Pretzel cósmico
Imagem registra sistema formado por duas estrelas recém-nascidas
envoltas por discos e filamentos de gás e de poeira entrelaçados
Novembro de 2019 - Fapesp
Na constelação de Ofiúco, distante cerca de 600 anos-luz da
Terra, duas estrelas jovens de massa equivalente à do Sol alimentam-se
de uma rede de filamentos de gás e poeira interestelar envolta por um
disco maior na forma de uma espiral. De longe, essa figura lembra um pretzel,
tipo de pão bastante popular nos países de origem germânica. A imagem
desse sistema estelar foi possível graças a uma observação em alta
resolução realizada por um grupo internacional de pesquisadores, entre
eles os astrofísicos brasileiros Felipe de Oliveira Alves, que faz
estágio de pós-doutorado no Centro de Estudos Astronômicos do Instituto
Max Planck para Física Extraterrestre, em Munique, na Alemanha, e
Gabriel Armando Franco, do Departamento de Física do Instituto de
Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Um
artigo publicado em outubro na revista Science traz detalhes desse flagra cósmico.
Pesquisadores de outros grupos já haviam obtido um esboço das
estruturas em torno das duas estrelas recém-nascidas a partir de
informações fornecidas pelo radiotelescópio Submillimeter Array (SMA),
no Havaí. Desta vez, no entanto, a equipe coordenada por Alves usou a
rede de radiotelescópios do Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array
(Alma), em San Pedro de Atacama, no Chile, um dos maiores sítios de
observação astronômica do mundo. As imagens obtidas pelo Alma são muito
mais nítidas que as feitas pelo SMA e permitiram aos pesquisadores
analisar os pormenores de toda a estrutura do sistema, batizado de
[BHB2007] 11, inclusive sua intrincada rede de filamentos de gás e
poeira que parecem dançar em torno dos dois pontos brilhantes. “Essa é a
primeira vez que astrofísicos conseguem obter uma imagem tão nítida de
um sistema de protoestrelas binárias em seus estágios iniciais de
formação”, destaca Franco.
Com base nas observações, os pesquisadores calculam que as duas
estrelas estão separadas uma da outra por uma distância 28 vezes maior
do que a da Terra em relação ao Sol, que é de aproximadamente 149,6
milhões de quilômetros. Também estimam que elas tenham nascido há cerca
de 200 mil anos, a partir do colapso de uma nuvem molecular, também
conhecida como nebulosa escura.
Essas regiões da Via Láctea apresentam grandes concentrações de gás e
poeira interestelar. São tão densas que são capazes de obscurecer a luz
das estrelas situadas atrás delas. As nebulosas são também extremamente
frias, com temperaturas de até -250 graus Celsius, próximas ao zero
absoluto. Essas condições favorecem a aglomeração de gases. Quando a
densidade atinge um valor limite, essas nuvens colapsam sob a ação de
sua própria força gravitacional e se despedaçam em fragmentos menores
que dão origem às protoestrelas. “É por isso que as nebulosas escuras
passaram a ser conhecidas como berçários de estrelas entre astrônomos e
astrofísicos”, conta Franco.
As duas protoestrelas estão situadas em um pequeno aglomerado estelar
em uma nebulosa escura chamada Barnard 59, na extremidade de uma nuvem
de poeira interestelar mais densa e maior chamada Nebulosa do Cachimbo —
assim batizada por conta de seu formato.
Cada estrela tem seu próprio
disco circunstelar, ambos compostos de poeira e gás. “O tamanho de cada
um desses discos é semelhante à distância do Sol em relação ao cinturão
de asteroides, localizado entre as órbitas de Marte e Júpiter”, explica
Alves, principal autor do estudo. “Ambos estão cercados por um disco
maior, quase circular, de massa equivalente a 80 vezes à de Júpiter.” Na
imagem divulgada, os filamentos estão entrelaçados e é possível
identificar dois deles. Não é possível ver o disco maior.
Segundo os pesquisadores, as duas protoestrelas provavelmente se
alimentam do material contido no disco maior por meio de um mecanismo
dividido em duas etapas. Em um primeiro momento, a massa do disco maior é
transferida para o menor, que, em seguida, é absorvido pelas jovens
estrelas. “Há uma hierarquia no modo como elas se alimentam e ganham
massa”, diz Alves.
Ele explica que, à medida que o material desses anéis cai no centro
das protoestrelas, elas se tornam maiores. Isso ocorre porque o gás
sugado por elas se contrai, convertendo energia cinética, do movimento,
em calor. Esse processo faz com que tanto sua pressão quanto sua
temperatura aumentem. Ao atingirem alguns milhares de graus de
temperatura, daqui a estimados 12 milhões de anos, as protoestrelas vão
se tornar uma fonte de radiação infravermelha e se transformar em uma
estrela como o Sol.
Segundo Franco, as duas protoestrelas binárias têm massas parecidas,
mas uma possivelmente é menor que a outra. “Ela parece se alimentar mais
do material contido no seu disco e ganhar massa mais rápido que a
estrela maior”, comenta ele. Apesar dessa ligeira irregularidade, as
observações indicam que todo o sistema tende a se autorregular para que
as duas protoestrelas mantenham massas mais ou menos equivalentes e se
desenvolvam de modo homogêneo. “Esses dados nos ajudam a compreender
melhor como se dá a formação desses sistemas nascentes compostos por
duas estrelas”, afirma Alves.
Artigo científico
ALVES, F. O. et al. Gas flow and accretion via spiral streamers and circumstellar disks in a young binary protostar. Science. v. 366, nº 6461, p. 90-93. out. 2019.
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