mostram eficazes para a prevenção de doenças infecciosas. No entanto, existe pelo menos uma centena de patógenos para os quais ainda não se dispõe de vacinas eficazes e seguras para uso em seres humanos. Por exemplo, não temos vacinas para prevenir infecções hospitalares nem muitas doenças sexualmente transmissíveis (como HIV e sífilis), respiratórias ou diarreicas, sejam elas causadas por vírus, bactérias ou parasitos. Também não dispomos de uma única vacina capaz de prevenir infecções por fungos (candidíase, aspergiloses entre outras) ou parasitos (como doença de Chagas e malária) que causam um grande número de doenças e ainda matam milhares de pessoas anualmente. Tais vacinas representam um enorme desafio a ser enfrentado. As armas para enfrentarmos esse desafio são o conhecimento científico e a determinação política de priorizar os investimento nessa área.

Como funcionam as vacinas e por que uma dose nem sempre é suficiente?

Em 1796, o médico britânico Edward Jenner descobriu a primeira vacina. Para isso, ele extraiu pus de uma mulher que havia contraído a varíola bovina e o inoculou em James Phipps, uma criança de apenas oito anos. O garoto, que era saudável, teve uma forma leve da doença, mas sarou rapidamente. Cerca de dois meses depois, o médico fez outro teste em Phipps. Dessa vez, ele inoculou uma pústula da versão humana da varíola (mais agressiva) e o garoto não ficou doente. Ele estava imune.

De lá para cá, os cientistas vêm desenvolvendo vacinas contra as mais variadas doenças –entre elas, a dengue. Todas funcionam da mesma maneira que a versão nada tecnológica de Jenner: estimulando o organismo a produzir anticorpos contra um determinado microrganismo, sem que, para isso, seja preciso ficar doente.

Quando uma criança é vacinada, é como se o corpo recebesse uma imitação da doença, mas muito mais fraca. "Algumas até possuem uma virulência residual do microrganismo, mas são muito atenuadas", explica Reinaldo de Menezes, consultor científico do instituto Bio-Manguinhos, da Fiocruz.
Isso é o suficiente para o que o organismo comece a produzir uma defesa específica para combater aquele vírus ou bactéria. Quando a infecção for eliminada, as células de defesa já terão criado uma "memória" contra a doença.

Fragmentos 'do bem' de vírus e bactérias 

Atualmente, as vacinas são produzidas, principalmente, a partir de fragmentos de vírus e bactérias ou com esses microrganismos atenuados ou inativados. "A escolha do tipo de vacina é feita após muita pesquisa e com base na efetividade de cada modelo", explica Menezes. "A opção é sempre pelo produto que tem o melhor equilíbrio entre proteção e imunidade", explica.

Vacina atenuada: contém uma versão enfraquecida do vírus, portanto não causa a doença em pessoas com o sistema imunológico saudável. Como é feita com um vírus vivo, é a que consegue causar uma infecção "mais natural", o que produz uma resposta melhor do nosso sistema de defesa. Não é indicada a pessoas com problemas imunológicos, como crianças em tratamento com quimioterapia. Exemplos: sarampo, caxumba, rubéola e varicela.

Vacina inativa: produzidas com microrganismos mortos ou com seus fragmentos.  São mais seguras, mas também desencadeiam uma resposta imunológica menor. Frequentemente, são necessárias mais de uma dose para uma defesa prolongada. Exemplos: pólio, raiva, influenza, hepatite A.

Toxoides: vacina feita com toxinas modificadas de bactérias. Seu objetivo é prevenir as doenças que são causadas não pela bactéria em si, mas pela toxina que ela produz dentro do corpo. Exemplo: difteria e tétano.

Conjugadas: combatem doenças causadas por bactérias encapsuladas (possuem uma capa protetora de polissacarídeos). A vacina age conectando esses polissacarídeos a antígenos aos quais nosso sistema imune responde de maneira eficaz. Exemplo: pneumocócica 23.

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Cobertura de vacinação infantil no Brasil é de 95%. Desafio do Ministério
da Saúde é expandir para adolescentes e adultos. Imagem: iStock

Por que algumas vacinas precisam de várias doses? 

De acordo com o Centro para Controle de Doenças Infecciosas, nos Estados Unidos, existem algumas razões principais para que os bebês precisem de mais de uma dose da maioria das vacinas.
Algumas não fornecem imunização adequada já na primeira dose, o que é particularmente verdade nas vacinas inativadas, produzidas com o microrganismo morto. "Na segunda e até na terceira dose a sensibilização inicial é potencializada e a resposta imunológica se torna muito maior", explica Menezes.

Outras vacinas, como aquelas contra a difteria e o tétano, ajudam a desenvolver proteção já na primeira série de injeções. Mas, com o passar do tempo, é como se essa imunização fosse desaparecendo. Um reforço, portanto, faz com que os níveis de imunidade voltem a subir.
No caso da vacina contra a gripe, as injeções são anuais porque são vírus que mudam com rapidez e variam ao longo do tempo. Por isso, elas são produzidas com as variações do vírus que são esperadas em circulação naquele determinado ano.




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