De volta para o Mar: Os Mesossaurídeos
Conheça mais sobre esse grupo de répteis que foram pioneiros no retorno ao meio aquático
Os mesossaurídeos são um grupo de pequenos répteis que viveram no período Permiano,
cujo tamanho não ultrapassava 1 metro de comprimento, e que eram
adaptados para uma vida em meio aquático. Eles são caracterizados por
membros espalmados (como nos pés dos patos) e uma longa cauda alta e
estreita, que provavelmente era o principal instrumento de propulsão
destes animais durante o nado[1,2,3]. Atualmente, três espécies de mesossaurídeos são reconhecidas: Mesosaurus tenuidens, Stereosternum tumidum, e Brazilosaurus saopauloensis.
Elas distinguem entre si principalmente pela proporção entre o crânio e
pescoço, pelo tamanho dos dentes e pelo grau de espessamento (isto é,
robustez) das costelas e arcos hemais (ossos da parte ventral da cauda)[1] (Figura 1). Esses ossos espessos aumentam a densidade do animal e facilitam no controle da flutuação.
Os fósseis de mesossaurídeos são encontrados em rochas do Brasil,
Paraguai e Uruguai, assim como na África do Sul e Namíbia. No Brasil,
seus vestígios são comuns nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, São
Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os sedimentos dessas
rochas indicam a ocorrência de um amplo mar raso entre os dois
continentes (africano e americano) há aproximadamente 278 milhões de
anos (quase 50 milhões de anos antes dos primeiros dinossauros
conhecidos). Como esses continentes são hoje em dia separados por
milhares de quilômetros, os estudos dos mesossaurídeos possibilitaram o
conhecimento de que a América do Sul e a África estiveram unidas entre
si num passado distante.
Os mesossaurídeos são os fósseis mais frequentemente encontrados
nessas rochas, que registram comumente também alguns pequenos crustáceos
conhecidos como pigocefalomorfos (um nome um tanto complicado, mas não
precisam se preocupar com ele). Hoje sabemos, com base em fezes fossilizadas (coprólitos) associadas às rochas dos mesossauros, que esses crustáceos eram a principal fonte de alimento desses répteis[4].
Curiosamente, alguns coprólitos apresentam restos de pequenos ossos de
mesossaurídeos, indicando que estes animais também poderiam ser canibais
ou se alimentar de animais já mortos.
A predominância de mesossaurídeos e crustáceos pigocefalomorfos nas rochas, aliada à quase ausência de peixes e outros animais aquáticos, indica que o ecossistema em que viviam nossos répteis marinhos possuía baixa diversidade, possivelmente devido ao alto teor de sal na água[5]. Uma das evidências que suportam essa hipótese de alta salinidade é a presença de uma abertura adicional no crânio dos mesossaurídeos, próximo à sua narina, que abrigaria uma glândula para eliminar o excesso de sal ingerido pelo animal[3], semelhante ao que encontramos nas tartarugas marinhas e crocodilos atualmente.Como esses continentes são hoje em dia separados por milhares de quilômetros, os estudos dos mesossaurídeos possibilitaram o conhecimento de que a América do Sul e a África estiveram unidas entre si num passado distante.
As três espécies de mesossaurídeos aqui apresentadas habitavam ambientes distintos. Mesosaurus tenuidens é predominantemente encontrado em folhelhos negros, uma rocha associada a um ambiente mais profundo, enquanto as duas outras espécies são mais comuns em rochas do tipo calcários, que se formaram em águas rasas, presentes próximas à costa[1]. Oelofsen e Araújo propuseram, em 1987, que essas três espécies seriam contemporâneas, sendo que Mesosaurus
habitaria regiões centrais do mar, já que são comumente encontrados nos
sedimentos do Paraná, Uruguai e África do Sul, enquanto as outras duas
espécies seriam restritas às bordas, e seus registros são mais comuns
nos estados de São Paulo e Goiás.
A predominância de mesossaurídeos e crustáceos pigocefalomorfos nas rochas, aliada à quase ausência de peixes e outros animais aquáticos, indica que o ecossistema em que viviam nossos répteis marinhos possuía baixa diversidade, possivelmente devido ao alto teor de sal na água
Recentemente, um espécime adulto de Stereosternum com ossos
de um pequeno mesossaurídeo dentro de seu tronco foi interpretado como
uma fêmea grávida e um pequeno espécime isolado foi identificado como
embrião[6] (Figura Capa). Segundo os autores do estudo em questão, os mesossaurídeos seriam animais vivíparos,
como muitos outros répteis aquáticos (a exemplo dos ictiossauros), ou
depositariam seus ovos com embriões em estágio avançado de
desenvolvimento (eles nasceriam pouco tempo depois de a mãe depositar os
ovos).
Apesar de os mesossaurídeos serem conhecidos e estudados há mais de
150 anos, vários aspectos sobre sua forma de vida e sua biologia ainda
permanecem envoltos em mistério. Sua relação de parentesco com os demais
grupos de répteis merece a atenção de novos estudos, assim como os
motivos que levaram à sua extinção. Por outro lado, aspectos de sua
biologia pouco a pouco começam a ser elucidados, permitindo assim aos
cientistas entender melhor qual o papel que esses animais apresentaram
no estranho ambiente em que viveram. São esses os mistérios que
continuam a motivar os cientistas nas suas pesquisas a revelar os
segredos destes fascinantes répteis, há muito tempo extintos.
Referências
[1] Oelofsen, B. & Araújo, D. C. (1987). Mesosaurus tenuidens and Stereosternum tumidum from the Permian Gondwana of both Southern Africa and South America. South African Journal of Science, 83: 370-372.
[2] Modesto, S. P. (1999). Observations on the structure of the Early Permian reptile Stereosternum tumidum Cope. Palaeontologia Africana, 35: 7-19.
[3] Modesto, S. P. (2006). The cranial skeleton of the Early Permian aquatic reptile Mesosaurus tenuidens: implications for relationships and palaeobiology. Zoological Journal of the Linnean Society, 146: 345-368.
[4] Silva, R. R, Ferigolo, J., Bajdek P. & Piñeiro, G. (2017). The Feeding Habits of Mesosauridae. Front. Earth Sci. 5:23. doi: 10.3389/feart.2017.00023
[5] Piñeiro, G., Ramos, A., Goso, C., Scarabino, F. & Laurin, M. (2012). Unusual environmental conditions preserve a Permian mesosaur-bearing Konservat-Lagerstätte from Uruguay. Acta Palaeontologica Polonica, 57 (2): 299–318.
[6] Piñeiro, G., Ferigolo, J., Meneghel, M., & Laurin, M. (2012). The oldest known amniotic embryos suggest viviparity in mesosaurs. Historical Biology, 24(6), 620-630.
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