Trabalho mostra que desmatamento,
perda da biodiversidade e prejuízos econômicos causados às comunidades
que vivem no entorno de barragens não têm sido levados em conta nos
projetos. Obras também ignoram os cenários de mudanças climáticas (Usina Hidrelétrica de Belo Monte / foto: Laura Castro Diaz)
Custos sociais e ambientais de usinas hidrelétricas são subestimados, aponta estudo
07 de novembro de 2018
Elton Alisson | Agência FAPESP –
Enquanto os países mais desenvolvidos têm diminuído nas últimas décadas a
construção de grandes hidrelétricas, nações em desenvolvimento
começaram a construir no mesmo período barragens ainda maiores. É o caso
do Brasil.
Impactos ambientais – como o desmatamento e a perda da biodiversidade
– e sociais – como o deslocamento de milhares de pessoas e os prejuízos
econômicos causados a elas – não têm sido levados em conta e incluídos
no custo total desses projetos. Além disso, esses empreendimentos têm
ignorado os cenários de mudanças climáticas, que preveem a diminuição da
oferta de água e, consequentemente, da geração de energia
hidroelétrica.
O alerta foi feito por pesquisadores da Michigan State University,
nos Estados Unidos, em artigo publicado em 5 de novembro na revista Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS).
O primeiro autor do estudo é Emilio Moran, professor visitante da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O pesquisador coordena um projeto, apoiado pela FAPESP na modalidade São Paulo Excellence Chair (SPEC),
em que estuda os impactos sociais e ambientais da construção da usina
hidrelétrica de Belo Monte, próxima à cidade de Altamira, no Pará.
“Argumentamos que se continuar a construção de grandes hidrelétricas
nos países em desenvolvimento, precisaremos fazer uma avaliação do custo
real dessas obras que inclua os impactos ambientais e sociais gerados
por elas”, disse Moran à Agência FAPESP.
“Quando uma grande barragem é construída, o rio a jusante [direção em
que correm as águas de uma corrente fluvial] perde grande parte de
espécies de peixes que são importantes para a população ribeirinha.
Aquelas comunidades terão que conviver com a diminuição de sua atividade
de pesca ao longo de 15 ou 20 anos, por exemplo, e esses prejuízos
econômicos e sociais não têm sido incorporados no custo desses
projetos”, disse.
De acordo com os autores do estudo, a energia hidrelétrica tem sido a
principal fonte de energia renovável em todo o mundo, respondendo por
até 71% da oferta da energia proveniente de recursos naturais a partir
de 2016.
Essa capacidade de geração de energia hidrelétrica foi iniciada na
América do Norte e na Europa entre 1920 e 1970, quando milhares de
barragens foram construídas. A partir do fim da década de 1960, contudo,
grandes barragens deixaram de ser construídas em nações desenvolvidas.
Algumas das razões foram que os melhores locais para construção de
represas nessas regiões tinham sido ocupados e as crescentes
preocupações ambientais e sociais tornaram esses projetos inviáveis.
O resultado disso foi que, hoje, passado seu tempo de vida útil, mais
barragens estão sendo removidas do que construídas na América do Norte e
na Europa. Só nos Estados Unidos, 546 represas foram removidas entre
2006 e 2014, exemplificam os pesquisadores.
“O custo para remover uma barragem, passada sua vida útil, é
altíssimo, e também deve ser levado em conta na avaliação do custo total
de um novo projeto de hidrelétrica”, apontou Moran.
“Se esse custo de remoção fosse incluído, muitas barragens não seriam
feitas, porque seria muito mais cara a geração de energia por
quilowatt-hora por uma usina elétrica com vida útil estimada entre 30 e
50 anos, como a das que estão sendo construídas no Brasil”, disse.
Impactos locais
Segundo Moran, as primeiras barragens construídas na América do Norte
e na Europa tinham o objetivo de prover energia para áreas rurais e
possibilitar o funcionamento de sistemas de irrigação. “Esses projetos
tinham um objetivo social”, disse.
Já as usinas que estão sendo construídas ao longo dos rios da bacia
Amazônica, na América do Sul, do Congo, na África, e Mekong, no Sudeste
Asiático, são voltadas, em grande parte, para fornecer energia para
empresas siderúrgicas, por exemplo, sem beneficiar as comunidades
locais.
O caso mais emblemático é o da megausina de Inga, planejada para ser
construída na homônima maior cachoeira do mundo em volume, no rio Congo.
A barragem, que poderia aumentar em mais de um terço o total da
eletricidade atualmente produzida na África, exportará a energia gerada
para a África do Sul para atender às empresas de mineração.
“As pessoas afetadas por esses projetos acabam não se beneficiando do
acesso ou da diminuição do custo da energia, por exemplo. No caso da
usina de Belo Monte, o linhão de transmissão de energia passa por cima
das pessoas afetadas e aquela energia vai para as regiões Sul e
Sudeste”, disse Moran.
Segundo o estudo, tanto em Belo Monte como em Santo Antônio e Jirau,
na Amazônia brasileira, onde também foram instaladas barragens
recentemente, em vez de diminuir, a conta de energia elétrica da
população no entorno das obras aumentou. E os empregos prometidos aos
moradores no início das obras foram ocupados principalmente por pessoas
de fora e desapareceram no prazo de cinco anos.
“Em Altamira, antes do início da construção da usina de Belo Monte,
os moradores apoiavam a obra pois pensavam que ela beneficiaria
enormemente a cidade. Hoje em dia ninguém apoia mais, porque a usina
acabou com a tranquilidade da cidade e, em vez de benefício, só trouxe
problemas para a maioria das pessoas”, disse Moran.
“Belo Monte foi tão caótico e afetou tão profundamente a vida dos
moradores da região que contribuiu para repensar os projetos de
construção de grandes barragens na bacia Amazônica”, disse.
Além dos problemas gerados para as comunidades a jusante, as novas
usinas em construção na América do Sul, África e no Sudeste Asiático têm
causado graves impactos ambientais.
Na bacia Amazônica, por exemplo, onde está sendo planejada a
construção ao longo de seus 6 milhões de quilômetros quadrados (km2) de
147 barragens – das quais 65 no Brasil –, a construção de hidrelétricas
tem afetado as populações e a dinâmica das cerca de 2,3 mil espécies de
peixes encontradas na região. Após a instalação de barragens no rio
Tocantins houve uma redução de 25% no número de peixes nesse curso
d’água, que deságua na foz do rio Amazonas.
Na região da barragem de Tucuruí, o pescado diminuiu quase 60%
imediatamente após a construção da barragem e mais de 100 mil pessoas
que vivem no entorno do rio foram afetadas pela perda da pesca, da
agricultura de irrigação por inundações e outros recursos naturais,
destacam os autores do estudo.
“A maioria das espécies de peixe na bacia Amazônica são endêmicas [só ocorrem naquela região]. A perda dessas espécies representa um enorme dano para a biodiversidade mundial”, disse Moran.
Impactos das mudanças climáticas
As barragens que têm sido construídas na bacia Amazônica nos últimos
anos também deverão ser fortemente impactadas pelas mudanças climáticas
globais, projetam os pesquisadores.
Estima-se que as barragens de Jirau e de Santo Antônio, no rio
Madeira, concluídas nos últimos cinco anos, produzirão apenas uma fração
dos 3 gigawatts (GW) cada que eram projetadas para gerar em razão das
mudanças climáticas e da pequena capacidade de armazenamento de seus
reservatórios a fio d’água – com menor acúmulo de água.
Já a usina de Belo Monte, no rio Xingu, concluída em 2016, também
produzirá 4,46 GW dos 11,23 GW que foi construída para gerar, mesmo em
cenários otimistas, devido à variabilidade climática, a um reservatório
relativamente pequeno e a níveis insuficientes de água, afirmam os
pesquisadores.
Para agravar esse cenário, a maioria dos modelos climáticos prevê
maior temperatura e menor precipitação nas bacias do Xingu, Tapajós e do
Madeira.
“Depender só da água como fonte de energia em um futuro em que
teremos menos esse recurso natural parece ser uma estratégia pouco
confiável”, avaliou Moran.
“Para diminuir sua vulnerabilidade energética, em um cenário de
mudanças climáticas globais, o Brasil precisa diversificar sua matriz,
que ainda é muito dependente do setor hidrelétrico. É preciso que o país
aumente os investimentos em outras fontes de energia renovável, como
solar, biomassa e eólica”, disse.
Os pesquisadores também ressalvam que, de maneira similar às mudanças
climáticas, os projetos de construção de barragens frequentemente não
consideram os efeitos da mudança do uso da terra no potencial de geração
de energia hidrelétrica por uma represa.
Outro estudo estimou que na bacia do Xingu, onde está localizada a
usina de Belo Monte, a energia gerada estimada poderia cair para abaixo
da metade da capacidade instalada da barragem com o desmatamento em
torno da bacia. Isso porque o desmatamento pode inibir a chuva e a
umidade do solo nas regiões tropicais úmidas da floresta.
Estima-se que metade da precipitação na bacia Amazônica seja devido à
reciclagem interna de umidade. Dessa forma, o desmatamento pode reduzir
as chuvas na região, independentemente do declínio esperado com as
mudanças climáticas globais, afirmam os pesquisadores.
“A hidroenergia é uma entre várias soluções para evitar apagões de
energia no Brasil. A solução é procurar diversificar as fontes de
energia e adotar soluções inovadoras que possam reduzir os impactos
ambientais e sociais das barragens”, disse Moran.
Uma das alternativas tecnológicas às usinas hidrelétricas em estudo
pelos pesquisadores é a instalação de turbinas em linha, no leito ou
submersas nos rios, que dispensam a necessidade de represamento da água.
A tecnologia poderia ser útil para a geração ininterrupta de energia
para as comunidades ribeirinhas, a um custo baixo, e manteria a ecologia
fluvial e não envolveria o reassentamento de comunidades e outros
custos sociais das barragens.
“Essa solução poderia ser aplicada no país inteiro onde há rios
pequenos, com água com velocidade de mais de um metro por segundo. Além
disso, as turbinas também poderiam ser instaladas próximas de barragens
para complementar a produção de energia e eliminar a necessidade de
construir outras usinas”, disse o pesquisador.
O artigo Sustainable hydropower in the 21st century (doi:
10.1073/pnas.1809426115), de Emilio F. Moran, Maria Claudia Lopez,
Nathan Moore, Norbert Müller e David W. Hyndman, pode ser lido na
revista PNAS em www.pnas.org/content/early/2018/11/02/1809426115.
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