domingo, 14 de outubro de 2018

De volta para o Mar: Os Mesossaurídeos

De volta para o Mar: Os Mesossaurídeos

Conheça mais sobre esse grupo de répteis que foram pioneiros no retorno ao meio aquático

Os mesossaurídeos são um grupo de pequenos répteis que viveram no período Permiano, cujo tamanho não ultrapassava 1 metro de comprimento, e que eram adaptados para uma vida em meio aquático. Eles são caracterizados por membros espalmados (como nos pés dos patos) e uma longa cauda alta e estreita, que provavelmente era o principal instrumento de propulsão destes animais durante o nado[1,2,3]. Atualmente, três espécies de mesossaurídeos são reconhecidas: Mesosaurus tenuidens, Stereosternum tumidum, e Brazilosaurus saopauloensis. Elas distinguem entre si principalmente pela proporção entre o crânio e pescoço, pelo tamanho dos dentes e pelo grau de espessamento (isto é, robustez) das costelas e arcos hemais (ossos da parte ventral da cauda)[1] (Figura 1). Esses ossos espessos aumentam a densidade do animal e facilitam no controle da flutuação.
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Figura 1. Comparativo entre as espécies conhecidas de mesossaurídeos. Elaboração própria a partir de Oelofsen & Araújo (1987). Ilustrações por Felipe Elias.
Os fósseis de mesossaurídeos são encontrados em rochas do Brasil, Paraguai e Uruguai, assim como na África do Sul e Namíbia. No Brasil, seus vestígios são comuns nos estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Os sedimentos dessas rochas indicam a ocorrência de um amplo mar raso entre os dois continentes (africano e americano) há aproximadamente 278 milhões de anos (quase 50 milhões de anos antes dos primeiros dinossauros conhecidos). Como esses continentes são hoje em dia separados por milhares de quilômetros, os estudos dos mesossaurídeos possibilitaram o conhecimento de que a América do Sul e a África estiveram unidas entre si num passado distante.

Os mesossaurídeos são os fósseis mais frequentemente encontrados nessas rochas, que registram comumente também alguns pequenos crustáceos conhecidos como pigocefalomorfos (um nome um tanto complicado, mas não precisam se preocupar com ele). Hoje sabemos, com base em fezes fossilizadas (coprólitos) associadas às rochas dos mesossauros, que esses crustáceos eram a principal fonte de alimento desses répteis[4]. Curiosamente, alguns coprólitos apresentam restos de pequenos ossos de mesossaurídeos, indicando que estes animais também poderiam ser canibais ou se alimentar de animais já mortos.
Como esses continentes são hoje em dia separados por milhares de quilômetros, os estudos dos mesossaurídeos possibilitaram o conhecimento de que a América do Sul e a África estiveram unidas entre si num passado distante.
A predominância de mesossaurídeos e crustáceos pigocefalomorfos nas rochas, aliada à quase ausência de peixes e outros animais aquáticos, indica que o ecossistema em que viviam nossos répteis marinhos possuía baixa diversidade, possivelmente devido ao alto teor de sal na água[5]. Uma das evidências que suportam essa hipótese de alta salinidade é a presença de uma abertura adicional no crânio dos mesossaurídeos, próximo à sua narina, que abrigaria uma glândula para eliminar o excesso de sal ingerido pelo animal[3], semelhante ao que encontramos nas tartarugas marinhas e crocodilos atualmente.
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Figura 2. Espécime Mesosaurus tenuidens, Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo. Foto: André Cattaruzzi.
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Figura 3. Stereosternum tumidum, Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo. Foto: André Cattaruzzi.
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Figura 4. Brazilosaurus sanpauloensis, retirado de Silva et al. (2017).
As três espécies de mesossaurídeos aqui apresentadas habitavam ambientes distintos. Mesosaurus tenuidens é predominantemente encontrado em folhelhos negros, uma rocha associada a um ambiente mais profundo, enquanto as duas outras espécies são mais comuns em rochas do tipo calcários, que se formaram em águas rasas, presentes próximas à costa[1]. Oelofsen e Araújo propuseram, em 1987, que essas três espécies seriam contemporâneas, sendo que Mesosaurus habitaria regiões centrais do mar, já que são comumente encontrados nos sedimentos do Paraná, Uruguai e África do Sul, enquanto as outras duas espécies seriam restritas às bordas, e seus registros são mais comuns nos estados de São Paulo e Goiás.
A predominância de mesossaurídeos e crustáceos pigocefalomorfos nas rochas, aliada à quase ausência de peixes e outros animais aquáticos, indica que o ecossistema em que viviam nossos répteis marinhos possuía baixa diversidade, possivelmente devido ao alto teor de sal na água
Recentemente, um espécime adulto de Stereosternum com ossos de um pequeno mesossaurídeo dentro de seu tronco foi interpretado como uma fêmea grávida e um pequeno espécime isolado foi identificado como embrião[6] (Figura Capa). Segundo os autores do estudo em questão, os mesossaurídeos seriam animais vivíparos, como muitos outros répteis aquáticos (a exemplo dos ictiossauros), ou depositariam seus ovos com embriões em estágio avançado de desenvolvimento (eles nasceriam pouco tempo depois de a mãe depositar os ovos).
Apesar de os mesossaurídeos serem conhecidos e estudados há mais de 150 anos, vários aspectos sobre sua forma de vida e sua biologia ainda permanecem envoltos em mistério. Sua relação de parentesco com os demais grupos de répteis merece a atenção de novos estudos, assim como os motivos que levaram à sua extinção. Por outro lado, aspectos de sua biologia pouco a pouco começam a ser elucidados, permitindo assim aos cientistas entender melhor qual o papel que esses animais apresentaram no estranho ambiente em que viveram. São esses os mistérios que continuam a motivar os cientistas nas suas pesquisas a revelar os segredos destes fascinantes répteis, há muito tempo extintos.

Para saber mais: www.paleozoobr.com

Referências

[1] Oelofsen, B. & Araújo, D. C. (1987). Mesosaurus tenuidens and Stereosternum tumidum from the Permian Gondwana of both Southern Africa and South America. South African Journal of Science, 83: 370-372.

[2] Modesto, S. P. (1999). Observations on the structure of the Early Permian reptile Stereosternum tumidum Cope. Palaeontologia Africana, 35: 7-19.

[3] Modesto, S. P. (2006). The cranial skeleton of the Early Permian aquatic reptile Mesosaurus tenuidens: implications for relationships and palaeobiology. Zoological Journal of the Linnean Society, 146: 345-368.

[4] Silva, R. R, Ferigolo, J., Bajdek P. & Piñeiro, G. (2017). The Feeding Habits of Mesosauridae. Front. Earth Sci. 5:23. doi: 10.3389/feart.2017.00023

[5] Piñeiro, G., Ramos, A., Goso, C., Scarabino, F. & Laurin, M. (2012). Unusual environmental conditions preserve a Permian mesosaur-bearing Konservat-Lagerstätte from Uruguay. Acta Palaeontologica Polonica, 57 (2): 299–318.

[6] Piñeiro, G., Ferigolo, J., Meneghel, M., & Laurin, M. (2012). The oldest known amniotic embryos suggest viviparity in mesosaurs. Historical Biology, 24(6), 620-630.

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