sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

A idade da Lua

Análise de elementos químicos em amostras de rochas lunares indica que o satélite da Terra se formou 50 milhões de anos após o Sistema Solar
Elementos químicos presentes em rochas lunares indicam que o astro teria se formado há 4,51 bilhões de anos
Nasa
No dia 20 de julho de 1969, a humanidade deu seus primeiros passos em outro corpo celeste: a missão Apollo 11 chegava à Lua. Meio século depois, os pouco mais de 21 quilogramas (kg) de rochas lunares trazidos na bagagem dos astronautas Neil Armstrong, Michael Collins e Buzz Aldrin – além de outro tanto obtido nas missões seguintes – estão ajudando cientistas de diversos países, inclusive do Brasil, a desvendar as origens do satélite natural da Terra.

Em um artigo publicado hoje (29/7) na revista Nature Geoscience, o grupo coordenado pelo geoquímico Carsten Münker, da Universidade de Colônia, Alemanha, analisou a composição de rochas de diferentes áreas da face lunar voltada para a Terra e concluiu que o astro começou a se solidificar 50 milhões de anos após a formação do Sistema Solar. “O estudo de meteoritos indica que o Sistema Solar se formou há 4,56 bilhões de anos, a Lua, portanto, teria cerca de 4,51 bilhões de anos”, conta o geólogo brasileiro Felipe Leitzke, do Instituto de Geociências da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), um dos autores do estudo. 

A Terra teria se formado, portanto, 30 milhões de anos antes da Lua, há 4,54 bilhões de anos.

Segundo a hipótese mais aceita, a Lua teria se formado a partir do material ejetado quando um corpo celeste com o tamanho de Marte colidiu com a Terra primitiva. O material lançado ao espaço era recoberto por um oceano de magma pastoso, que gerou diferentes tipos de rochas à medida que esfriava.

Antes da realização desse trabalho, a idade estimada para o surgimento da Lua variava muito. Calculava-se que ela tivesse se formado em algum momento entre 30 milhões e 200 milhões de anos após a origem do Sistema Solar. Para chegar a uma data mais precisa, os pesquisadores dataram as rochas lunares a partir da proporção dos elementos químicos radioativos e de seus subprodutos nelas contidos – técnica conhecida como datação radiométrica ou radioativa.

Entrevista: Felipe Leitzke
     
Após dissolver pequenas amostras das rochas em ácido, eles analisaram a proporção dos elementos químicos tungstênio (W) e háfnio (Hf) contidos nelas. 

O tungstênio se formou a partir do decaimento radioativo do háfnio

Como o tempo necessário para essa transformação é conhecido e característico de cada elemento químico, é possível usar a proporção entre esses elementos como uma espécie de relógio geológico – quanto mais tempo passa, maior a quantidade de tungstênio e menor a de háfnio na rocha.

O grupo de Münker trabalhou com duas variantes (isótopos) específicas do tungstênio e do háfnio: o tungstênio 182, que, além dos 74 prótons, tem 108 partículas de carga neutra (nêutrons) em seu núcleo; e o háfnio 182, que tem 72 prótons e 110 nêutrons. “Comparando a quantidade desses elementos nas rochas, foi possível aprender quando e como cada amostra se formou na Lua durante a solidificação do oceano de magma e sua posterior fusão parcial”, conta Leitzke.

“Esse sistema de decaimento não existe mais na Terra de forma natural”, relata o físico Othon Winter, líder do Grupo de Dinâmica Orbital e Planetologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e pesquisador do Grupo de Trajetórias Espaciais do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que não participou da pesquisa. A conversão de háfnio em tungstênio foi extinta ainda nos primórdios do Sistema Solar, há 4,5 bilhões de anos.

Evidências desse sistema isotópico extinto são difíceis de encontrar na Terra, em virtude da dinâmica interna do planeta e da tectônica de placas, que apagaram grande parte do registro do início da história terrestre. “Estudar a Lua é importante porque o satélite natural é como se fosse um registro da Terra congelado no tempo, já que muito do que existiu aqui há bilhões de anos foi preservado lá pela inexistência das dinâmicas internas do astro”, explica Leitzke. “Aprender sobre o passado da Lua é, também, compreender nosso próprio passado.”

Artigo científico
 
THIEMENS, M. M. et al. Early Moon formation inferred from Hafnium-tungsten systematics. Nature Geoscience. On-line. 29 jul. 2019.

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