quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Primeiros humanos teriam chegado às Américas há 130 mil anos

Marcas em ossos de mastodonte indicam que espécie arcaica de hominídeos habitava continente muito antes da vinda do ‘Homo sapiens’, diz estudo


Foto das pontas dos fêmures do fóssil de de 130 mil anos de um mastodonte desencavado na área de San Diego que os cientistas dizem ter marcas de terem sido processados com ferramentas de pedra por uma espécie humana arcaica para obtenção de seu nutritivo tutano
Foto: San Diego Natural History Museum
Foto das pontas dos fêmures do fóssil de de 130 mil anos de um mastodonte desencavado na área de San Diego que os cientistas dizem ter marcas de terem sido processados com ferramentas de pedra por uma espécie humana arcaica para obtenção de seu nutritivo tutano - San Diego Natural History Museum
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RIO - Há cerca de 80 milhões de anos, muito antes do surgimento das primeiras espécies humanas - e até mesmo dos primatas em geral -, as Américas já haviam se desprendido da África e Eurásia no processo de rompimento do supercontinente de Pangeia, iniciado aproximadamente outros 150 milhões de anos antes. 

Com dois oceanos (Pacífico e Atlântico) separando-o das outras grandes massas de terra do planeta, o continente ficou praticamente isolado. Assim, sua fauna e flora evoluíram de forma independente do resto da Terra, inclusive da ação do homem, até aproximadamente 15 mil anos atrás, quando os humanos modernos (Homo sapiens) finalmente adentraram as Américas, provavelmente atravessando uma “ponte” temporária no Estreito de Bering criada pelo recuo do nível do mar ao fim do último período glacial.
Ou, pelo menos, era isto que se achava. Estudo publicado nesta quarta-feira na prestigiosa revista científica “Nature” afirma que ossos de um mastodonte – um parente extinto dos elefantes – com idade calculada em 130 mil anos encontrados na área do que hoje é a cidade de San Diego, EUA, apresentam sinais de terem sido quebrados com ferramentas de pedra, no que os cientistas dizem ser uma indicação de que hominídeos, ou seja, espécies arcaicas de humanos, chegaram no continente muito antes do que se pensava. 

A descoberta, portanto, põe ainda mais combustível no já acirrado debate sobre a cronologia da ocupação humana das Américas, alimentado por outros achados arqueológicos como os do sítio de Pedra Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí, cuja datação sugere que grupos de Homo sapiens já habitavam a região entre 20 mil a até 50 mil anos atrás, e análises genéticas recentes que encontraram, por exemplo, uma ligação entre os índios de tribos amazônicas atuais com populações nativas antigas da Ásia e os aborígenes australianos.

- Esperamos muito ceticismo devido à idade extrema deste sítio, mas temos evidências que acreditamos serem conclusivas de que se trata de fato de um sítio arqueológico – disse Steve Holen, diretor do Centro para Pesquisa Paleolítica Americana e primeiro autor do artigo na “Nature”, em teleconferência sobre o tema promovido pela própria revista científica ontem. - Estamos preparados para enfrentar este ceticismo e convidamos outros especialistas a revisitarem e estudarem depósitos e coleções de fósseis da mesma época no continente, pois as pessoas achavam que já tinham a resposta para o dilema da chegada dos humanos nas Américas e não analisaram estes materiais deste ponto de vista. Eu mesmo fiz isso até estudar o Mastodonte Cerutti (como o fóssil foi batizado em homenagem ao paleontólogo americano Richard Cerutti, que descobriu o sítio e liderou suas escavações nos anos 1990) e fui surpreendido por esta descoberta.

Assim, para embasar suas conclusões que certamente vão gerar muita polêmica, os pesquisadores responsáveis pela descoberta contam terem reunido o que também acreditam ser uma série de evidências extraordinárias. Lista que começa com cuidadosas e detalhadas caracterizações e análises do sítio, seus fósseis e supostos artefatos de pedra lascada; passa por uma minuciosa datação destes restos com um moderno método baseado nas taxas de decaimento radioativo de átomos de urânio; e chega a experimentos com ossos de elefantes e ferramentas de pedra para comparar com as marcas de fraturas em espiral encontradas nos ossos do mastodonte, segundo eles compatíveis com as vistas em outros achados do tipo tanto na África quanto nas Américas e para as quais já foi descartada a possibilidade de terem sido produzidas por processos naturais, sejam geológicos ou pela ação de outros animais predadores, assim como os de San Diego.

- Todas pistas e padrões nos levam à conclusão de que humanos estavam processando a carcaça e os ossos deste mastodonte neste local – afirmou, também durante a teleconferência de ontem, Tom Deméré, coautor do artigo na “Nature” e curador de paleontologia do Museu de História Natural de San Diego, que inaugura hoje display para exibição pública dos fósseis do Mastodonte Cerutti. - Mas é a idade de 130 mil anos calculada para os restos o resultado mais extraordinário de nossa pesquisa, pois coloca a chegada dos humanos nas Américas muito antes do que se imaginava.

Quanto a quem eram estes pioneiros habitantes das Américas, no entanto, os cientistas só podem especular, já que nenhum fóssil humano foi encontrado na área. Entre as hipóteses levantadas está a de que eram representantes do Homo erectus, espécie humana arcaica surgida há cerca de 2 milhões de anos na África e que sabe-se ter se espalhado pelo mundo, chegando à Ásia e Oceania. Outra possibilidade é de que faziam parte de um misterioso grupo conhecido como denisovans, mais uma espécie arcaica de humanos cujos traços genéticos foram identificados nas populações nativas atuais da Indonésia e Austrália, o que poderia ajudar a explicar seu mencionado “parentesco” com as tribos amazônicas de hoje, mas não com os índios da América do Norte. Ou mesmo que eram neandertais, os “primos” mais próximos dos humanos modernos do ponto de vista evolutivo e extintos há cerca de 30 mil anos.

- A verdade é que não sabemos quem teriam sido eles – admitiu Richard Fullagar, professor e pesquisador do Centro de Ciências Arqueológicas da Universidade de Wollongong, Austrália, e outro coautor do artigo participante da teleconferência promovida pela “Nature”. - O que sabemos é que por volta de 130 mil anos atrás, auge do último período interglacial do planeta, houve uma janela de oportunidade no nível do mar e no clima que permitiu esta viagem. Mas dizer que grupo fez esta migração e por onde é algo altamente especulativo, pois infelizmente não temos evidências de nenhum resto humano nas Américas desta época e eles podem ter se extinto localmente sem deixar registros a não ser, talvez, pela miscigenação com humanos modernos que chegaram na região posteriormente.

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