Biologia evolutiva do desenvolvimento explica origem das formas biológicas
Disciplina procura entender como ocorre a variação entre as espécies que gera toda a diversidade da vida
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Embora tenha surgido há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, a vida na Terra ainda tem muito o que aprender sobre suas próprias origens. Foi somente no século 19, durante a famosa viagem do navio HMS Beagle à América do Sul, que o cientista inglês Charles Darwin esboçou o que ficaria conhecido como a teoria da evolução por meio da seleção natural.
Embora tenha surgido há aproximadamente 3,8 bilhões de anos, a vida na Terra ainda tem muito o que aprender sobre suas próprias origens. Foi somente no século 19, durante a famosa viagem do navio HMS Beagle à América do Sul, que o cientista inglês Charles Darwin esboçou o que ficaria conhecido como a teoria da evolução por meio da seleção natural.
Para o naturalista, o conceito de seleção natural envolveria entender
como algumas características que são hereditárias se tornaram mais
comuns em gerações sucessivas de uma população de organismos que se
reproduzem e, ao mesmo tempo, que outras características tornam-se menos
comuns.
Pouco mais de cem anos desde a apresentação da hipótese para
cientistas do mundo todo, a teoria é uma das bases do campo que ficou
conhecido como biologia evolutiva do desenvolvimento (em inglês evo-devo). A subdivisão da biologia estuda a origem e a descendência das espécies, bem como suas mudanças ao longo do tempo.
Apesar de ter começado no continente, o estudo da evolução das
espécies feito nos países latino- americanos ainda busca visibilidade
internacional. Não por acaso, o professor do Departamento de Zoologia do
Instituto de Biociências (IB) da USP, Federico David Brown Almeida,
especializado na área da evo-devo, foi o responsável por uma edição especial do Journal of Experimental Zoology Part B., lançada no início deste ano.
A edição, na qual Brown foi editor convidado, foi dedicada à pesquisa
em biologia evolutiva do desenvolvimento na América Latina.
“A biologia do desenvolvimento é uma disciplina relativamente nova que começou nos anos 1980 como consequência do boom
molecular”, explica ele. Foi somente nas últimas duas décadas do século
20 que o desenvolvimento ganhou destaque maior no campo da evolução, a
partir da descoberta de genes que regulam o desenvolvimento embrionário
nos chamados “organismos-modelo”. A descoberta, de acordo com o docente,
permitiu aos cientistas estudar genes em vários grupos animais.
“É uma disciplina que se integra com biologia molecular, evolução,
genética, entre outras áreas mais velhas da biologia”, esclarece ele, ao
enfatizar que a pergunta principal da disciplina é explicar como se
originam as formas biológicas. Ou seja, entender quais são suas origens
do ponto de vista genético do desenvolvimento e “como ocorre a variação
entre os animais para gerar toda a diversidade que a gente tem na vida”,
ilustra o professor.
Visibilidade na América Latina
De acordo com Brown, a edição especial foi o resultado de uma
conferência que aconteceu na Califórnia há pouco mais de dois anos.
Durante o evento, se formou a Sociedade Pan-Americana de Biologia
Evolutiva do Desenvolvimento, com pesquisadores norte- americanos e
latino-americanos.
“Eu estava envolvido na formação desse novo grupo e os outros
pesquisadores me convidaram para organizar um workshop da América Latina
para entender por que a área está tão pouco representada na nossa
região”, relembra Brown.
A partir do encontro, participantes latino- americanos solicitaram um
espaço aos editores das principais publicações da área para apresentar
seus trabalhos e dar maior visibilidade à pesquisa da região. Como
editor associado, Brown, que na USP é líder do Laboratório de Evo-Devo
do IB, foi atrás de pesquisadores no Brasil e na América Latina que
compuseram um mosaico de tudo que é produzido no continente.
No volume foram incluídos revisões, artigos históricos e diversos
trabalhos experimentais. “Tratamos desde a parte epistemológica, de
história da ciência, até propostas novas e trabalhos experimentais com
animais da nossa região”, sumariza ele.
Ao todo, seis países contribuíram com os 13 artigos do volume.
Brasileiros colaboraram com um artigo introdutório e uma revisão
histórica de evo-devo na América Latina, além de uma série de
estudos funcionais e do desenvolvimento de uma estrutura anatômica
(filamentos pélvicos) do peixe pulmonado da América do Sul (peixe
amazônico) e uma análise do desenvolvimento dos olhos em castas de
abelhas, feita por especialistas da USP, no campus de Ribeirão Preto.
No geral, os artigos focam em organismos característicos do
continente, que são “pouco estudados, interessantes e originais por
isso”, explica o professor.
“Foi bem interessante porque incluímos tanto plantas quanto animais,
já que temos, na América Latina, grupos fortes nas duas áreas”, revela
Brown ao salientar que não é comum na evo-devo unir botânica e
zoologia em um mesmo volume. ”A biologia do desenvolvimento estava
dividida e foi predominantemente dominada por modelos animais. E a
comunidade de plantas, que estudava Biologia do Desenvolvimento, estava
associada à áreas mais fisiológicas”, lembra ele.
No entanto, ao trazer a botânica para o volume, o professor defende
que aproximar os campos provoca um enriquecimento da pesquisa na área.
“Em plantas temos grupos que estão estudando a identidade das estruturas
florais, a diversidade da arquitetura floral, por exemplo”, destaca.
Por meio de estudos da nossa flora, especialistas perceberam que alguns
modelos estabelecidos para plantas já não se mantêm mais e estão em
constante mudança.
Laboratório de evo-devo
Formado por um grupo relativamente pequeno, o chamado Laboratório de
Evo-Devo do IB existe faz três anos. Seu projeto principal busca
entender a origem evolutiva das células-tronco. Nesse campo,
pesquisadores também procuram compreender os chamados processos de
regeneração. “Queremos saber como essas células evoluíram e como as
mudanças nos processos de células-tronco podem estar envolvidas em
processos regenerativos de alguns animais”, explica o especialista.
“Estamos usando vários invertebrados, sobretudo tunicados, um subfilo
de animais marinhos”, elabora Brown. Os tunicados são animais que
evolutivamente estão próximos dos vertebrados e portanto compartilham
muitas similaridades em seu desenvolvimento inicial. “Neste grupo,
depois do desenvolvimento larval, você tem várias espécies coloniais que
evoluíram. Vários grupos dentro desse filo são coloniais, então eles
conseguem se clonar formando indivíduos diferentes, como as plantas”,
esclarece o professor.
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Apesar de serem um grupo de animais que se desenvolvem como vertebrados, os tunicados conseguem ter o que os especialistas chamam de plasticidade e se reproduzem assexuadamente por brotação.
Apesar de serem um grupo de animais que se desenvolvem como vertebrados, os tunicados conseguem ter o que os especialistas chamam de plasticidade e se reproduzem assexuadamente por brotação.
“Queremos entender como nós perdemos essas capacidades regenerativas,
essas capacidades de brotar, regenerar, que tinham nossos ancestrais”,
revela Brown. Alternativamente, o objetivo da pesquisa atual do
laboratório é entender como evoluíram as capacidades regenerativas e de
brotamento neste grupo específico de animais.
O laboratório atualmente é formado por apenas oito membros.
Uma teoria unificada
“Foram três concursos para o Departamento de Biologia do
Desenvolvimento da USP até a chegada de um candidato apropriado”,
recordou Brown, que veio do Equador para trabalhar no Brasil. “Somos
poucos os que atuam nessa linha de pesquisa na América Latina”, pontua.
A área, que é forte tanto nos EUA quanto na Europa, possui uma grande
tradição no velho continente, onde se formou a primeira sociedade de evo-devo do mundo.
Entretanto, “o estudo começou lá, mas o objeto foi estudado aqui na
América Latina”, reforça o pesquisador, ao salientar que a proposta da
edição especial é deixar claro para os demais cientistas da área que a
América Latina tem contribuído com várias novas ideias sobre evolução e é
um continente que pode explorar sua diversidade natural para continuar
fazendo descobertas. “Os modelos de animais e plantas que temos aqui são
inumeráveis e com adaptações fenomenais, coisas realmente únicas que
precisam de mais visibilidade e investimento local”, aponta ele.
A área da Biologia do Desenvolvimento, por ser relativamente nova,
ainda conta com poucos laboratórios já estabelecidos. E, na América
Latina, os poucos locais de estudo também sofrem com a falta de
comunicação.
“Estamos acostumados a colaborar e interagir com pesquisadores do
chamado Primeiro Mundo, mas não entre nós. Nos falta esse tipo de
interação para gerar um grupo forte”, teoriza o docente.
O Journal of Experimental Zoology Part B. publicou artigos
de vários grupos da América Latina, dentre eles, as pesquisas de Augusto
Flores, Gabriel Marroig, Hussam Zaher, Klaus Hartfelder, Márcia
Bitondi, Miguel Rodrigues, Nanuza Luiza de Menezes, Tiana Kohlsdorf e
Zilá Luz Simões, especialistas da USP
O futuro, para o professor Brown, está em formular, junto com
pesquisadores da Ecologia, uma teoria de como o ambiente está envolvido
nos processos do desenvolvimento, como ele pode influenciar esse
desenvolvimento e como esses desenvolvimentos passam por processos
adaptativos. A partir daí, especialistas em evo-devo poderão
trabalhar com base em uma “teoria nova, sólida e forte”, que unirá a
área e ampliará ainda mais suas possibilidades de novas descobertas
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