De onde vieram os invertebrados?
Análises evolutivas confirmaram que os ancestrais das plantas e dos animais (e fungos) eram protistas e que o fenômeno da pluricelularidade originou-se independentemente nesses três grupos, embora de maneiras diferentes. Dados genéticos e relativos ao desenvolvimento confirmam que os mecanismos básicos de formação de padrões e comunicação intercelular durante o desenvolvimento foram derivados independentemente nos animais e nas plantas. Nos animais, a identidade segmentar é estabelecida pela ativação transcricional espacialmente específica de uma série sobreposta de genes reguladores principais – os chamados genes do homeobox (Hox). Os genes reguladores principais das plantas não fazem parte da família dos genes do homeobox, mas pertencem à família MADS-box dos genes dos fatores de transcrição. Nenhuma evidência sugere que os genes dos fatores de transcrição do homeobox dos animais e do MADS-box das plantas sejam homólogos.
Embora o registro fóssil seja rico com referência à história de algumas das primeiras linhagens de animais, muitas outras deixaram poucas ou nenhuma marca fóssil. Alguns animais primitivos eram muito pequenos, alguns tinham corpos moles e não fossilizavam bem, enquanto outros viviam em locais onde as condições não eram propícias à formação dos fósseis.
Contudo, alguns grupos, como os equinodermos (estrelas-do-mar, ouriços), moluscos (mexilhões, caramujos), artrópodes (crustáceos, insetos), corais, ectoproctos, braquiópodes e vertebrados deixaram ricos registros fósseis. Na verdade, para alguns grupos (p. ex., equinodermos, braquiópodes, ectoproctos, moluscos), o número de espécies extintas conhecidas com base nos fósseis é maior que o número de formas vivas conhecidas. Representantes de quase todos os filos animais existentes estavam presentes no período Cambriano. Entretanto, a vida na terra não apareceu senão mais tarde e as radiações terrestres provavelmente começaram há apenas cerca de 470 milhões de anos. O relato apresentado a seguir resume o início da história da vida e a ascensão dos invertebrados.
O amanhecer da vida
Antes, acreditava-se que a era Proterozoica – 2,5 bilhões a 541 milhões de anos atrás – fosse um período no qual existiam alguns tipos simples de vida; daí o nome dessa era. Contudo, descobertas recentes demonstraram que a vida na Terra começou antes e teve uma longa história durante toda a era Proterozoica.
Como foi mencionado antes, algumas das rochas mais antigas conhecidas na Terra já tinham marcas sugestivas de procariotos anaeróbios redutores de sulfato e, talvez, até mesmo estromatólitos das cianobactérias. Existem descritos fósseis inquestionáveis de cianobactérias com 2,9 bilhões de anos. Os primeiros traços de vida eucariótica em fósseis atuais (algas bentônicas) datam de 1,7 a 2 bilhões de anos, enquanto os primeiros fósseis confirmados de eucariotos (fitoplâncton) têm 1,4 a 1,7 bilhão de anos. Em conjunto, esses procariotos e protistas parecem ter formado comunidades diversificadas nos hábitats marinhos rasos durante a era Proterozoica. Os estromatólitos vivos (colônias compactadas em camadas de cianobactérias e lama) ainda estão entre nós e podem ser encontrados em alguns ambientes costeiros com altos índices de evaporação e salinidade, como Shark Bay (oeste da Austrália), lagoa de Scammon (Baixa Califórnia), lagoas salinas em ilhas no Mar de Cortez, no Golfo Pérsico, na costa de Paracas no Peru, nas Bahamas e na Antártida. Os estromatólitos vivos também são encontrados em alguns depósitos de água continentais isolados, inclusive o famoso Cuatro Cienegas Oasis de Chihuahua, México.
No final da era Proterozoica (Neoproterozoico, 1 bilhão a 541 milhões de anos), o mundo era diferente do que é hoje. Os níveis de oxigênio da atmosfera eram muito mais baixos. O oceano profundo era especialmente pobre em oxigênio. Com base na ocorrência de várias glaciações ao nível do mar em baixas latitudes evidenciadas no registro geológico, cientistas sugeriram a hipótese de que tenham ocorrido três fenômenos na Terra coberta de gelo da era Neoproterozoica. Esses eventos da “Bola de Neve da Terra”, que poderiam ter durado até 10 milhões de anos cada um, parecem ter sido interrompidos por períodos de aquecimento rápido e condições globais semelhantes às de uma estufa. As causas dessas amplas oscilações climáticas durante a era Neoproterozoica ainda não estão claras, embora exista evidência de que os oceanos do planeta não tivessem a química de estabilização do carbono na forma de CaCO3, que existe hoje em dia. Na verdade, os principais precipitadores de carbono – como os foraminíferos e cocolitóforos – provavelmente ainda não existiam nos oceanos do planeta. Parece provável que a acumulação de CO2 atmosférico produzido pelas erupções vulcânicas maciças tenha provocado os fenômenos de aquecimento.
Todas essas alterações ocorreram durante a dissolução de um supercontinente conhecido como Rodínia (cerca de 750 Ma) – o supercontinente que precedeu a Pangeia. Foi nesse contexto que surgiram os primeiros metazoários, algum tempo entre 650 milhões de anos e 1 bilhão de anos atrás (ainda existem dúvidas quanto à datação exata). Cerca de 800 milhões de anos atrás, o oxigênio atmosférico aparentemente se estabilizou em um nível relativamente alto, abrindo espaço para a evolução mais rápida dos eucariotos e dos bilatérios. Evidentemente, o oxigênio era essencial à diversificação dos seres vivos complexos, grandes e metabolicamente ativos.
A hipótese predominante é que o filo Metazoa tenha surgido na era Neoproterozoica (Pré-cambriano Tardio) e começado seu processo de diversificação, depois se espalhando rapidamente no período Cambriano – a “explosão do Cambriano”. Contudo, durante a era Neoproterozoica, essas primeiras linhagens de animais devem ter sobrevivido a algumas extremas oscilações climáticas da Terra, incluindo alterações profundas da química dos oceanos e da atmosfera e fenômenos glaciais globais generalizados.
O período Ediacarano e a origem dos animais
Um dos mistérios mais desconcertantes ainda não solucionados em biologia é a origem e a radiação inicial de Metazoa (o reino animal). Evidências baseadas em fósseis (e relógio molecular) sugerem que, no período Ediacarano do final da era Proterozoica, já existia uma fauna de invertebrados marinhos bem-desenvolvida em todo o planeta. Embora os animais que existiram durante esse período tenham deixado poucos registros, a fauna do período Ediacarano (635 a 541 Ma) contém a primeira evidência de alguns filos modernos. Acredita-se que os seguintes filos atuais estavam representados entre a fauna ediacarana: Porifera, Cnidaria, Mollusca, possivelmente Annelida (incluindo possivelmente equiuros e pogonóforos), entre outros. Alguns autores chegaram a sugerir a existência de Onychophora, Arthropoda e Echinodermata, embora existam controvérsias a esse respeito.
Cientistas afirmam que o ediacarano Dickinsonia representa um “animal de nível placozoário”, que Kimberella pode ser um molusco, Eoandromeda um ctenóforo e Thectardis uma esponjosa (embora todas essas classificações sejam questionáveis). Pesquisadores descreveram mais de 100 gêneros de animais ediacaranos ao redor do mundo. Entretanto, alguns animais ediacaranos não podem ser atribuídos inquestionavelmente a nenhum filo atual e esses animais podem representar filos ou outros táxons de alto nível, que entraram em extinção na transição do Proterozoico para o Cambriano.
Os primeiros fósseis ediacaranos foram descritos em áreas da Terra Nova e da Namíbia, mas esse termo originou-se das aglomerações espetaculares desses fósseis descobertos em Ediacara, Flinders Ranges, ao sul da Austrália.
A maioria dos organismos ediacaranos estavam preservados na forma de impressões de águas rasas em deposições de arenito, mas alguns dos 25 ou mais locais dispersos por todo o mundo provavelmente representam comunidades de águas profundas e do talude continental.
A fauna ediacarana era formada principalmente de animais com corpos moles e, segundo relatos, não havia criaturas com carapaças grossas nesses depósitos. Mesmo os alegados moluscos e criaturas semelhantes aos artrópodes dessa fauna parecem ter desenvolvido esqueletos moles (com pouca ou nenhuma mineralização). Algumas estruturas quitinosas desenvolveram-se durante esse período, tal como as mandíbulas de algumas criaturas semelhantes aos anelídeos (e os tubos quitinosos semelhantes aos dos sabelídeos em outros) e as rádulas dos moluscos primitivos.5 As espículas siliciosas das esponjas hexactinélidas foram encontradas nos depósitos ediacaranos da Austrália e da China.
Em 2014, foram descobertos na Namíbia recifes de metazoários datados do período Ediacarano, que eram formados por criaturas esqueletizadas conhecidas como Cloudina. Semelhantes aos cnidários, esses animais são os organismos formadores de recifes estruturados mais antigos conhecidos, ainda que suas afinidades filogenéticas sejam desconhecidas.
Muitos desses animais do período Ediacarano parecem não possuir uma complexa estrutura de órgãos internos. Muitos eram pequenos e tinham simetria radial. Entretanto, ao menos no final do Ediacarano, parecem ter surgido animais grandes com simetria bilateral e alguns quase certamente tinham órgãos internos bem-desenvolvidos (p. ex., Dickinsonia, segmentada e em forma de folha, que alcançava 1 m de comprimento; Figura 1.2).
Alguns pesquisadores questionaram se a vida do período Ediacarano incluía ou não quaisquer animais, sugerindo que ela pudesse conter apenas protistas, algas, fungos, liquens e colônias e emaranhados microbianos. Contudo, alguns fósseis ediacaranos parecem ser inquestionavelmente poríferos e cnidários, enquanto outros (p. ex., Kimberella) mostram forte semelhança com moluscos.
Kimberella foi associada às marcas de arranhões reminiscentes de raspagem provocada pelas rádulas. Outros animais pareciam ter simetria bilateral, que era um conceito controverso no passado, mas hoje tem conquistado aceitação. Entre os fósseis bilatérios estão Kimberella, Spriggina (semelhante aos anelídeos ou aos artrópodes), “pequenos fósseis cobertos de conchas” (p. ex., os enigmáticos Cloudina) e embriões bilatérios da formação de Doushantuo, no sul da China, embora esses registros de bilatérios tenham seus opositores. Outras evidências de bilatérios encontrados nesses depósitos incluem o que parecem ser perfurações de predadores em pequenos fósseis cobertos por conchas e vários sulcos horizontais e verticais, que talvez tenham sido produzidos por animais móveis. Um grupo inteiro de espécies conhecidas como proarticulados parece ter segmentação e simetria bilateral (p. ex., Dickinsonia, Vendia, Onega e Praecambridium).
O início do período Ediacarano coincide com o fim do último evento de “Bola de Neve da Terra” no Pré-cambriano, quando a maior parte das áreas terrestres da Terra e talvez grande parte de seu oceano estavam congeladas. Além disso, ao fim do Ediacarano (final do Pré-cambriano), muitas criaturas vivas parecem ter sido extintas.6 O período Ediacarano foi seguido pelo período Cambriano (541 a 485 Ma) e pela grande “explosão” de vida de metazoários esqueletizados associados a essa época (ver adiante).
No período Cambriano, a vida rapidamente se tornou muito interessante e complexa! Ainda é um mistério por que os animais grandes e esqueletizados apareceram nesse período específico e em tão grande profusão, mas o registro fóssil diz-nos claramente que, no início do período Cambriano, a maior parte dos principais filos animais que hoje conhecemos já existia. Evidentemente, grandes mudanças ocorreram no final do Pré-cambriano e no início do Cambriano Primitivo – a separação dos supercontinentes, a elevação do nível do mar, uma possível crise de nutrientes, oscilações da composição da atmosfera (incluindo níveis de oxigênio e CO2), alterações da química dos oceanos – e tudo isso provavelmente desempenhou um papel importante no desaparecimento da fauna ediacarana e no surgimento da vida cambriana.
A era Paleozoica (541 a 252 Ma)
O éon Fanerozoico (um período de vida abundante na Terra, que inclui as eras Paleozoica, Mesozoica e Cenozoica) foi introduzido quase simultaneamente com o aparecimento (no Cambriano Inferior) de esqueletos corpóreos calcários grandes e bem-desenvolvidos em numerosos grupos, como os arqueociatos (organismos semelhantes aos corais, que provavelmente eram esponjas primitivas), moluscos, briozoários, braquiópodes, crustáceos e trilobitas.
Os animais recobertos por conchas (moluscos etc.) surgiram primeiramente entre os “pequenos fósseis cobertos de conchas” do Cambriano Primitivo e os quetognatas (representados pelos protoconodontes) são sabidamente desse mesmo período. Portanto, o aparecimento de esqueletos animais bem-mineralizados define o início do Cambriano e foi um evento de importância fundamental na história da vida. Os animais recém-esqueletizados espalharam-se rapidamente e desempenharam diversas funções ecológicas nos ambientes marinhos de águas rasas e, no início do período Cambriano, surgiu a maioria dos filos viventes que tinham partes rígidas.
As evidências sugerem que, no início do período Cambriano, o oceano do planeta aumentou drasticamente seu teor de cálcio, coincidindo com a proliferação dos animais esqueletizados. O clima era quente e os oceanos epicontinentais rasos cobriam amplas regiões dos continentes paleozoicos. A explosão de animais bilateralmente simétricos (bilatérios) também começou em torno da transição do Proterozoico ao Cambriano. As samambaias e outras gimnospermas também surgiram durante o Paleozoico, talvez há cerca de 400 milhões de anos, enquanto as angiospermas surgiram há cerca de 200 milhões de anos, conforme foi sugerido por estudos moleculares (ainda que os fósseis de angiosperma mais antigos e inquestionáveis tenham surgido há cerca de 130 Ma).
Todas essas linhagens de metazoários surgiram rapidamente durante os primeiros 10 milhões de anos do período Cambriano? Ou algumas delas (ou a maioria) já estavam se desenvolvendo no período Ediacarano? Contudo, ainda precisamos encontrar evidências disso, talvez porque eles não tivessem esqueletos rígidos ou fossem muito pequenos. Essa última hipótese, algumas vezes referida como hipótese do “pavio filogenético”, é apoiada pela descoberta de crustáceos inquestionáveis com aspecto “moderno” nos primórdios do Cambriano, assim como algumas criaturas do Ediacarano que se assemelham aos filos modernos.
Considerando que os filos avançados (p. ex., artrópodes) já estavam bem-estabelecidos nos primórdios do Cambriano, parece provável que os primeiros filos derivados dos ecdisozoários devessem estar vivos e bem-desenvolvidos durante o período Ediacarano. Na verdade, embriões de animais bilatérios aparentemente fosfatados do período Ediacarano constituem evidência das raízes ocultas dos Metazoa e é provável que a “explosão” evolutiva dos filos animais modernos tenha ocorrido bem antes do início do período Cambriano. Uma análise filogenética ampla realizada recentemente por Omar Rota-Stabelli e colaboradores utilizou 67 pontos de calibração de fósseis para datar uma escala de tempo (timetree) molecular do filo dos ecdisozoários, concluindo que o clado originou-se do período Ediacarano.
C., BRUSCA, R., MOORE, Wendy, SHUSTER, M.. Invertebrados, 3ª edição. Guanabara Koogan, 03/2018. VitalBook file.
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