Cientistas questionam lógica da fusão de ministérios do Meio Ambiente e Agricultura
Mistura de competências seria ruim para ambas as pastas, prejudicando o agronegócio e colocando em risco o patrimônio natural do país, dizem pesquisadores e ambientalistas
Herton Escobar
01 Novembro 2018 | 15h58
01 Novembro 2018 | 15h58
A fusão dos
ministérios do Meio Ambiente (MMA) e da Agricultura (MAPA) seria uma má
notícia para ambas as pastas, segundo especialistas, com prejuízos
comerciais para o agronegócio e o risco de perdas irreparáveis para a
conservação e o uso sustentável do patrimônio natural do País.
“É lamentável que isso esteja indo adiante”, diz a advogada Brenda
Brito, pesquisadora associada ao Instituto do Homem e Meio Ambiente da
Amazônia (Imazon). “O Brasil tem o maior patrimônio ambiental do
planeta. Só isso já justifica a existência do MMA. Em vez de
enfraquecido, o ministério deveria ser fortalecido.”
Pesquisadores destacam que o
MMA atua em uma grande variedade de temas que não têm ligação com o
setor agropecuário, como controle da poluição urbana, gestão e
reciclagem de resíduos sólidos, conservação de espécies ameaçadas,
gestão de áreas protegidas e o licenciamento de empreendimentos
diversos, como mineração, construção de estradas, portos, hidrovias e
hidrelétricas.
“O MMA lida com um conjunto de temas muito mais transversal do que a
agricultura”, diz o ecólogo Jean Paul Metzger, da Universidade de São
Paulo (USP). “Essa transversalidade precisa ser preservada.”
A comparação com países do Hemisfério Norte, que eventualmente tenham
uma estrutura ministerial desse tipo, não serve como justificativa,
segundo ele, visto que nenhum deles possui um patrimônio ambiental
comparável ao do Brasil. São realidades muitos diferentes, diz o
pesquisador.
A queixa não é apenas dos ambientalistas. O atual ministro da Agricultura, Blairo Maggi, e outros representantes do setor rural também questionam a lógica da fusão.
“É uma ignorância completa. O Brasil tem muito a perder com isso”,
diz o pesquisador Britaldo Soares, da Universidade Federal de Minas
Gerais (UFMG), que estuda o desmatamento do Cerrado e da Amazônia.
Segundo ele, já existe há alguns anos uma tendência de retrocesso na
política ambiental brasileira, que deverá se agravar com a fusão dos
ministérios.
Mesmo que nenhuma lei seja mudada, diz ele, a sinalização que está
sendo dada pelo futuro governo é que a proteção do meio ambiente não
será prioridade. “O desmatamento é muito influenciado por sinais
políticos de Brasília”, afirma Britaldo, que coordenado o Centro de
Sensoriamento Remoto da UFMG. “Só o discurso já tem um impacto muito
grande sobre o que acontece no campo.”
“De fato, não faz sentido, pois meio ambiente é algo muito mais amplo
do que agricultura. Se a ideia é reduzir o número de ministérios,
poder-se-ia pensar num Ministério do Desenvolvimento Sustentável, unindo
meio ambiente com a responsabilidade de acompanhar de modo transversal
no governo a implementação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável”,
sugere Carlos Nobre, pesquisador aposentado do Instituto Nacional de
Pesquisas Espaciais (Inpe) e coordenador do Instituto Nacional de
Ciência e Tecnologia para Mudanças Climáticas, que há décadas estuda o
clima e o desenvolvimento da Amazônia.
Promessa de campanha. O presidente-eleito Jair Bolsonaro afirmou em um vídeo
no início do ano que a fusão ministerial visava a “acabar com a briga”
entre as duas pastas; ressaltando na sequência que quem ditaria as
regras nesse novo ministério unificado seria a Agricultura. Também
afirmou, em diversas ocasiões, que colocaria fim ao que ele chama de
“indústria de multas” e “fiscalização xiita” imposta aos produtores
rurais pelas autoridades ambientais ligadas ao MMA — Ibama e ICMBio.
O primeiro é responsável pelo licenciamento de empreendimentos e
fiscalização da legislação ambiental de uma forma geral (incluindo o
combate ao desmatamento); o segundo é responsável pela gestão das
unidades de proteção ambiental federais (como parques e florestas
nacionais) e conservação da biodiversidade.
“As multas são aplicadas quando a legislação é desrespeitada”, diz a
presidente do Ibama, Suely Araújo, ressaltando que “nenhum centavo” dos
valores arrecadados fica com o Ibama e, portanto, não há ganho
financeiro para o órgão nas autuações (20% vai para o Fundo Nacional do
Meio Ambiente e 80% para o Tesouro Nacional). Apesar das multas, a
relação do Ibama com o MAPA tem sido bastante “pacífica” e “saudável” no
atual governo, segundo Suely. “Misturar as agendas vai só acirrar os
conflitos, em vez de reduzi-los.”
Dos quase 2,8 mil processos de licenciamento ambiental em curso no
Ibama, apenas 29 (ou 1%) têm relação com atividades agropecuárias, diz
ela. “Se o objetivo é dar maior agilidade aos processos, vai ser um tiro
no pé.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.