Até 15 milhões de hectares de
floresta correm o risco de perder sua proteção em razão de artigo que
permite aos estados amazônicos reduzirem as reservas legais em terras
privadas de 80% para 50% se mais de 65% de seus territórios estiverem
protegidos por unidades de conservação ou terras indígenas, aponta
estudo (imagem: Bing Maps)
Nova regra de reserva legal do Código Florestal pode levar ao aumento do desmatamento na Amazônia
14 de novembro de 2018
Elton Alisson | Agência FAPESP – Até 15
milhões de hectares de floresta tropical na Amazônia correm o risco de
perder sua proteção e serem desmatados em razão de um artigo no novo
Código Florestal brasileiro.
O alerta foi feito por pesquisadores da Escola de Agricultura Luiz de
Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP), da KTH Royal
Institute of Technology e da Chalmers University of Technology, da
Suécia, em artigo publicado terça-feira (13/11) na revista Nature Sustainability. O estudo é resultado de um projeto apoiado pela FAPESP.
“Os 15 milhões de hectares que podem ficar desprotegidos por essa
regra no novo Código Florestal equivalem a, aproximadamente e em número,
todo o déficit de reserva legal que precisa ser compensado ou
restaurado no Brasil e está coberta principalmente por floresta
tropical”, disse Gerd Sparovek, professor da Esalq-USP e um dos autores do estudo, à Agência FAPESP.
“A eventual perda dessas áreas para atividades agrícolas pode anular
os esforços para regularização de reservas legais no Brasil e resultar
em enormes perdas de biodiversidade, no comprometimento de serviços
ambientais valiosos para a socidade – como fornecimento de água – e no
aumento de emissões de gases de efeito estufa”, disse Sparovek.
O pesquisador explica que o antigo Código Florestal brasileiro,
vigente até 2012, estabelecia que os proprietários de terrras privadas,
situadas nos estados localizados na região amazônica, podiam utilizar
até 20% delas, reservando os 80% restantes como reservas legais para a
preservação da natureza.
O novo Código Florestal, revisado em 2012, ganhou o artigo 15,
parágrafo 5, inserido a pedido do Estado do Amapá, que permite aos
estados amazônicos reduzirem esse requisito de reserva legal de 80% para
50% se mais de 65% de seus territórios estiverem protegidos por
unidades de conservação ou terras indígenas.
Se esse artigo for implementado, entre 7 e 15 milhões de hectares de
área de floresta ficariam desprotegidos e sujeitos ao desmatamento
legal. Isso porque outros estados da região, como Amazonas, Roraima e
Acre, têm cerca de 80 milhões de hectares de terras públicas ainda não
designadas.
A eventual destinação dessas áreas públicas para unidades de
conservação ou terras indígenas também pode permitir a esses estados
reduzir a proteção de propriedades privadas. Com isso, seriam abertas
grandes áreas para o desmatamento legal e para expansão agrícola,
apontam os pesquisadores.
“A remoção da proteção legal não significa automaticamente que essas
florestas serão desmatadas. Mas é importante prestar atenção no contexto
político atual, que sugere um enfraquecimento dos mecanismos de
prevenção do desmatamento”, disse Flávio Luiz Mazzaro de Freitas, doutorando no KTH Royal Institute of Technology e primeiro autor do estudo.
Modelagem de cenários
Os pesquisadores avaliaram os possíveis impactos da redução da
exigência de reserva legal de 80% para 50% na proteção de áreas de
florestas em terras públicas e privadas na Amazônia por meio de uma base
georreferenciada da malha fundiária brasileira.
A malha abrange todo o território nacional e combina bases de dados
oficiais, como as das áreas protegidas nacionais e estaduais – como
áreas de conservação, terras indígenas e militares –, além das bases de
imóveis e de assentamentos do Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (Incra) e os polígonos de imóveis do Cadastro Ambiental
Rural (CAR).
Por meio dessa base georreferenciada, abrigada no cluster
computacional Euler, no Centro de Ciências Matemáticas Aplicadas à
Indústria (CeMEAI) – um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão
(CEPIDs) apoiados pela FAPESP –, os pesquisadores modelaram a
implementação do artigo 12, parágrafo 5 do novo Código Florestal em dois
cenários diferentes de destinação de terras atualmente não designadas
na região amazônica.
No primeiro cenário, mais conservador, a proteção da natureza teria
prioridade alta. No segundo, que seria o pior, o novo artigo seria
plenamente implementado.
O potencial de redução da proteção florestal nessas duas situações
foi quantificado e avaliado os riscos de conversão legal de terras não
mais protegidas para o uso agrícola, usando medidas de adequação, além
dos potenciais impactos dessa conversão de terra em termos de emissões
de carbono e proteção da biodiversidade.
As análises dos dados indicaram que, nos dois cenários, os estados do
Amapá, Roraima e Amazonas se qualificaram para reduzir suas reservas
legais em terras privadas.
Na situação mais conservadora, 97% do território não destinado dos
estados do Amazonas e do Amapá seriam designados unidades de conservação
ou terras indígenas. Nesse cenário, o novo artigo do Código Florestal
eliminaria a proteção de 6,5 milhões de hectares de floresta preservada,
sendo 4,6 milhões de hectares no Amazonas, 1,4 milhão de hectares em
Roraima e meio milhão de hectares no Amapá. E quando as unidades de
conservação e as terras indígenas dentro desses estados atingissem o
limite de 65% e a nova regra do Código Florestal fosse implementada, a
área de floresta desprotegida mais que dobraria.
Os pesquisadores também estimaram que, no cenário mais conservador,
cerca de metade das áreas de floresta que passariam a ficar
desprotegidas (3,14 milhões de hectares) estaria situada em propriedades
rurais registradas, 1,9 milhão de hectares em assentamentos e 600
milhões de hectares em áreas a serem intituladas.
Na pior situação, a maior parte da redução ocorreria em territórios
atualmente não designados, onde as propriedades com titularidade teriam
suas reservas legais reduzidas em mais de 8 milhões de hectares,
previram.
“A criação de unidades de conservação, de proteção da natureza ou de
terras indígenas nesses estados pode resultar em um efeito secundário,
que é o aumentar a possibilidade de expandir o desmatamento. Isso é uma
esquizofrenia”, disse Sparovek.
Os pesquisadores sugerem que medidas legais adotadas no contexto do
Programa de Regularização Ambiental (PRA) dos estados podem ajudar a
reduzir o risco de desmatamento extensivo.
Motivos econômicos também podem colaborar para reduzir os riscos de
desmatamento, já que existe um forte compromisso internacional para
evitar a compra de produtos originários de zonas de desmatamento. As
exportações agrícolas brasileiras podem ser fortemente afetadas no caso
de aumento do desmatamento na região amazônica, ressalvam.
“Esperamos que as constatações feitos no estudo tragam mais clareza
sobre a possibilidade de aumento de desmatamento legal na Amazônia e
contribuam para a elaboração de ações e estratégias públicas e privadas
que visem mitigar possíveis danos ambientais e sociais desse processo”,
disse Freitas.
O artigo Potential increase of legal deforestation in Brazilian Amazon after Forest Act revision
(doi: 10.1038/s41893-018-0171-4), de Flavio L. M. Freitas, Gerd
Sparovek, Göran Berndes, U. Martin Persson, Oskar Englund, Alberto
Barretto e Ulla Mörtberg, pode ser lido na revista Nature Sustainability em www.nature.com/articles/s41893-018-0171-4 .
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