Jararacas "gigantes" em São Paulo
24 de agosto de 2018
Janaína Simões | Agência FAPESP – Em São Paulo, é mais fácil encontrar jararacas (Bothrops jararaca)
“gigantes” no pequeno fragmento de Mata Atlântica existente no Parque
do Estado do que em uma área bem maior, como no Parque Estadual da
Cantareira, apesar de haver mais alimento disponível para elas nessa
última área.
Um novo estudo indica que a explicação para essa diferença está na
quantidade de predadores existentes no habitat e não na disponibilidade
de alimento, como se pensava no início do trabalho.
Estudo mostra por que jararacas de
grande porte são mais frequentes no Parque do Estado do que em outras e
maiores áreas verdes na capital (foto: Otavio A. V. Marques / Instituto Butantan)
Os resultados foram descritos no Journal of Herpetology, em artigo originado do trabalho de mestrado de Lucas Henrique Carvalho Siqueira no
Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas da Universidade
Estadual Paulista (Unesp), em São José do Rio Preto. O estudo teve bolsa
da FAPESP e orientação do pesquisador do Laboratório de Ecologia e
Evolução do Instituto Butantan, Otavio Augusto Vuolo Marques.
Foram comparadas serpentes do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga –
conhecido popularmente como Parque do Estado e que fica na Zona Sul de
São Paulo, onde estão os jardins Zoológico e Botânico – com as do Parque
Estadual da Cantareira, situado na Zona Norte e cujo clima e vegetação
são semelhantes ao primeiro, mas não é isolado como o Parque do Estado,
que tem área 16 vezes menor.
Essas jararacas são chamadas de “gigantes” por serem bem maiores do
que a média. Porém, isso não significa que haja um gigantismo nessa
população. O que ocorre é que existe uma maior abundância de espécimes
muito grandes (em torno de 1,5 metro de comprimento) no Parque de
Estado.
O tamanho dessas jararacas coletadas no parque foi o que chamou a
atenção de Marques. “Recebemos muitas jararacas no Butantan e algumas
apresentavam tamanho acima da média. Quando checávamos a procedência,
constatávamos que vinham do Parque do Estado”, disse.
Estudos anteriores mostraram que serpentes de grande porte, em geral,
são encontradas em ilhas. Segundo Marques, o isolamento de populações
oferece bons exemplos de divergências morfológicas.
“O Parque do Estado não tem conexão com outras áreas de mata. É como
uma ilha, só que em vez de rodeada de água, está isolada pela cidade”,
disse Marques à Agência FAPESP. Trata-se de uma unidade de conservação de 540 hectares, coberta por um remanescente da Mata Atlântica.
“Resolvemos verificar se essas serpentes estavam ficando maiores do
que outras populações e estudar algumas variáveis que seriam respostas
para explicar essa diferença de tamanho: a oferta de recurso alimentar e
a presença de predadores”, disse.
Para entender o fenômeno, Siqueira utilizou dados morfológicos sobre
jararacas existentes em pesquisas publicadas, em serpentes preservadas
na coleção do Instituto Butantan que eram provenientes desses dois
lugares e foi a campo para coletar dados originais.
“Também colocamos armadilhas para analisar a disponibilidade de
recurso alimentar nas duas áreas. As jararacas adultas se alimentam de
pequenos roedores”, disse Siqueira.
Os autores do estudo se basearam em duas hipóteses. A primeira era de
que as jararacas do Parque do Estado eram maiores porque lá
provavelmente haveria maior oferta de recurso alimentar. Em estudos
feitos por pesquisadores do Instituto Butantan em Alcatrazes, litoral
norte de São Paulo, constatou-se que as jararacas que habitam o
continente e se alimentam de roedores são maiores do que as presentes na
ilha, que não têm este tipo de presa.
Em Alcatrazes, as jararacas se alimentam de pequenos sapos, lagartos e
lacraias, animais de baixo valor calórico. São chamadas de anãs, por
atingirem no máximo meio metro.
“Relacionamos o tamanho pequeno com uma alimentação calórica
restrita, então, no caso do estudo em São Paulo, era natural pensar em
uma grande oferta de recurso alimentar e fazia sentido pensar nos ratos
urbanos, já que o Parque do Estado está em uma área urbana alterada”,
disse Marques.
Segundo Siqueira, porém, não houve diferença na média do tamanho
entre as duas populações de jararacas presentes em ambos os parques.
“Mas observamos uma proporção maior de fêmeas gigantes no Parque do
Estado em comparação com o Parque da Cantareira”, disse. As jararacas
fêmeas alcançam porte maior do que os machos.
O biólogo montou armadilhas para capturar algumas das presas. “Também
surpreendeu a disponibilidade de alimento, que não era maior do que na
Cantareira. Capturamos menos ratinhos no Parque do Estado e não
confirmamos a presença de ratos urbanos, só de ratos silvestres durante o
tempo do estudo”, disse Siqueira.
Ataques em massa
Diante da inesperada constatação de que não era a disponibilidade
maior de alimento que explicava ser mais frequente a presença de
jararacas “gigantes” no Parque do Estado do que no Parque da Cantareira,
restou investigar a segunda hipótese, relacionada à presença de
predadores. “No Parque do Estado, registramos menos da metade de ataques
em comparação aos observados na Cantareira”, disse Siqueira.
Esse foi outro desafio do estudo: como observar e ter indicador sobre
os ataques de predadores. Isso foi resolvido com o uso de modelos
feitos em massa de modelar, como as usadas por crianças para brincar.
Com essa estratégia, Siqueira pôde verificar quais são os predadores e a
frequência de ataques que as cobras sofrem em ambos os parques.
“Confeccionamos 1.440 réplicas de indivíduos adultos de jararaca,
usando uma cor parecida com a da cobra e evitando qualquer tipo de
mancha para não haver nenhum viés nos resultados”, disse.
Em cada um dos parques foram usadas 720 réplicas – 60 utilizadas
mensalmente –, que ficaram por dois dias em cada localidade. As marcas
dos ataques dos predadores ficaram impressas na massa de modelar.
“Saber o número absoluto de predadores de jararaca existentes iria
requerer uma câmera em cada uma das réplicas, o que não era viável. Mas
conseguimos quantificar a frequência de ataque e dizer se o predador era
ave ou mamífero”, disse.
No Parque da Cantareira, aproximadamente 12% das massinhas foram
atacadas, um valor alto se comparado com trabalhos relacionados a
serpentes feitos anteriormente. No Parque do Estado, cerca de 5% dos
modelos foram atacados. “Registramos mais do que o dobro de ataques na
Cantareira”, disse Siqueira à Agência FAPESP.
Mas qual a relação entre ter menos predadores e o tamanho das cobras?
Segundo Marques, as serpentes crescem a vida toda, apesar de a taxa de
crescimento ser muito baixa nos indivíduos mais velhos.
“Para que possam crescer muito, precisam ter uma longevidade grande,
viver muito tempo. Como há menos ataques de predadores no Parque do
Estado do que no Cantareira, então temos uma explicação plausível para a
existência mais frequente de serpentes gigantes por lá. A atenuação da
predação permite que elas cresçam”, disse Marques.
Segundo o pesquisador, o estudo é mais uma contribuição na busca pela
preservação de fragmentos florestais como o do Parque do Estado.
“Estudos como esse possibilitam entender melhor a dinâmica desses
fragmentos florestais, o que pode auxiliar – por exemplo – em ações de
manejo para sua conservação”, afirma.
Como consequência do mestrado, Siqueira agora está estudando no
doutorado métodos e formas para estimar a idade de jararacas e
cascavéis. O procedimento comum é fazer cortes nos ossos da cobra, onde
existem marcas de crescimento, à semelhança do que ocorre com os anéis
dos troncos das árvores.
“Temos uma população senil de jararacas e precisamos saber suas
idades, conhecer melhor as taxas de crescimento”, concluem os autores do
estudo.
O artigo Effects of Urbanization on Bothrops jararaca Populations in São Paulo Municipality, Southeastern Brazil
(doi: https://doi.org/10.1670/17-021), de Lucas Henrique Carvalho
Siqueira e Otavio Augusto Vuolo Marques, pode ser lido por assinantes do
Journal of Herpetology em www.bioone.org/doi/full/10.1670/17-021.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.