O que é coevolução?
Muitas
vezes temos uma falsa impressão de que a evolução é uma marcha
solitária de populações de uma espécie acumulando transformações ao
longo do tempo. Porém, ao olharmos com maior detalhe percebemos que, na
prática, ocorre o contrário. Existe uma forte conexão entre todas as
formas de vida na Terra e, em alguns casos, essa conexão é
significativamente estreita, fazendo com que as transformações de uma
espécie criem pressões para transformações de outras espécies, levando a
um processo de transformações mútuas entre espécies.
Esse
mecanismo de interações recíprocas que levam a mudanças evolutivas
concomitantes entre espécies é conhecido como coevolução. Esse processo
ocorre geralmente entre espécies que apresentam comportamento ecológico
próximo, exercendo pressões seletivas mútuas. Em outras palavras,
coevolução é o processo onde duas ou mais espécies evoluem juntas, fruto
de sua interação.
Nesse sentido, podemos definir dois processos de coevolução: a coevolução difusa e a coevolução restrita.
O primeiro está relacionado com uns aspectos mais amplos, envolvendo
múltiplas espécies, por exemplo, um ecossistema onde as espécies
interagem entre si criando pressões seletivas recíprocas. Apesar da
coevolução difusa ser extremamente plausível ela é muito difícil de ser
analisada pela questão de envolver inúmeras variantes. Já a coevolução
restrita está relacionada essencialmente entre duas (ou poucas)
espécies, e por envolver um menor número de espécies apresenta maior
facilidade em ser estudada. Nesse texto analisaremos alguns casos
clássicos de coevolução restrita.
Um
dos indícios de que duas espécies podem estar coevoluindo pode ser sua
estreita interação ecológica, porém nem toda interação ecológica é fruto
de coevolução. Da mesma forma que coadaptações, ou seja, espécies
diferentes podem apresentar adaptações mútuas, o que poderia ser um
indício de que ocorreu coevolução. Porém, não é uma evidencia
definitiva, pois é possível surgir coadaptações a partir de processos
independentes.
Uma das evidências que
apontariam à ocorrência de coevolução é quando dois táxons apresentarem
filogenias em imagem especular, ou seja, uma co-filogenia, nela é como
se a árvore filogenética de um táxon fosse colocada na frente de um
espelho. Na imagem abaixo vemos a filogenia de Tetraopes (besouro)
norte-americano e sua planta alimentícia, as Asdepias, que é uma
representação clássica de co-filogenia.
Porém,
não necessariamente co-filogenias são resultados de um processo de
coevolução, apesar de ser uma forte evidência. A cofilogenia pode surgir
também por outros dois processos: evolução sequencial, onde a evolução
de uma espécie interfere na evolução da outra, mas o contrário não
ocorre e ainda, a especiação de duas espécies que habitam uma região, a
partir de uma especiação alopátrica (geográfica) independente da
interação das mesmas.
No entanto a
cofilogineia não é uma obrigatoriedade para que haja coevolução, por
exemplo, algumas plantas produzem substâncias tóxicas que as protegem de
possíveis predadores. Os predadores, por sua vez, podem desenvolver
defesas contra essas substâncias tóxicas. Isso faz com que, muitas
vezes, o inseto troque de hospedeiro e passe a exercer uma pressão
seletiva a outras plantas e que, por vez, a planta desenvolva uma nova
defesa a partir de novas mutações. Sendo assim, as espécies exercerão
influência mútua uma sobre a outra, coevoluindo, porém não apresentarão
cofilogenias.
Além disso, a interação
recíproca que leva a coevolução pode ocorrer de forma mutualística,
onde duas espécies cooperam entre si ou sua interação pode se dar de
forma antagonista, ou seja, a partir do conflito/disputa entre espécies.
Em última instância, é preciso analisar os casos específicos e os
múltiplos aspectos para apontar a ocorrência de coevolução. A seguir
analisaremos processos onde fortes evidências indicam a ocorrência de
coevolução.
O primeiro caso é a
relação entre angiospermas (plantas com flores) e insetos polinizadores.
As evidências indicam uma profunda colaboração entre ambos, levando a
suas evoluções de forma recíprocas. Os insetos polinizadores e
angiospermas se diversificaram simultaneamente durante o período
Cretáceo. Hoje o processo de polinização biótico (dependente de outros
organismos) é muito mais estabelecido do que a polinização abiótica,
assim como uma grande fonte de nutrientes de insetos polinizadores
provém de flores das angiospermas indicando sua relação estreita e
obrigatória.
Um belo exemplo de
coevolução que gerou uma coadaptação entre angiosperma e polinizadores é
a fascinante relação entre abelhas euglossinas, conhecidas como abelhas
orquídeas e a orquídea do gênero Coryanthes. As abelhas machos não são
capazes de sintetizar o feromônio necessário para atrair as fêmeas. Por
isso, para produzir o feromônio, o macho coleta inúmeras substâncias de
plantas para produzir o cheiro necessário para atrair a fêmea. Para essa
abelha, uma das substâncias obrigatórias é produzida pela orquídea do
gênero Coryanthes.
Por sua vez, a
polinização dessa orquídea ocorre obrigatoriamente com a participação de
um processo extremamente encantador. A abelha, ao tentar coletar as
substâncias necessárias para produção de seu “perfume”, acaba caindo
dentro da flor da orquídea, que é revestida interiormente por uma
substância escorregadia que impossibilita que a abelha saia. Porém, no
fundo da flor existe um pequeno orifício coberto de pólen. Sendo assim, a
abelha só pode sair por esse orifício. Ao sair a abelha sairá com
corpo revestido de pólen, tentando coletar mais substâncias para seu
feromônio. Em outra orquídea, a abelha poderá cair novamente dentro da
flor, a polinizando com o pólen da anterior que acabara de coletar.
Outro
exemplo de coevolução se dá com animais e seus microrganismos benéficos
que habitam os organismos. Os seres humanos, por exemplo, apresentam
mais bactérias em seu corpo do que células humanas. Parte dessas
bactérias são vitais para nossa sobrevivência em inúmeros processos: são
fundamentais para a digestão e para sintetizar alguns tipos de
vitaminas, protegem nosso corpo contra doenças causadas por bactérias
malignas, ou seja, sem elas seríamos incapazes de sobreviver.
Por
sua vez, essas bactérias precisam de nosso corpo para sobreviver e
estão adaptadas a viver em uma série de condições fisiológicas
específicas. Nosso corpo e as bactérias que o habitam evoluíram
concomitantemente contribuindo para o desenvolvimento específico de cada
espécie, mas também produzindo condições evolutivas únicas.
Outro
exemplo de coevolução ocorre em situações onde ocorre o mimetismo
Mülleriano. Mimetismo é quando uma espécie “imita” outra, mas no caso do
mimetismo Mülleriano uns conjuntos de espécies se “imitam”, em geral
esse tipo de mimetismo se dá entre espécies não palatáveis (gosto ruim)
que evoluem para uma aparência em comum.
Essa
é uma estratégia fantástica, na qual a medida que espécies não
palatáveis evoluem para uma aparência em comum, o processo de
aprendizagem do predador em não se alimentar daquelas espécies é
acelerado. O predador precisa aprender apenas uma característica
fenotípica, ao invés de várias, assim reduzindo a mortalidade de
espécies diferentes que compartilham uma característica em comum. As
borboletas vice-rei (Limenitis archippus) e monarca (Danaus plexippus)
são impalatáveis e são um caso típico de mimetismo mulleriano.
Todavia,
muitas vezes espécies podem desenvolver relações antagônicas, ou seja,
os organismos “combatem” um ao outro e, assim, ambos passam a exercer
pressões seletivas entre si, fazendo com que passem a coevoluir a medida
que uma espécie reponde em relação a adaptação da outra espécie. Um
processo clássico é a relação entre parasita e hospedeiro, onde o
hospedeiro pode desenvolver adaptações, a fim de combater o parasita e
este desenvolve novas adaptações para poder melhor responder as
investidas dos hospedeiros.
Uma espécie de coelho (Oryctolagus cuniculus)
nativa da Europa foi introduzida na Austrália onde se prosperou de
forma muito eficiente, pois na região não existiam seus predadores. A
população de coelhos, em questão, apresentou um crescimento populacional
desenfreado, se tornando uma praga e destruindo plantações. Para
combater os coelhos, em 1950, foi introduzido o vírus mixomatose. Esse
vírus tem como hospedeiro natural outra espécie de coelho latino
americano.
Em um primeiro momento, o
combate aos coelhos com o vírus teve um enorme sucesso, eliminando
aproximadamente 99% da população de coelhos em regiões onde o vírus
tinha uma alta prevalência. A virulência do mixomatose contra os coelhos
era de 100% ,ou seja, todos os coelhos infectados morriam. Porém, a
virulência do vírus contra coelho (Oryctolagus cuniculus) passou a
sofrer um forte declínio. O decréscimo da virulência foi significativo
com o passar dos anos. O declínio da virulência foi demonstrado de forma
bastante categórica em uma população de coelhos infectados em
laboratório.
Os níveis de virulência
foram divididos em 6 graus ( I, II, IIIA, IIIB, IV, V) onde a I é a
maior virulência(capacidade de matar) e V a menor virulência. Durante
aproximadamente 14 anos de estudos a virulência do mixomatose foi
reduzida drasticamente nos coelhos australianos, como demonstra a tabela
abaixo:
Ano | I | II | IIIA | IIIB | IV | V |
1950-51 | 100% | 0% | 0% | 0% | 0% | 0% |
/1958-59 | 0% | 25% | 29% | 27% | 14% | 5% |
1963-64 | 0% | 0,3% | 26% | 34% | 31,3% | 8,3% |
Essa
mudança da virulência é um exemplo de coevolução, pois a virulência
máxima é prejudicial tanto para o parasita como para o hospedeiro. Para o
hospedeiro, por razões óbvias, pois caso a virulência seja elevada ele
morrerá, porém para um parasita uma virulência elevada também o
prejudicará, pois a medida que seu hospedeiro morre precocemente ele
terá um decréscimo em seu fitness (w), ou seja, capacidade de deixar
descendentes.
A coevolução entre
presa e predador é outro caso bastante clássico, muitas vezes, conhecido
como corrida armamentista. Esse processo pode ocorrer entre plantas e
insetos fitofagos ou entre animais carnívoros e suas presas. Esse
processo, basicamente, consiste em uma resposta mútua de defesa e ataque
entre presa e predador. A medida que o predador desenvolve melhores
mecanismos de predação, uma força evolutiva selecionará as melhores
defesas contra esse novo método de ataque que, consequentemente,
exercerá uma pressão seletiva para um ataque mais eficiente. Assim,
sucessivamente criando uma “escalada evolutiva”.
Um
exemplo de corrida armamentista se dá com a lebre e sua predadora, a
raposa. A medida que a lebre desenvolveu mecanismos melhores de defesa,
como camuflagem ou uma fuga mais eficiente, uma forte pressão seletiva
foi exercida sobre as raposas, na qual as que apresentaram melhor
resposta adaptativa tiveram melhores chances de sobrevivência e
reprodução e que, por sua vez, fizeram com que os genes que desenvolviam
essas características que lhe garantissem melhores possibilidades de
sobrevivência fossem fixados na população. Por sua vez, agora são as
raposas que passam a exercer uma forte força seletiva contra as lebres,
que por sua vez terão maior chance de sobrevivência/reprodução, aquelas
com mecanismos de defesa, gerando uma resposta mútua de defesa e ataque.
Por
fim, podemos concluir que existe uma pressão recíproca entre espécies,
onde uma passa a interferir na evolução da outra e vice-versa. Nesse
sentido, passamos a ter uma noção mais ampla de evolução, a medida que
ela ocorre dentre múltiplas interações, não só com o espaço físico como
também com o ambiente biológico entre espécies. Ou seja, a caminhada
evolutiva vai além de longa marcha solitária das espécies, mas pelo
contrário, é um processo complexo de interação entre as formas de vida
que habitam nosso planeta.
Para Saber mais:
- Mark Ridley. Evolução, capítulo 22
- R. Dawkins. O Maior Espetáculo da Terra,capítulo 5,12
- R. Ricklefs. A Economia da Natureza, capítulo 17
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