No 2º Encontro Regional América
Latina e Caribe da Ecosystem Services Partnership, economista
norte-americano Joshua Farley compara a crise ambiental atual à Grande
Depressão e à Segunda Guerra Mundial (foto: Diego Padgurschi / divulgação)
Mudanças climáticas devem ser enfrentadas por toda a sociedade
31 de outubro de 2018
André Julião | Agência FAPESP – A Grande
Depressão nos anos 1930 foi um momento em que os americanos se uniram
para enfrentar a pior crise de sua história até então. Em alguns anos,
uma nação com grande concentração de renda se transformou em uma
sociedade de classe média. Da mesma forma, na Segunda Guerra, entre 1939
e 1945, houve racionamento de alimentos, energia e outros itens, além
de políticas econômicas “draconianas” implantadas pelo governo dos
Estados Unidos a fim de vencer o conflito para os Aliados.
Para Joshua Farley, economista da University of Vermont, assim como
nesses dois momentos históricos, quando todos assumiram sacrifícios para
derrotar um inimigo comum, o momento atual exige atitude semelhante
para enfrentar o maior problema da atualidade, as mudanças climáticas.
Farley fez a afirmação durante conferência no 2º Encontro Regional
América Latina e Caribe da Ecosystem Services Partnership (ESP),
realizado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) de 22 a 26 de
outubro, por iniciativa da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e
Serviços Ecossistêmicos/BPBES em parceria com a Embrapa e a Fundação
Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS). Além da Unicamp, o
evento teve apoio do Programa BIOTA-FAPESP e da Applied Biodiversity Foundation.
A implantação de projetos de valoração de serviços ecossistêmicos
(proteção de nascentes, polinização, manutenção de florestas, entre
outros) é parte da proposta de Farley por uma economia mais
sustentável.
Casado com uma brasileira e com projetos de pesquisa em comunidades
de Santa Catarina, entre outros locais do país, Farley disse que mais do
que nunca é necessária uma colaboração entre as nações, parte delas por
meio dos acordos ambientais multilaterais e de redes como a Plataforma
Intergovernamental sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos
(IPBES, na sigla em inglês).
“[Do ponto de vista ambiental], o Brasil é muito bom em um
monte de coisas. Tem uma grande área conservada, usa muita energia
renovável, mas há uma grande preocupação de que haja uma massiva
desregulação dos negócios, o que permitirá que se degrade o meio
ambiente e de que haja mais desflorestamento. Essas são ameaças atuais”,
disse.
O economista falou do risco de chegar a um ponto de não retorno, quando já não poderão ser desfeitas as perdas ambientais. Carlos Joly,
professor do Instituto de Biologia da Unicamp, coordenador do
BIOTA-FAPESP e um dos criadores da Plataforma Brasileira de
Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês),
disse que esse é um dos principais pontos trabalhados durante o
encontro.
“Uma questão é estarmos preparados para medir o quanto as mudanças
climáticas, por exemplo, já impactaram os serviços ecossistêmicos e o
quão distante estamos de um ponto de não retorno. Às vezes só se
descobre que passou deste ponto quando é tarde demais”, disse Joly à Agência FAPESP.
Para evitar esse cenário, membros do IPBES como Joly trabalham para
aperfeiçoar ferramentas de modelagem e de cenários, a fim de melhorar a
previsibilidade. “Estamos discutindo o ferramental teórico, de um lado, e
o prático, de outro. Quais metodologias e ferramentas que temos para
fazer uma avaliação correta dos pontos de não retorno”, disse.
O encontro contou não só com representantes da comunidade acadêmica
de países da América Latina e Caribe, como também de ONGs, governos e
empresas. “Quando falamos em acordos globais, não podemos trabalhar só
em uma perspectiva acadêmica. Ela é superimportante, é a base do
trabalho, mas se não chegarmos às ONGs, aos governos, ao setor privado, a
discussão vai ficar apenas na academia e não vai se efetivar em ações”,
disse Maíra Padgurschi, pesquisadora da BPBES.
“A ideia de trazer esse tipo de discussão para um evento de uma rede
de pesquisadores é colocar os diferentes atores frente a frente para
discutir e achar as soluções em conjunto”, disse.
Preço da natureza
O pagamento por serviços ambientais é uma ferramenta criada na década
passada. Prevê que proprietários de terra que contribuam com a
conservação ou restauração de serviços ecossistêmicos – preservação de
nascentes e florestas, por exemplo – recebam um pagamento por isso.
Um dos programas do tipo no Brasil é o "Projeto
de Recuperação e proteção dos serviços ecossistêmicos relacionados ao
clima e à biodiversidade no corredor sudeste da Mata Atlântica do Brasil", resultado da parceria entre os programas Mudanças Climáticas e BIOTA da FAPESP e a Global Environmental Facility (GEF).
“Estamos trazendo uma novidade que é não focar em apenas um serviço. A
pessoa receber, por exemplo, apenas porque está protegendo uma nascente
de água. Para preservar essa nascente, foi preciso uma restauração
florestal, então isso tem captura de carbono envolvido. Além disso, se a
restauração utilizar espécies que são importantes como o abrigo ou
alimentação para polinizadores, a manutenção do serviço de polinização
também poderá ser considerada no pagamento dos serviços ambientais
prestados por aquele proprietário”, disse Joly.
Além disso, explica o pesquisador, nos últimos anos vêm sendo
cogitadas novas formas de pensar em serviços ecossistêmicos que incluam
outros valores, sem romper com paradigmas que foram estabelecidos em
2005 e 2007, quando os conceitos foram consolidados na Avaliação
Ecossistêmica do Milênio (Millenium Ecosystem Assessment).
“Muitas culturas indígenas têm diferentes concepções de mundo e
consideram estes serviços ecossistêmicos não precificáveis, mas
contribuições da natureza para o homem”, disse Joly, citando o debate
publicado recentemente na revista Science.
“É importante considerarmos essas duas visões de mundo, e não apenas a
ideia monetarista que o serviço ecossistêmico acaba inevitavelmente
carregando”, disse o pesquisador.
Farley afirmou que o mercado sozinho não fornece todas as soluções,
como pregam muitos economistas. “Precisamos muito mais de um sistema
híbrido, onde itens como sustentabilidade, justiça e recursos essenciais
como alimentos sejam determinados fora do sistema de mercado”, disse
Farley.
Para chegar a algo semelhante por aqui, um passo importante será o
lançamento do primeiro diagnóstico da BPBES, com as conclusões do
primeiro levantamento do tipo feito no Brasil. O documento será lançado
no dia 8 de novembro, no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro.
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