Primeiros humanos teriam chegado às Américas há 130 mil anos
Marcas em ossos de mastodonte indicam que espécie arcaica de hominídeos habitava continente muito antes da vinda do ‘Homo sapiens’, diz estudo
RIO - Há cerca de 80 milhões de anos, muito antes do
surgimento das primeiras espécies humanas - e até mesmo dos primatas em
geral -, as Américas já haviam se desprendido da África e Eurásia no
processo de rompimento do supercontinente de Pangeia, iniciado
aproximadamente outros 150 milhões de anos antes.
Com dois oceanos
(Pacífico e Atlântico) separando-o das outras grandes massas de terra do
planeta, o continente ficou praticamente isolado. Assim, sua fauna e
flora evoluíram de forma independente do resto da Terra, inclusive da
ação do homem, até aproximadamente 15 mil anos atrás, quando os humanos
modernos (Homo sapiens) finalmente adentraram as Américas,
provavelmente atravessando uma “ponte” temporária no Estreito de Bering
criada pelo recuo do nível do mar ao fim do último período glacial.
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Ou,
pelo menos, era isto que se achava. Estudo publicado nesta quarta-feira
na prestigiosa revista científica “Nature” afirma que ossos de um
mastodonte – um parente extinto dos elefantes – com idade calculada em
130 mil anos encontrados na área do que hoje é a cidade de San Diego,
EUA, apresentam sinais de terem sido quebrados com ferramentas de pedra,
no que os cientistas dizem ser uma indicação de que hominídeos, ou
seja, espécies arcaicas de humanos, chegaram no continente muito antes
do que se pensava.
A descoberta, portanto, põe ainda mais combustível no
já acirrado debate sobre a cronologia da ocupação humana das Américas,
alimentado por outros achados arqueológicos como os do sítio de Pedra
Furada, no Parque Nacional da Serra da Capivara, Piauí, cuja datação
sugere que grupos de Homo sapiens já habitavam a região entre
20 mil a até 50 mil anos atrás, e análises genéticas recentes que
encontraram, por exemplo, uma ligação entre os índios de tribos
amazônicas atuais com populações nativas antigas da Ásia e os aborígenes
australianos.
- Esperamos muito ceticismo devido à idade extrema deste sítio, mas
temos evidências que acreditamos serem conclusivas de que se trata de
fato de um sítio arqueológico – disse Steve Holen, diretor do Centro
para Pesquisa Paleolítica Americana e primeiro autor do artigo na
“Nature”, em teleconferência sobre o tema promovido pela própria revista
científica ontem. - Estamos preparados para enfrentar este ceticismo e
convidamos outros especialistas a revisitarem e estudarem depósitos e
coleções de fósseis da mesma época no continente, pois as pessoas
achavam que já tinham a resposta para o dilema da chegada dos humanos
nas Américas e não analisaram estes materiais deste ponto de vista. Eu
mesmo fiz isso até estudar o Mastodonte Cerutti (como o fóssil foi
batizado em homenagem ao paleontólogo americano Richard Cerutti, que
descobriu o sítio e liderou suas escavações nos anos 1990) e fui
surpreendido por esta descoberta.
Assim, para embasar suas conclusões que certamente vão gerar muita
polêmica, os pesquisadores responsáveis pela descoberta contam terem
reunido o que também acreditam ser uma série de evidências
extraordinárias. Lista que começa com cuidadosas e detalhadas
caracterizações e análises do sítio, seus fósseis e supostos artefatos
de pedra lascada; passa por uma minuciosa datação destes restos com um
moderno método baseado nas taxas de decaimento radioativo de átomos de
urânio; e chega a experimentos com ossos de elefantes e ferramentas de
pedra para comparar com as marcas de fraturas em espiral encontradas nos
ossos do mastodonte, segundo eles compatíveis com as vistas em outros
achados do tipo tanto na África quanto nas Américas e para as quais já
foi descartada a possibilidade de terem sido produzidas por processos
naturais, sejam geológicos ou pela ação de outros animais predadores,
assim como os de San Diego.
- Todas pistas e padrões nos levam à conclusão de que humanos estavam
processando a carcaça e os ossos deste mastodonte neste local –
afirmou, também durante a teleconferência de ontem, Tom Deméré, coautor
do artigo na “Nature” e curador de paleontologia do Museu de História
Natural de San Diego, que inaugura hoje display para exibição pública
dos fósseis do Mastodonte Cerutti. - Mas é a idade de 130 mil anos
calculada para os restos o resultado mais extraordinário de nossa
pesquisa, pois coloca a chegada dos humanos nas Américas muito antes do
que se imaginava.
Quanto
a quem eram estes pioneiros habitantes das Américas, no entanto, os
cientistas só podem especular, já que nenhum fóssil humano foi
encontrado na área. Entre as hipóteses levantadas está a de que eram
representantes do Homo erectus, espécie humana arcaica surgida
há cerca de 2 milhões de anos na África e que sabe-se ter se espalhado
pelo mundo, chegando à Ásia e Oceania. Outra possibilidade é de que
faziam parte de um misterioso grupo conhecido como denisovans, mais uma
espécie arcaica de humanos cujos traços genéticos foram identificados
nas populações nativas atuais da Indonésia e Austrália, o que poderia
ajudar a explicar seu mencionado “parentesco” com as tribos amazônicas
de hoje, mas não com os índios da América do Norte. Ou mesmo que eram
neandertais, os “primos” mais próximos dos humanos modernos do ponto de
vista evolutivo e extintos há cerca de 30 mil anos.
- A verdade é que não sabemos quem teriam sido eles – admitiu Richard
Fullagar, professor e pesquisador do Centro de Ciências Arqueológicas
da Universidade de Wollongong, Austrália, e outro coautor do artigo
participante da teleconferência promovida pela “Nature”. - O que sabemos
é que por volta de 130 mil anos atrás, auge do último período
interglacial do planeta, houve uma janela de oportunidade no nível do
mar e no clima que permitiu esta viagem. Mas dizer que grupo fez esta
migração e por onde é algo altamente especulativo, pois infelizmente não
temos evidências de nenhum resto humano nas Américas desta época e eles
podem ter se extinto localmente sem deixar registros a não ser, talvez,
pela miscigenação com humanos modernos que chegaram na região
posteriormente.
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